Em tempos de popularidade das redes sociais, muitas pessoas levam essa preocupação com a estética a patamares de tentarem mudar sua aparência para tentar se encaixar em padrões de outras pessoas, da publicidade ou àqueles estabelecidos pela própria pessoa, mas que são idealizados fora de suas próprias características, até mesmo se transfigurando. Algumas recorrem a procedimentos como bichectomia (cortar as bochechas para afinar o rosto), mewing (forçar a língua no céu da boca para criar queixo mais anguloso), cirurgia nas pálpebras, liftings, preenchimentos do rosto com substâncias botulínicas, entre outros procedimentos.

Esse tipo de demanda estética não surgiu agora. A professora de psicologia da Unifil, Giselli Gonçalves, exemplifica que na China antiga, as mulheres tinham que ter o pé pequeno na para caber dentro de um sapato do tamanho de uma boneca. Nos dias de hoje ela aponta que a necessidade de gerar mercado constante para a venda de produtos fomenta a insegurança das pessoas. “Cria-se uma imagem inatingível para as pessoas e nessa busca elas irão consumir produtos da indústria da beleza, da moda, remédios. Isso movimenta milhões. Mas os jovens não estão preparados para se defender desses ataques e se tornam alvos fáceis", destaca.

Segundo ela, o cuidado com a imagem não é necessariamente um problema. "É problemático também quando o sujeito não tem o menor cuidado com ela". Ela explica que ele se torna patológico quando começa a gerar sofrimento para o sujeito. "Cada caso é um caso, mas quando é vivido de forma destrutiva, em vez de facilitar a vida da pessoa torna-se um problema", aponta.

Ela explica que a maneira que o sujeito encontra para se sentir amado e aceito e importante é se adequando aos padrões que a cultura propõe. "É mais fácil tomar dois comprimidos para ansiedade e deixar o corpo em dia, mas isso é um atalho. Não é mais fácil, porque gera subprodutos. Deixa as pessoas ansiosas, depressivas e gera fobias de toda sorte”, destaca.

“Se trabalhássemos o autoconhecimento iríamos buscar uma auto aceitação dentro da gente", destaca. Gonçalves ressalta que a construção da identidade passa por vários meandros, inclusive pela expressão corporal. "Mas quando se enfatiza só este aspecto o risco é de negligenciar outros aspectos constituintes da identidade que são tão importantes quanto, como o que gosto e o que não gosto", ressalta.

Reflexo da vida moderna

O cirurgião plástico Cecin Daoud Yacoub, membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), afirma que a sociedade moderna está mais exigente pela mudança dos costumes da vida moderna. "Sou do tempo em que não existia celular e rede social. Para tirar foto tinha que carregar trambolho e mandar revelar. Hoje você pode tirar mil fotos com o celular", destaca.

Com a imagem mais exposta, surgiram preocupações estéticas. Yacoub explica que existe o transtorno dismórfico corporal, em que a pessoa vê defeitos onde não existe; há também a fobia social, em que a pessoa tem medo do que os outros vão pensar dele; o trauma pelo rompimento de uma relação, em que a culpa pela separação é atribuída pela pessoa à aparência; e algo similar ao TOC (transtorno obsessivo compulsivo), em que tudo precisa ser perfeitamente simétrico. "Qualquer vontade de querer se tornar bonito nem sempre é dismorfismo, que ocorre quando um sujeito reclama de algo que é pouco significante ou imaginário, geralmente relacionado a um transtorno mental", destaca. Ele explica que em muitos casos há o desconforto com a imagem, como naqueles de pessoas que possuem orelhas "de abano" ou nariz "aquilino". "Têm pessoas que não se incomodam com isso, têm as que se incomodam e têm aquelas que se incomodam depois de sofrer bullying e geram a fobia social. Nesses casos há de fato uma alteração anatômica que pode causar constrangimento social e pode levar ao trauma", ressalta. Ele explica que, dependendo do caso, uma intervenção cirúrgica pode poupar anos de bullying e necessidade de terapia, mas no caso de baixa autoestima, sem razão evidente, ele recomenda o tratamento terapêutico.

No caso de trauma decorrente de separação, em que um indivíduo busca procedimento estético como meio de fuga, a cirurgia não proporciona o que a pessoa procura. "Aí vem a frustração. Você pode fazer o melhor trabalho do mundo, mas na hora que a pessoa vê o resultado vem a decepção", destaca. Já no caso do TOC, ele explica que a pessoa tem mania de perfeição. "A pessoa com algo similar ao TOC tem alta sensibilidade por simetria e quer perfeição em tudo. Ela espera que o médico ofereça isso no corpo dela, mas não há um lado esquerdo igual ao lado direito", aponta.

O cirurgião plástico também aponta a responsabilidade dos médicos. No caso do cantor Michael Jackson, Yacoub questiona até que ponto ele pediu aquele nível de transformação ou até que ponto recebeu estímulo de quem fez a cirurgia."Um médico precisa entender a real origem da queixa do paciente. Tem que entrar na história dele, caso contrário nunca vai descobrir o que o paciente tem", aponta.

Os limites do tratamento de imagem

Quem trabalha com fotografia geralmente escuta a frase dos retratados: "Melhore essa imagem, hein? Passa um Photoshop aí". O publicitário Hugo Nascimento, sócio gestor da VTCom, escola de comunicação que ministra aulas de edição e tratamento de imagens, explica que esses retoques eram interessantes, principalmente nos anos de 1990. "Só que as coisas foram fugindo do princípio da pessoa se reconhecer como ela. Quando não te reconhecem, já não é mais você ali. Aquela imagem não te representa mais. A pessoa perde algumas identidades importantes do seu corpo, de seu visual", destaca.

Ele relata que isso ainda hoje ocorre em álbuns de formaturas. "Eles retocam tanto que às vezes aquela pinta ou aquela mancha que é tão importante e tem uma história para a família é apagada e isso se torna desagradável quando é retirada sem permissão. Tem muitos estudantes que reclamam que as avós sofrem essas alterações e nem as reconhecem nas fotos", destaca. De acordo com ele, a melhor manipulação é aquela que não é percebida.