“Eu vou ser real com vocês, estou na pior forma da minha vida”. Com essa legenda em uma foto postada no Instagram, em que ostentava uma barriga saliente, o ator americano Will Smith agitou a internet no início de maio. Nos comentários, os fãs dividiam-se em grupos. Uns concordavam, dizendo que, de fato, o astro de sucessos como “Aladdin” e “Um Maluco no Pedaço” havia “se desleixado” e deveria malhar. Outros defenderam o direito dele – e de qualquer um – de sentir-se feliz independente da forma física. Já uma parcela considerável tinha a mesma opinião, mas com críticas ao que chamaram de “deboche” e “deselegância” com a opinião de Smith, que afetaria os “donos” de corpos semelhantes mundo afora.

Imagem ilustrativa da imagem Entre muffins e halteres: qual é a melhor forma?
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Nem bem o assunto esfriou e, dois dias depois, o ator voltou ao tema. Em nova postagem, afirmou: “Este é o corpo que me carregou por toda uma pandemia e incontáveis ​​dias pastando na despensa. Eu amo esse corpo, mas quero me sentir melhor. Chega de muffins da meia-noite... É isso! Vou ficar na melhor forma da minha vida!!!!!”. A fogueira das polêmicas acendeu novamente. Afinal, o que é “se sentir melhor”? E qual a “melhor forma da vida”? Para a psicóloga Inês Alves, a resposta é sempre relativa e precisa levar em conta o estilo de vida e a personalidade de cada um, mas com algo em comum: estar bem consigo. “As pessoas sempre buscam receitas prontas, cobram de si mesmas os resultados alcançados pelos outros. Isso acontece em diversos aspectos da vida, como trabalho, relacionamento, conquistas, e não é diferente em relação ao corpo”, aponta. Por isso, Alves defende uma definição de objetivos conscientes. “Quando a cobrança é exagerada, irreal, só faz mal”, observa a psicóloga.

Com a pandemia, a prática de exercícios físicos sofreu alterações. O acesso às academias e outros espaços de atividades ficou restrito em vários momentos. Para alguns, foi uma boa “desculpa” para deixar as promessas de perder peso, feitas no Ano Novo, para depois. Teve gente que se adaptou e levou a rotina de treinos a sério, mesmo em casa. E quem alternou os dois momentos, encontrando um equilíbrio – ou compensando os momentos de, digamos, “preguiça”, com outros de movimento. Para o educador físico e personal trainer Pedro Garcia, a reabertura gradual dos espaços trouxe de volta todos os perfis de alunos. “Essa cobrança com o corpo a gente acaba encontrando em todo tipo de aluno, em diferentes proporções. Os que conseguiram treinar durante a pandemia, insistem que não estão bem, mesmo estando. Os que não treinaram, chegam querendo correr atrás do prejuízo. É difícil encontrar alguém que não reclame pelo menos um pouquinho”, diverte-se.

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Garcia explica que, nessas situações, o papel de orientação do profissional é fundamental. “É preciso estabelecer os objetivos, evoluir e trabalhar sempre de forma natural, entendendo os limites, o que é possível superar, mas sem esquecer o lado psicológico e que esporte é, antes de tudo, saúde”, argumenta. O debate atravessa séculos. Platão, Sócrates e Aristóteles já discutiam o belo e a estética, que seguem tirando a paz da sociedade atual. Em uma época de redes sociais repletas de corpos trincados, vídeos de treinos em boxes de crossfit e coachs de hábitos saudáveis aos montes, ditando o que pode e não se pode comer, a pressão cresce exponencialmente. “Os padrões de beleza vão mudando ao longo dos séculos, mas nunca vivemos uma era tão midiática, em que as aparências têm um peso enorme na vida das pessoas, que são julgadas por isso, divididas em grupos. Mas não dá pra esquecer que um corpo perfeito não significa, necessariamente, a felicidade”, observa a psicóloga Inês Alves.

Em relação aos posts do ator Will Smith, ela discorda da forma da abordagem. “Claro que ele é livre para se expressar e pensar do jeito que quiser, mas quando uma pessoa que é famosa, uma inspiração para muitas pessoas, diz que sua forma física é a ‘pior’ da vida e que quer ‘se sentir melhor’, pode passar a impressão que todos que estão na mesma situação são piores também. Eu, sinceramente, não ligaria, mas tem gente que se sente agredida. É mais um sintoma dessa era midiática”, analisa Alves. O ator avisou ainda que a mudança de hábito é uma parceria com o YouTube. “Juntando-me ao @YouTube para colocar minha saúde e bem-estar de volta nos trilhos. Espero que funcione!”, escreveu, indicando também uma jogada de marketing nas postagens.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda ao menos 30 minutos de exercícios por dia. De acordo com a organização, essa rotina ajuda a prevenir várias doenças, como a diabetes tipo 2 e o câncer, além de reduzir sintomas de depressão e ansiedade. “O exercício melhora o sistema imunológico e diminui as chances de contrair doenças, o que já foi comprovado em diversos estudos. Principalmente em um momento como esse, de crise sanitária, a preocupação com a imunidade é importante. Cada um tem seus objetivos, e buscar um corpo melhor não está errado, mas com acompanhamento, sem cobranças exageradas e sempre focando na saúde é o ideal”, indica Pedro Garcia.

Um estudo francês com pacientes de Covid-19 evidenciou que a necessidade de ventilação mecânica invasiva foi maior em pessoas com IMC (Índice de Massa Corporal) elevado – uma das consequências do sedentarismo – chegando a 85,7% nos pacientes com IMC igual ou superior 35. Além disso, o risco de hospitalizações foi 32% maior para pessoas fisicamente inativas. Manter a rotina da prática regular de atividade física pode oferecer também benefícios psicológicos, como a sensação de bem-estar. “Assim como alguém pode se sentir mal por estar sedentário, o inverso também ocorre. É o famoso ‘tá pago’. Vale registrar, comemorar e buscar mais incentivo para ficar de bem com a vida”, explica Inês Alves, que sugere Will Smith, que já ficou forte e sarado para alguns papéis, como no filme “Esquadrão Suicida”, como exemplo, e não polêmica. “Ele mostrou que dá para relaxar e estar bem com o próprio corpo, depois mudar e buscar outro objetivo, e postar fotos nas redes sociais em ambos momentos, sem se sentir mal ou se preocupar com julgamentos. Até porque, se a intenção for agradar a todos, vai ser quase impossível atingir”, ressalta.

Imagem ilustrativa da imagem Entre muffins e halteres: qual é a melhor forma?
| Foto: Folha Arte