A história do HIV em Londrina começa em 1985. Os médicos daqui já estavam esperando a doença chegar desde 1982, quando o primeiro caso foi identificado no Brasil. O primeiro caso diagnosticado da IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis) - naquela época, conhecida como DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) - foi tratado pelo médico infectologista José Baldy no HU/UEL (Hospital Universitário de Londrina), quando era chefe do departamento de Moléstias Infecciosas. O paciente era um jovem (entre 28 e 30 anos) que estava na Europa. Seu pai perguntou ao médico se seria possível tratá-lo aqui e ouviu um sim. O jovem voltou para cá e foi internado. Morreu algumas semanas depois. “O único tratamento que havia era com o AZT e a eficiência desse medicamento era precária”, comenta o médico.

Depois disso, começou a surgir um grande número de casos que, segundo o ele, foi tudo muito “novo e triste”. Também comenta que a maior parte das travestis da cidade morreu devido à síndrome da imunodeficiência adquirida, ou Aids (da sigla em inglês Acquired Immunodeficiency Syndrome). Baldy e os outros médicos se viam como novos amigos desses pacientes, como consoladores do momento em que estavam passando.

O infectologista José Baldy tratou o primeiro paciente com HIV em Londrina
O infectologista José Baldy tratou o primeiro paciente com HIV em Londrina | Foto: Olga Leiria/21-12-2009

O médico lembra de uma situação curiosa: ele ficou conhecido como quem tratava pacientes com Aids. Por causa disso e de todo o preconceito, que era ainda mais explícito na época, várias pessoas pediam para encontrá-lo para uma consulta após o horário de funcionamento de sua clínica particular. Baldy atendeu diversas pessoas após às 20h a fim de evitar que elas fossem vistas procurando sua ajuda. No hospital, também, era muito comum que os pacientes pedissem sigilo a respeito de seus diagnósticos.

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Além de Baldy, a figura do médico Bruno Pian Castelli Filho foi muito importante no início da epidemia em Londrina. Foi ele quem iniciou uma ONG a fim de dar assistência às pessoas que enfrentavam a Aids. O CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) também é conhecido como Centro de Referência Bruno Pian Castelli Filho, em homenagem a essa figura relevante para a cidade. O CTA faz parte do CIDI (Centro Integrado de Doenças Infecciosas) e, hoje, é responsável por orientar as pessoas na prevenção e realizar testes rápidos de todas as ISTs de maneira gratuita.

Segundo dados do CTA, nos primeiros seis meses de 2021, 106 pessoas receberam diagnóstico positivo para HIV em Londrina. Com as transferências -pessoas vindas de outras cidades - são 147 novos resultados que estão em acompanhamento no ambulatório médico. Destes, 125 são homens e 22 mulheres; Duas pessoas estão acima dos 60 anos, uma abaixo dos 19; a maior parcela, 60 pacientes, são jovens de 20 a 29 anos, 47 estão na casa dos trinta anos e 37 pessoas tem entre 40 a 59 anos.

A estimativa do CTA é que hoje, aproximadamente, três mil pessoas vivem com o vírus HIV em Londrina. Esse número é somado os pacientes de outras cidades que preferem não fazer o tratamento em seu local de origem para não enfrentarem, além de seu diagnóstico, o preconceito.

Imagem ilustrativa da imagem Em Londrina, primeiro caso de HIV foi há 36 anos
| Foto: Gustavo Pereira Padial
Imagem ilustrativa da imagem Em Londrina, primeiro caso de HIV foi há 36 anos
| Foto: Gustavo Pereira Padial

DIAGNÓSTICO DE LUTA

Uma das pessoas que não realizou teste rápido de HIV foi Roni Lima que conta sobre a angústia de esperar em torno de 20 dias para receber o resultado de seu exame. Nascido e criado em Londrina, tem, hoje, 53 anos e descobriu sua sorologia em 1996, aos 28. Uma infectologista lhe perguntou se era rico ou pobre e, ao responder que era pobre, ouviu, então, sua sentença: apenas mais dois anos de vida. Caso tivesse dinheiro, conseguiria remédios em São Paulo ou fora do Brasil. Foi nessa época em que começou a distribuição dos medicamentos antirretrovirais no Brasil. Antes disso, porém, Roni acreditava que a morte viria em pouquíssimo tempo. Por causa disso, decidiu dedicar sua vida (o que achava que era o resto dela) para lutar junto com as pessoas que passavam o mesmo que ele. “Se eu tenho uma sentença de morte de um lado, eu tenho que lutar pela vida do outro”, diz.

“Se eu tenho uma sentença de morte de um lado, eu tenho que lutar pela vida do outro”, Roni Lima (Presidente da ALIA)
“Se eu tenho uma sentença de morte de um lado, eu tenho que lutar pela vida do outro”, Roni Lima (Presidente da ALIA) | Foto: Gustavo Carneiro

Lutou contra os preconceitos e estigmas a respeito de si mesmo e, nesse período, juntou-se à ALIA (Associação Londrinense Interdisciplinar de Aids) em 1997, em que hoje é presidente. A associação sem fins lucrativos foi criada em 1989 com o objetivo ajudar no enfrentamento de Aids e prevenção às ISTs por meio da promoção dos Direitos Humanos direcionada a pessoas vivendo com HIV ou a populações vulneráveis.

Ele lembra do passado como uma história de muita luta e avanço, diferente do que acredita que aconteceu nos últimos 16 anos. De lá para cá, houve a precarização do SUS devido à tripartição de poderes, perda do empréstimo nacional para a prevenção de HIV e o enfrentamento da Aids e a banalização crescente dessa problemática que não é apenas uma questão de saúde, mas de sociedade, política e educação. “Não é mais política de Estado, é política de governo.” Roni aponta a importância de se colocar no centro das discussões o direito sexual e reprodutivo das pessoas para um melhor enfrentamento do problema.

Se as dificuldades são nacionais, existe um efeito cascata tanto no estado como no município. Em Londrina, a situação não é diferente. Segundo Roni, o HIV “ganhou esta cidade” em 2019. Em 2018, foi aprovado um Plano Municipal para as IST/HIV/Aids e Hepatites, que previa, para os anos de 2018 a 2021, a melhora das condições de atendimento às PVHA (pessoas vivendo com HIV/Aids), a criação de linhas de promoção e prevenção e de estratégias de acolhimento, o fortalecimento de serviços que ofertam exames de ISTs, entre outros. Mas ele não saiu da gaveta. Ele se pergunta se algum dia esse plano voltará, já que foi aprovado pelo Ministério Público, mas nunca mais ouviu falar dele. Os objetivos de curto, médio e longo prazo não foram executados, a não ser pelas ações do cotidiano, que são serviços precarizados.

Centro de Testagem e Aconselhamento  é responsável por orientar as pessoas na prevenção e realizar testes rápidos de todas as ISTs de maneira gratuita
Centro de Testagem e Aconselhamento é responsável por orientar as pessoas na prevenção e realizar testes rápidos de todas as ISTs de maneira gratuita | Foto: Gustavo Carneiro

Sueli Galhardi, ex-coordenadora da COMUNIAIDS (Comissão Municipal de IST/Aids), conviveu por 12 anos com seu marido, que vivia com HIV e faleceu em 2005. Recém-aposentada da Secretaria de Política para as Mulheres, ela diz que existe um recurso que vem da habilitação da Gestão Plena do Sistema Municipal, mas há uma limitação para os gastos dessa verba. “As pessoas em Londrina que vivem com HIV vivem com muita dificuldade”, afirma.

Sueli Galhardi,  ex-coordenadora da COMUNIAIDS - "É preciso ofertar, divulgar e ir ao encontro da população"
Sueli Galhardi, ex-coordenadora da COMUNIAIDS - "É preciso ofertar, divulgar e ir ao encontro da população" | Foto: Arquivo Pessoal

Essa precarização também se dá pela falta do PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) na cidade, que pode evitar muitos casos de contaminação, especialmente para as populações-chave, como homens que fazem sexo com homens, trabalhadores do sexo e pessoas trans. A respeito do PEP (Profilaxia Pós-Exposição), essa medida de prevenção de urgência existe na cidade, mas se percebe a falta de divulgação e educação a respeito do método. “É preciso ofertar, divulgar e ir ao encontro da população, nas comunidades, nas UBSs, fazer um trabalho de busca ativa dessas pessoas e envolvê-las nas políticas”, diz Sueli.

As dificuldades do enfrentamento da Aids e a prevenção do HIV são grandes, tanto no âmbito municipal como no nacional. A afirmação de esperança para o futuro é a mesma que move as pessoas que buscam uma sociedade mais justa e igualitária, com acesso à educação e métodos de prevenção do HIV: a luta não pode parar.

SERVIÇO

O Centro de Testagem e Aconselhamento fica na Alameda Manoel Ribas, 1 (Centro). Os agendamentos devem ser feitos pelo link https://portal.londrina.pr.gov.br/agendamentos. Mais informações pelos telefones (43) 3378-0146 ou (43) 3378-0147, das 7h às 13h.

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