Em 23 de abril, é comemorado o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, data definida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1995 para celebrar os escritos, incentivar a leitura e valorizar a proteção de direitos autorais. A escolha também é simbólica: serve para homenagear gigantes da literatura, como o espanhol Miguel de Cervantes, o peruano Inca Garcilaso de la Vega e o inglês William Shakespeare, que coincidentemente morreram em 23 de abril de 1616.

Para esta data, a FOLHA conversou com três leitores assíduos para receber indicações de obras escritas por mulheres para você conhecer. Maria Carolina Araújo, professora universitária e antropóloga; Camila Fontes, artista e pesquisadora; e Fábio Coltro, professor universitário e colecionador de livros e vinis, se uniram com uma paixão em comum e juntos abriram uma livraria no centro de Londrina. "Como livreiros e livreiras, temos uma relação muito intensa com a literatura, cotidiana, mas somos leitores vorazes desde muito antes da abertura da Olga", diz Maria, sobre o espaço inaugurado há um ano. Ela conta que, além de livros acadêmicos das artes, ciências humanas e filosofia, ambos apreciam a experiência que a literatura proporciona: “de vivenciar outras vidas, experienciar sentimentos, emoções e conhecimentos outros, sair da zona de conforto e desnaturalizar perspectivas”.

Também é um importante momento para chamar a atenção para a questão de gênero dentro da literatura. Ainda hoje são poucos os livros de autoria feminina que encontramos nas prateleiras das casas, por exemplo, embora a quantidade de mulheres na área seja crescente. “Escritoras mulheres sempre existiram, mas estamos acompanhando um aumento grande de publicações e visibilidade das escritoras mulheres, temos escritoras como ganhadoras de premiações importantes como o Jabuti e o Nobel de Literatura. Isso pode estar associado a pautas de reflexão que, felizmente, começam a se impor para a sociedade, como as perspectivas feministas, um olhar para o mundo e para as relações a partir de um lugar não hegemônico do homem, branco, cisgênero, heterossexual, que escreve de modo universalista, generalizando impressões como se refletissem a visão de mundo de toda a humanidade”, explica Maria.

Alguns dados curiosos que ressaltam essa questão mostram que, entre os 40 membros da Academia Brasileira de Letras, atualmente só cinco são mulheres. A escritora, jornalista, tradutora e dramaturga brasileira Rachel de Queiroz foi uma das primeiras a conquistar um dos postos, mas apenas 80 anos depois da criação da instituição. Em 122 anos de existência do Prêmio Nobel de Literatura, uma das principais premiações mundiais para reconhecimento de trabalhos relacionados, apenas 16 dos 119 vencedores são mulheres.

Ler mulheres não é um hábito comum. Por muito tempo, elas permaneceram à sombra do sexo masculino em diversas áreas de conhecimento. Assim, grande parte do que é ensinado, inclusive sobre mulheres, vem de uma perspectiva masculina de mundo. Por isso, Maria fala que ler mulheres é se permitir a uma experiência de alteridade: “As escritoras mulheres, dentro da variedade que ela comporta (brancas, negras, lésbicas, trans, indígenas), cada uma à sua maneira, traz sentimento, problematizações, apontamentos, incômodos, dores e prazeres presentes no cotidiano de todos, sejam homens e mulheres, o que leva a identificações com perspectivas distintas”. Isso alerta para o perigo de se acostumar com uma única história e a influência que esta terá sobre o leitor, daí a importância de desbravar os diversos mundos escondidos de nós.

Maria Carolina Araújo, Fábio Coltro e Camila Fontes, sócios-proprietários da Livraria Olga, no centro de Londrina
Maria Carolina Araújo, Fábio Coltro e Camila Fontes, sócios-proprietários da Livraria Olga, no centro de Londrina | Foto: Reprodução Instagram

Confira abaixo a lista especial de indicações de livros por Maria Carolina Araújo, Camila Fontes e Fábio Coltro:

1. Micheliny Verunschk - Som do rugido da onça

Vencedor do prêmio Jabuti de 2022. Neste romance, Micheliny Verunschk, escritora pernambucana, joga luz sobre a história de duas crianças indígenas raptadas no Brasil do século XIX. Através uma poderosa narrativa, deixa de lado a historiografia hegemônica para pensar o Brasil contemporâneo em um livro sem paralelos na literatura brasileira ao tratar de temas como memória, colonialismo e pertencimento.

2. Andrea del Fuego - A pediatra

Andréa del Fuego, escritora paulistana, apresenta a história, com humor ácido e irônico, de uma personagem muito peculiar: Cecília, uma pediatra que é o oposto do que se espera — uma mulher sem espírito maternal, pouco apreço por crianças e zero paciência para os pais e mães que as acompanham. Depois de se envolver com um homem, e acompanhar o nascimento de seu filho, ela fará um mergulho investigativo na vida das mulheres que seguem o caminho do parto natural e da medicina alternativa, práticas que despreza profundamente, e experimentará sentimentos nunca antes vivenciados.

3. Olga Tokarczuk - Sobre os ossos dos mortos

Olga Tokarczuk é a escritora mais premiada da literatura polonesa contemporânea. Neste livro, subversivo, macabro e discutindo temas como natureza e civilização, parte de uma história de crime e investigação convencional para se converter numa espécie de suspense existencial, mesclando temas como loucura, injustiça e direitos dos animais.

4. Natalia Borges Polesso - A extinção das abelhas

Natalia Borges Polesso, escritora gaúcha, em "A extinção das abelhas" explora o tema da solidão em história brutal sobre uma mulher, um gato e um mundo em colapso. Ao criar um universo que é tão distópico quanto real, com uma galeria de personagens impressionantes que vão da tragicômica velhinha Dona Norma à corajosa Aline, a autora constrói uma história sobre o colapso, mas também sobre salvação.

5. Jarid Arraes - Corpo Desfeito

Jarid Arraes, escritora cearense, traz uma história impactante e impossível de esquecer, focada nas consequências do abuso físico e psicológico de crianças. Com uma prosa ágil e habilmente construída, ela mergulha fundo em uma narrativa sobre como as marcas da infância são construídas e como é possível lidar com elas.

6. Eliana Alvez Cruz - Água de Barrela

As muitas mulheres negras presentes no romance Água de barrela, de Eliana Alves Cruz, escritora carioca, encontram no lavar, passar, enxaguar e guardar das roupas das patroas e sinhás brancas um modo de sobrevivência em quase trezentos anos de história, desde o Brasil na época da colônia até o início do século XX.

7. Scholastique Mukasonga - A mulher dos pés descalços

Livro escrito pelas mãos de quem viveu a luta fratricida em Ruanda (1994), ou guerra civil, conhecida como genocídio de Ruanda. Uma disputa étnica entre os Hutus e os Tutsis, a etnia da autora. É um romance em homenagem a sua mãe e nele nós mergulhamos no mais profundo da cultura ruandesa, conhecemos suas mulheres e mais especificamente, as mulheres tutsis. Mukasonga, escritora tutsi, de Ruanda, descreve o dia a dia de um povo exilado, da luta cotidiana das famílias tutsis para esconder as crianças, a colheita do sorgo, a construção das casas, rituais... tudo a partir da lembrança da autora.

8. Camila Sosa Villada - Parque das irmãs magníficas

Nesse romance, a escritora argentina conta, misturando experiência pessoal e ficção, sua experiência com as travestis do Parque Sarmiento, em Córdoba. Uma frase ouvida de seu pai irá marcar a reflexão do livro: “Um dia vão bater nessa porta para me avisar que te encontraram morta, jogada numa vala”. Para ele, esse era o único destino possível para um rapaz que se vestia de mulher. Camila queria ver as famosas travestis do parque, e lá, diante daquelas mulheres e da difícil realidade a que são submetidas, foi imediatamente acolhida e sentiu, pela primeira vez em sua vida, que havia encontrado seu lugar de pertencimento no mundo. O romance "O parque da irmãs magníficas" é isso tudo: um rito de iniciação, uma história de violência, de acolhimento, que trata das dores e delícias de ser travesti.

9. Alice Walker - Meridian

Alice Walker conta a história de Meridian, Meridian mulher, negra, pobre, nascida no Sul dos Estados Unidos e dotada de grande força intelectual e de vida. Consciente das opressões que marcam sua comunidade, a narrativa reflete as meditações e vivências da própria autora acerca dos caminhos e desafios do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, durante os anos 1960 e 1970. Walker, com um estilo direto e ao mesmo tempo sensível, constrói sua personagem sob luz solar intensa, expondo questões sobre raça, gênero e classe, a partir da trajetória de amadurecimento político e espiritual da protagonista. A costura de lembranças místicas da infância com a descoberta da sexualidade e do racismo, do amor romântico e fraterno, do medo e da coragem, é um dos elementos que constroem a história.

10. Maryse Condé - Eu, Tituba, bruxa negra de Salem

Maryse Condé escreve a história de Tituba, personagem fascinante retirada do silêncio a que a historiografia lhe destinou. Filha de uma mulher negra escravizada, viveu cedo o terror de ver a mãe assassinada por se defender do estupro de um homem branco e de saber que o pai se matou por causa do mesmo homem branco. Tituba foi uma das primeiras mulheres julgadas por praticar bruxaria nos tribunais de Salem, em 1692, Tituba fora escravizada e levada para a Nova Inglaterra pelo pastor Samuel Parris, que a denunciou. Mesmo protegida pelos espíritos, não pôde escapar das mentiras e acusações da histeria puritana daquela época. A história de Tituba é a das mulheres da diáspora e do povo negro. É também a história de todas as pessoas que seguem a própria verdade, em vez de professar a fé do colonizador. É a história dos e das dissidentes e dos seres de alma livre.

11. Carla Diacov - Voa Baixo & Dorme

Se supostamente há na poesia brasileira dos últimos anos uma virada às questões do cotidiano, e uma limitação de seu cenário ao ambiente da casa, a poesia de Carla Diacov, apesar de também tomar esses elementos, consegue escapar de qualquer intromissão do lugar comum. Em Voa baixo & dorme, o oitavo livro de uma das vozes mais produtiva da atual safra poética, a autora reafirma sua proposta ao tratar o que chamamos de cotidiano a partir de sua ótica do absurdo. Nesse movimento, a poeta coloca em tensão principalmente o que tende a ser homogeneizado como uma vivência única da realidade na leitura do atual cenário literário do Brasil. O cotidiano está presente, claro, mas diferente do que a maioria consegue enxergar, como é próprio da linguagem poética. E é retorcendo as fronteiras da normalidade que a poeta nos entrega um dos programas mais interessantes das últimas décadas que por vezes choca e surpreende justamente por seu caráter contra-hegemônico, mas ao mesmo tempo fascina por nos entregar a novidade e o espanto.

Boa leitura!