Dia do Orgulho: a luta por respeito continua na atualidade
“A vida é muito valiosa para ser desperdiçada vivendo uma mentira para seus entes queridos e, principalmente, a si mesma”, diz mulher trans
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sexta-feira, 28 de junho de 2024
“A vida é muito valiosa para ser desperdiçada vivendo uma mentira para seus entes queridos e, principalmente, a si mesma”, diz mulher trans
Mayara Tavares
LGBTQIA+, a princípio esta sigla pode parecer uma mera composição de letras, mas a verdade é que aborda muito mais do que simplesmente parte do alfabeto. A junção de letras representa todos os indivíduos que não se enquadram no padrão heteronormativo, e que, mesmo sendo de idades, nacionalidade e culturas distintas, se unem por esta sigla que aborda não somente um termo, mas sim toda uma luta histórica por direitos e respeito.
Mas o que cada letra quer dizer?
O L representa a orientação sexual lésbica (mulheres que se sentem atraídas por outras mulheres), a letra G representa os gays (homens atraídos por pessoas do mesmo sexo); B refere-se às pessoas bissexuais (atração tanto pelo sexo feminino quanto pelo masculino); a letra T representa os transexuais (pessoas que não se identificam com o gênero corpóreo com o qual nasceram). A sigla se estende entre outras letras, lembrando de queers, intersexuais, assexuais, entre outras, tentando fazer jus ao menos à orientação sexual daqueles que muitas vezes sofrem repressão social simplesmente por ser quem são.
Este mês, junho, é celebrado pela comunidade de uma forma especial, sendo o dia 28 do mesmo mês, o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, data que relembra as lutas da comunidade e é homenageada com paradas, publicações, entre outras formas que variam de cada indivíduo, por membros da comunidade de todo o mundo.
Dia Internacional do Orgulho
Há algumas décadas, não muito tempo atrás, a comunidade LGBTQIA+ enfrentava os preconceitos em seu dia a dia com uma frequência ainda maior do que hoje em dia; são vários os casos isolados, mas um se destaca na memória da comunidade. Na década de 1960, a homossexualidade foi abordada como um transtorno mental por diversas camadas políticas da época, tendo regiões dos Estados Unidos, por exemplo, que tinham orientações divergentes ao padrão heteronormativo de forma criminalizada a partir de leis discriminatórias.
Neste contexto, parte da população queer encontrava nos ditos ‘bares gays’ um lugar onde podiam ser quem realmente eram; entretanto, a intervenção policial era frequente em alguns casos e um deles foi como um grito por respeito para a comunidade LGBTQIA+. O comunicólogo e pós doutor em Gênero, Sexualidade e Teoria Queer, Reginaldo Moreira, explica que em 28 de junho de 1969 ocorreu “a Revolta de Stonewall, liderada por duas mulheres travestis, Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, em uma perseguição policial em um bar que elas frequentavam”.
O bar Stonewall Inn, onde ocorreu a perseguição, localizava-se em Greenwich Village, uma das regiões mais frequentadas pela comunidade queer em Nova York na época, não sendo um local somente para gays, mas sim para todas as camadas marginalizadas pela sociedade da época. O local era quase como um refúgio ao preconceito diário “não somente da comunidade LGBT+, ali também tinha a comunidade negra, os pobres, os corpos queer de forma geral, os corpos dissidentes que frequentavam esse bar”, explica o pós doutor.
Na noite de 28 de junho de 1969, o bar Stonewall Inn recebeu novamente uma ‘batida policial’, como já corriqueiro, pretendendo apreender bebidas alcóolicas, além de levar à prisão clientes do local. Entretanto, as pessoas decidiram não se calar, mas sim clamar por respeito e igualdade; “eles resolvem fazer um levante para continuar frequentando ali sem a repressão policial”.
A data ficou conhecida como Revolta de Stonewall, sendo relembrada mundialmente todos os anos atualmente como O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+,
Os preconceitos ainda existem
Décadas após a Revolta de Stonewall, liderada por duas mulheres transgênero, os preconceitos e violência ainda existem em diversos lugares, incluindo em território nacional. Segundo um levantamento feito em 2022 pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil é o país com maior número de assassinatos de pessoas transexuais, dados que se repetem há mais de 14 anos consecutivos.
O perigo pode estar em todo lugar, mas a violência física não é a única preocupação para as pessoas trans. Sophia Gabriella tem 22 anos, a londrinense nasceu com características corpóreas masculinas e foi submetida desde cedo ao que se esperava de um menino, mesmo não se sentindo como um. “Eu sentia, por volta dos meus 6 anos, um desconforto com minhas roupas masculinas. Não gosto delas de jeito algum. Me sentia mais confortável quando usava roupas e sapatos femininos, e em algumas ocasiões, eu gostava de pôr duas almofadas pequenas por baixo de minha camiseta para fingir que eu tinha seios. Mesmo eu gostando de expressar dessa forma, logo comecei a ser repreendida por meus pais, e a sofrer bullying na escola por ser 'afeminada’”, diz ela.
Sophia é uma mulher trans não assumida, somente algumas pessoas conhecem sua verdadeira identidade, por mais que um de seus maiores desejos e também maior receio seja que sua família a conheça de verdade. “Estou planejando como vou contar para minha família próxima há alguns meses e tem sido muito estressante. O medo de ser expulsa de casa sempre me acompanha desde que me descobri, e não possuo condições financeiras de morar sozinha”.
Ao se tratar de identidade de gênero, um debate muito presente na atualidade é acerca do uso de pronomes corretos. Existem questionamentos sobre a viabilidade do pronome neutro, por exemplo, pode parecer algo simples, mas não é irrelevante quando a utilização do pronome correto sustenta sua verdade; “ser referida no feminino pela primeira vez foi para mim como usar um par sapatos nos pés corretos, após anos usando eles nos pés trocados. O sentimento é muito intenso, na primeira vez que me referiram assim, eu quase chorei de emoção”, conta Sophia Gabriella.
Representatividade importa
Os diálogos sobre orientações sexuais e seu respeito nem sempre são encontrados pelos membros da comunidade LGBTQIA+ dentro de suas casas enquanto crescem. Entretanto, produções de cunho cultural podem ser as responsáveis por os indivíduos se sentirem compreendidos pela primeira vez.
Heloísa Santos, de 21 anos, conta que o acesso à representatividade queer foi uma das formas pelas quais se descobriu lésbica. “A série Glee foi muito importante pra mim nessa questão. Ela é problemática em alguns pontos, mas também estava muito à frente de seu tempo para uma série que estreou em 2009. Um dos casais principais é composto por duas meninas, e foi assistindo elas que eu percebi que também poderia ter um relacionamento significativo e sem medo. Percebi que mesmo não sentindo apoio da minha família em certos momentos, como uma das personagens não sentia, a situação poderia melhorar no futuro, o que realmente aconteceu para nós duas”.
Mas não são só as produções audiovisuais que possuem sua forma de abraçar a comunidade LGBTQIA+; celebridades e músicas também podem ser capazes de trazer respostas para estas pessoas. Gabriel dos Santos, 19, diz que se percebeu gay quando era criança, por sempre sentir atração pelos personagens masculinos, entretanto, algo importante para ele também foram conceitos propagados por alguns famosos, como a cantora estadunidense Lady Gaga.
“(Ela) me fez abrir um pouco a cabeça quando ela lançou ‘Born This Way’, porque a própria música fala sobre isso e quando eu escutei pela primeira vez eu fiquei tipo, ‘nossa, eu acho que sou assim, acho que nasci desse jeito”, afirma ele.
“Felizes para sempre”
Fora da ficção, cada pessoa da comunidade LGBTQIA+ vive sua própria realidade, sendo uma celebridade ou não, cada um é protagonista de sua própria história, com uma narrativa que esperam que seja de amor e respeito, assim como desejam pelo seu felizes para sempre. Talvez este seja uma perspectiva utópica, mas a felicidade é almejada por todas as pessoas, incluindo os membros da comunidade.
Este dia 28 de junho, dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ é celebrado por cada um de uma forma diferente, alguns ainda com o desejo de saírem do armário com o apoio familiar e de amigos, como Sophia Gabriella, sendo uma mulher trans pansexual não assumida. Alguns que já se assumiram e são aceitos por quem amam, como Heloísa e Gabriel, mas que ainda assim sentem receio em algumas situações em relação a estarem seguros sob olhares alheios e cada um com sua própria experiência, que pode mudar e melhorar com o passar do tempo.
A orientação sexual e identidade de gênero não se baseia em padrões esperados por uma sociedade ainda majoritariamente heteronormativa e que não se limita a estudos ou momentos de uma vida inteira. O pós doutor que contribuiu para a explicação sobre a Revolta de Stonewall é um estudioso da área, mas também se enquadra com orgulho à comunidade LGBTQIA+.
Reginaldo Moreira, 56, se entende como homem cisgênero gay, que “flerta com conceitos de corpos não-binários” e conta que “eu era uma criança feliz, muito alegre, e essas diferenças vão sendo apontadas para essa criança desde sempre, que tem alguma coisa que está fora do lugar”. Mesmo sendo de gerações diferentes, o mesmo ocorreu com Sophia Gabriella, 22, e acontece ainda hoje com pessoas de todas as idades, que não se enquadram no padrão heteronormativo, mas que almejam a possibilidade de serem livres e amados por serem quem são.
Cada corpo, identidade e orientação, cada indivíduo celebra esta data, 28 de junho, o Dia do Orgulho, de sua própria maneira, mas entendendo a importância de relembrar e lutar por respeito todos os dias. “A gente merece ser amado e respeitado como a gente é, porque a nossa diversidade não é uma escolha, é uma parte de nós, natural, presente desde que nascemos. Respeito e igualdade é direito de qualquer pessoa, independente de orientação sexual e/ou identidade de gênero. A gente está aqui para viver a nossa vida sem medo de ser quem somos, então somente queremos buscar respeito e igualdade”, afirma Gabriel dos Santos.