Mesmo após 40 anos da descoberta do HIV e tantos avanços no tratamento do vírus da Aids, o estigma contra quem está infectado ainda permanece.

“A doença ainda é altamente estigmatizante, e o preconceito contra os pacientes com o vírus é forte, velado, muito intenso. O preconceito hoje é um dos principais problemas, o que obriga as pessoas com o vírus a não divulgar que têm a doença. E com isso realmente a parte emocional é comprometida”, diz o médico infectologista Jan Walter Stegmann.

O vírus HIV surgiu na década de 1920, em Kinshasa, na República do Congo. É originário do chimpanzé, lembrando que os vírus da classe do HIV, os lentivírus, já infectavam os símios há milhões de anos, porém sem causar a doença.

“Os casos humanos ocorreram devido a uma zoonose, ou seja, um contágio do ser humano ao manipular os macacos. Eles caçavam e, quando preparavam para alimentação, podiam se machucar com lesões na pele, aí tinham contato com o sangue contaminado”, diz o médico.

A partir desses primeiros casos em Kinshasa, a doença se disseminou para a África e posteriormente para outros países.

Quanto ao grande número de casos na África, inicialmente a doença se espalhou pelo continente para depois atingir outros continentes.

“Um fator agravante do alto número de casos na África foram as condições socioeconômicas de lá. Um país pobre e, com isso, fica difícil a prevenção e o tratamento. Se você não trata pacientes, você tem mais gente espalhando a doença. O tratamento serve como prevenção também”, explica o médico.

Imagem ilustrativa da imagem Descoberta do HIV faz 40 anos, mas estigma ainda permanece

DESCOBERTA

A primeira publicação sobre a Aids, quando ainda não se conhecia a doença, ocorreu em 5 de junho de 1981.

Um funcionário do CDC (Center for Disease Control – Centro de Controle de Doenças), instituição responsável pela vigilância epidemiológica nos Estados Unidos, percebeu que de repente surgiram muitos casos de uma doença rara, uma pneumocistose, na região de São Francisco, na Califórnia.

“Eram 5 casos, mas muitos casos para a época, e ele percebeu que havia outras coincidências, que eram pacientes jovens, homossexuais e também apresentavam candidíase e citomegalovirose.”

Essa publicação foi feita num semanário do CDC, que é o MMWR (Morbidity and Mortality Weekly Report – Relatório Semanal de Morbidade e Mortalidade).

Um mês depois dessa publicação, já houve a descrição de mais 26 casos. Mas o vírus da Aids somente foi identificado em 1983 pelo virologista e médico Luc Montagnier, no Instituto Pasteur, na França.

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MORTES

Globalmente, estima-se que já faleceram em torno de 39 milhões de pessoas por Aids no mundo desde o início da epidemia.

“Em relação à morte de pessoas conhecidas, como o Cazuza no Brasil, isso só contribuiu para discriminar ainda mais os pacientes com HIV. Porque dava uma visibilidade para doença que, na época, era uma sentença de morte. As pessoas não tinham tratamento e sofriam, além da doença, pelo abandono das pessoas”, diz. Cazuza morreu em julho de 1990.

O infectologista Jan Walter Stegmann: “Morte de pessoas conhecidas só contribuiu para aumentar discriminação”
O infectologista Jan Walter Stegmann: “Morte de pessoas conhecidas só contribuiu para aumentar discriminação” | Foto: Ricardo Chicarelli/18-04-19

No consultório, o médico coleciona dezenas de histórias de pacientes com HIV. “Talvez um caso marcante foi ter atendido uma paciente que só descobriu que tinha HIV quando o filho dela desenvolveu a doença. Ela foi diagnosticada com HIV e após mais ou menos um ano, a mãe dela também teve o diagnóstico de HIV. Então foram três gerações com diagnóstico do vírus da Aids em cerca de 1 ano.”

TRATAMENTO

O AZT, primeiro medicamento contra o HIV, foi descoberto em 1964. Na época, servia para tratar alguns tipos de leucemia, mas não foi utilizado. “O AZT foi reciclado para tratar o HIV quando descobriram a enzima transcriptase reversa no vírus, que é o local de atuação desse medicamento”, explica o médico.

O tratamento com o AZT foi iniciado em 1987 em monoterapia, ou seja, isolado. “Na época, ele não aumentava a sobrevida dos pacientes, mas melhorava a qualidade de vida deles”, relembra o infectologista.

A portaria número 21, de 21 de março de 1995, do Ministério da Saúde, discorre sobre a distribuição gratuita do AZT pelo SUS.

Hoje, o Brasil tem um dos melhores programas de HIV/Aids do mundo, o que revolucionou o tratamento e reduziu a velocidade de disseminação da epidemia mundial ao adotar uma política de distribuição gratuita de remédios para controlar a doença.

“Houve muito avanço em relação à pesquisa e ao conhecimento sobre a doença. A gente pode dizer que é uma doença totalmente controlável, e o paciente pode ter uma vida normal, social, sentimental, profissional e uma sobrevida normal, desde que faça o uso correto da medicação e todo o acompanhamento. Só que isso tem um custo, o custo de fazer uso diário da medicação”, conclui.