"When you were here before / Couldn't look you in the eye / You're just like an angel / Your skin makes me cry"

Talvez muitas pessoas sentadas, encarando a telona do cinema, não reconheçam esses versos. Nem a voz e o som de Thom Yorke, que grita desesperado “I’m a creep”, algo como “sou uma aberração”, em português, em outro trecho da música.

Mas fato é que a abertura de Guardiões da Galáxia Vol. 3, novo lançamento da Marvel e que, seguindo a receita de outras produções semelhantes, será uma das principais bilheterias de 2023, deve colocar na boca do povo um hit de mais de 30 anos. Agora, com o personagem Rocket Raccoon ouvindo a trintenária canção.

“Creep” pode ser considerado o primeiro - e talvez maior - sucesso da banda inglesa Radiohead, fundada nos idos de 1980 por Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Philip Selway. A música foi lançada como single em 1992 e, no ano seguinte, como parte do álbum “Pablo Honey”.

À época, a canção também teve um clipe estrelado por Johnny Depp e Charlotte Gainsbourg, que estourou na MTV e é lembrado até hoje.

Mas, claro, essa tendência não começa com “Creep” e nem com Radiohead. Em 2022, “Master of Puppets”, da banda norte-americana Metallica, foi “descoberta” por muitos fãs da série Stranger Things, da Netflix. O mesmo aconteceu com Kate Bush e sua “Running Up That Hill”, que chegou à primeira posição global do Spotify.

O jornalista, produtor audiovisual e professor Lucas Pullin destaca que, além de Radiohead, a trilha sonora do filme traz outras bandas que fizeram sucesso no passado, como Beastie Boys, Rainbow e Alice Cooper, e que o diretor James Gunn consegue resgatar essa sonoridade.

“Eu acho que, na verdade, essa é uma tendência que ganha força com Tarantino no Pulp Fiction [filme de 1994]. Tarantino sempre foi um cara que usou muito de música pop, música pop antiga, principalmente, nos filmes”, avalia Pullin. “Eu acho que é uma característica que tem voltado bastante, que é reviver algumas linguagens mais antigas. Stranger Things sempre está revivendo os anos 80.”

“E acabou ficando legal, o James Gunn usa muito bem no começo do Guardiões da Galáxia a ‘Creep’, na hora que o Rocket está andando, triste e a música falando que é um estranho, um esquisito. Passa a sensação que ele está sentindo”, continua Pullin.

Ele também acredita que, assim como aconteceu com Kate Bush e Metallica, muitas pessoas mais jovens podem “descobrir” o Radiohead a partir do filme. Mas pontua que o modelo da indústria do consumo é muito rápido e efêmero.

“O problema dos conteúdos nas plataformas é que é uma coisa muito efêmera. E eu acho que o audiovisual está indo para esse caminho, que acaba no momento você tem uma coisa nova. Não é só um problema da indústria da música, mas um problema da indústria da cultura”, acredita. “Mas eu ainda tenho esperança que algumas pessoas pensem um pouco diferente, que vão atrás.”

O jornalista cultural, músico e coordenador da AlmA Londrina Rádio Web, Daniel Thomas Ferreira, lembra do impacto quando “Creep” foi lançada. Inclusive, que a música se tornou “uma bandeira de quem era estranho” na época. E, entre seu círculo de amigos, Radiohead era uma das bandas que compunham as playlists feitas com downloads na internet.

“‘Creep’ era a música que rolava todo final de noite, toda manhã, sempre que a gente chegava em casa depois de cruzar a cidade inteira, a gente ouvia essa música, entre outras”, conta. “No mesmo tempo que tinha esse negócio de ficar triste, ‘Creep’ era como se fosse aquele grito de alívio, aliviava essa dor, essa tristeza.”

Voltando para o lançamento do filme da Marvel, Daniel afirma que o uso de músicas em produções audiovisuais é importante para atingir um “marketing de massa”.

“Você já está prevendo que o filme vai ser um sucesso de bilheteria e a música vai ‘reestourar’. Porque ela tem um apelo de massa, já tem um apelo pop que já foi provado que funciona, porque já fez o estrago, no bom sentido, que fez na época”, diz.

Felipe Teixeira, conhecido como Teixeira Quintiliano, jornalista e sócio da Vermelho Discos, teve seu primeiro contato com “Creep” através de uma fita de um primo mais velho. Depois, conheceu o álbum “Pablo Honey".

“Foi um disco que me pegou, porque até então eu ouvia muito punk rock, e ouvia muito aquelas músicas que meu pai me mostrava”, conta. “Até ouvir ‘Creep’, eu ouvia basicamente hard e punk rock, além de rock nacional.”

Ele ressalta que foi a partir do hit da banda inglesa que “abriu a cabeça” para explorar outros estilos musicais e grupos que traziam experimentações. “Foi um divisor de águas”, resume.

Para Teixeira, quem ouvir “Creep” no novo filme da Marvel vai se apaixonar pela banda. Ele também aponta que, hoje, as séries e os jogos eletrônicos são formas da Geração Z conhecer novos artistas.

“Ou quando uma música entra no tiktok, algum influenciador usa aquela trilha. Eles têm maneiras diferentes de descobrir as bandas e as músicas”, avalia, dizendo que não vê o consumo de Radiohead como algo efêmero em tempos de redes e plataformas sociais.

“A gente está falando de Radiohead, de ‘Creep’, que tem uma letra super profunda, que fala sobre não pertencer a um lugar, da pessoa que se acha estranha. É meio confessional. Eu acho que Radiohead abre portas para um aprofundamento que é muito diferente desse consumo descartável de hits e música pop”, aponta Teixeira.

“É uma música e uma banda que causa esse estranhamento, que naturalmente ela vem para impactar, para provocar, e quando provoca essa sensação, o ouvinte quer saber mais do porquê a música é daquele jeito, do porquê causa a sensação de estranheza, de melancolia.”

RADIOHEAD

O ex-VJ da MTV e ex-colaborador da AlmA Londrina Rádio Web e da Rádio UEL, Rafael Losso, explica que a banda inglesa surgiu em um momento de pós-grunge, após a renovação que a cena de Seattle proporcionou.

“Nesse contexto surge ‘Creep’, primeiro sucesso estrondoso da banda, que tinha bem o espírito da época: uma canção extremamente pop, mas com arranjo desconstruído combinando com a letra, uma ode à autenticidade e sinceridade”, diz o ex-VJ.

Imagem ilustrativa da imagem ‘Creep’ volta à boca do povo
| Foto: Reprodução capa de álbum radiohead, 1992 - creep

Losso também lembra que, nos anos de 1990, muitas bandas surgiam, bombavam com um único clipe na MTV e desapareciam. O desafio de Radiohead foi, então, ir além de “Creep”, tanto que a música deixou de ser tocada ao vivo por vários anos.

“Isso só seria enterrado definitivamente com ‘OK Computer’, disco em que a sonoridade da banda foi totalmente reinventada, tornando-se um dos discos mais importantes da década de 90”, pontua Losso, ressaltando que, de lá para cá, a banda coleciona grandes faixas e outras nem tantos. “Mas ‘Creep’ até hoje é, sem dúvida, uma das faixas mais marcantes na vida de quem é conquistado pela banda.”

“Em um mundo cada vez mais superficial, com redes sociais para a gente fingir ser quem não é, ouvir ‘Creep’ traz um alívio para alma, afinal tudo bem você sentir que não faz parte, você não é o único”, completa.


(Só mais uma versão, prometo, a última)

AGORA SEGUE ESSE LINK ABAIXO CONHECER MAIS DA PLAYLIST DA TRILOGIA MAIS MUSICAL DA MARVEL:

Trilha sonora de Guardiões da Galáxia Vol.3 conquista público