Que a Internet mudou a forma como os indivíduos interagem entre si e com o mundo não é novidade para ninguém. Ainda mais nas últimas duas décadas - desde a popularização das primeiras plataformas de compartilhamento de mensagens, imagens, áudios e vídeos que chamamos de mídias sociais - quando as redes sociais de toda uma geração passou a ser relacionada às relações que criamos em ambiente virtual com outros perfis de compartilhamento. É através, desse relacionamento (abstrato) que criamos vínculos e até a sensação de intimidade ao acompanhar fotos e vídeos das viagens de seus amigos, às vezes distantes, sem esperar encontrá-los; saber o que um conhecido comeu no café da manhã, sem estar presente para compartilhar o momento; acompanhar a rotina daquela atriz que você é fã, sem nunca ter ganas de a conhecer pessoalmente ou fazer aquela amiga digital-influenciadora que te dá dicas ótimas, desde maquiagem, relacionamentos e comportamento. Esses emaranhados de conteúdos, criados e compartilhados sem trégua, mudaram até a noção de tempo.

Imagem ilustrativa da imagem Contramaré - Nem todo mundo quer socializar por aplicativo
| Foto: iStock

Mas nem todas as pessoas seguem essa maré. Uma pesquisa feita pela agência de Dentsy Aegis Network, que ouviu 32 mil pessoas de 22 países no primeiro semestre de 2020, mostrou que um a cada cinco dos jovens, entre 18 a 24 anos, não tem mais perfis em redes sociais.

É o caso da Débora Mantovani, 21, que saiu de todas as redes sociais há cerca de 8 meses. “O motivo principal é que eu não gosto muito de expor o que estou fazendo da vida”, compartilha Débora. Ela explica que não saiu das redes sociais por ter uma visão negativa sobre elas: “É meio que um paradoxo, porque eu acredito que elas podem trazer muitas coisas boas, depende mais de como as pessoas usam e para quê”.

Débora Mantovani, 21, já vive há 8 meses sem o uso de aplicativos para socializar com outras pessoas
Débora Mantovani, 21, já vive há 8 meses sem o uso de aplicativos para socializar com outras pessoas | Foto: Arquivo Pessoal

Mantovani criou sua primeira conta nas redes sociais aos 13 anos, na época ela era fã da banda One Direction e utilizava até Twitter e Tumblr como uma forma de acompanhar os integrantes da banda. “Acabei deletando as contas depois que a obsessão por 1D passou”, explica. A conta mais longa que ela teve foi a do Facebook que manteve desde quando fez, aos 13 anos, até 2020, quando tinha 21.

Apesar de não fazer postagens nas redes há anos, Mantovani compartilha que as utilizava como uma forma de se manter atualizada sobre a vida das pessoas que conhece “demorei tanto pra excluir o face e o insta por causa disso mesmo, porque era meio que a única forma que eu tinha de ter notícias de pessoas com as quais eu tinha estudado há muitos anos, parentes mais distantes e tal”.

Mantovani afirma entender o apelo das redes sociais, mas explica que não sente que é o público alvo delas, uma vez que “Eu sou bem introvertida, talvez essa seja uma das razões principais pra eu não me sentir muito confortável nas redes, não sei”. Ela não sente que está isolada por não estar nas redes, pois considera que se surgir um assunto importante “em algum momento vai acabar aparecendo em outras mídias ou as pessoas vão acabar comentando comigo, de alguma forma eu vou ficar sabendo dos assuntos mesmo não estando nas redes, então eu não acho que fico tão ‘desatualizada’ assim. Mas é comum eu não entender referências a memes recentes”.

Impacto sociológico

As redes sociais são importantes ferramentas de socialização que ocupam uma função ambivalente na vida dos jovens, como explica a socióloga Fernanda di Flora: “Por um lado, há um processo de identificação, de construção da identidade, que passa sobretudo pela troca de experiências, pelo acolhimento em grupos e coletivos variados e que promove a socialização política desses sujeitos, e, por outro, as redes sociais afetam seu sistema de identificação de modo negativo, inflando o ego e promovendo a cultura do ódio, onde o outro não importa e o diálogo só é possível com aqueles que pensam de modo semelhante, criando o que conhecemos hoje como ‘bolhas virtuais’”.

Di Flora compartilha que intelectuais de diversas áreas do conhecimento também têm chamado atenção ao fenômeno de “concentração dispersa” que foi amplificado pelas redes sociais. Esse termo se refere “a ampliação de formas de esquecimento que são produzidas em um tipo de formação social onde as redes tornam possível nos lembrar de tudo e de todos”, como explica a socióloga. Esse fenômeno se trata de um processo antigo, iniciado com o crescimento da indústria cultural “processo que Adorno qualificava de “semiformação”, que implicava prejuízo no processo formativo de um sujeito autônomo”, como explica Fernanda, que finaliza dizendo que “o uso das redes aliado à conexão contínua possibilitada pelo celular acaba por promover uma espécie de “compulsão de conexão”, de modo que os problemas e tensões, públicos e privados, acabam sendo elaborados por meio das redes e telas virtuais”.

Ponto de vista psicológico

A Psicóloga Analítica Comportamental, Sônia Vaz explica que as redes sociais e a era digital transformaram a nossa forma de relação com o mundo: “Psicologicamente, há os jovens que se encontraram socialmente nas relações proporcionadas pelas mídias. Para aqueles mais tímidos, a mídia social veio para estabelecer um contato mais seguro gerando a esperança de posteriormente desenvolver uma relação mais intima”. No entanto, ela chama atenção para a fragilidade das relações nas redes sociais que resultam nesse “estado de fragilidade afetiva torna a todos vulneráveis e desacreditados no relacionamento duradouro”.

Vaz aponta ainda para o fato de todos parecerem felizes nesses ambientes, onde o normal das redes sociais é apenas mostrar que é feliz. Vaz compartilha que “não existe gente nas redes sociais, só existe personas, personagens que atuam com personagens”. Do seu ponto de vista, as redes sociais resultam na banalização dos afetos e, com isso, Vaz defende que “A intimidade proveniente da amizade na mais bela extensão da palavra não se encontra nas redes sociais e talvez, devido a tantas frustrações afetivas que o mundo digital já nos proporcionou, nem mais fora dela”.

Vaz atribui a crescente saída de pessoas das redes sociais a compreensão de que essas redes sabem muito sobre os indivíduos e os transforma em produtos, por isso “Há muita gente não querendo mais ser o produto e optando por desaparecer das redes sociais”. Ela explica que essa é uma ação mais difícil para os extrovertidos, pois, enquanto os introvertidos muitas vezes não se sentem confortáveis em se expor, “os extrovertidos costumam expor coisas bem pessoais e é dessa maneira que se sentem mais pertencentes ao mundo que o rodeia”.

O professor e doutor Marcos Garcia, coordenador do curso de Psicologia da PUCPR-Londrina e Presidente da Associação Brasileira de Análise do Comportamento, compartilha que as saídas das redes sociais podem ser decorrentes a experiências negativas ao utiliza-las, além do fato que “muitos já perceberam que as informações veiculadas não tem veracidade ou são superficiais, e por outro lado não querem mais se expor”.

Vaz enxerga no digital detox uma busca adequada, uma vez que “a gente fugia do dia a dia nas redes sociais, agora a gente foge para o dia a dia das redes sociais”. Garcia aponta que o grande problema é a dependência das redes sociais “O importante é a pessoa reconhecer se está vivendo em função das redes sociais. (...) Fazer o “detox” pode ser uma estratégia interessante, mas o autocontrole não irá se fazer afastando. O risco de voltar a depender é muito grande.”

Sobre formas de utilização mais saudáveis das redes, Vaz chama atenção para a necessidade de uma adaptação consciente para balancear o uso das redes: “Essa adaptação consciente é que se faz necessária para a grande virada de uma nova atitude coletiva humana que já está acontecendo inclusive devido as redes”. Ambos Vaz e Garcia destacam a possibilidade das novas gerações de transformar essas redes. Garcia chama atenção a preocupação crescente com a proteção de dados pessoais e o estado de constante transformação da tecnologia que é acompanhada pelas transformações das redes sociais. Ele finaliza dizendo que: “a geração que nasceu com um computador na frente, pela intimidade com a máquina, vai transformar sua relação com ela. Mas não vão viver como seus pais viveram”.

O alívio da desconexão em momentos de digital detox

Isabela Torezan, 23, é adepta do digital detox. Ela não usa as redes sociais durante os finais de semana e períodos de férias para se desconectar. Torezan é escritora e trabalha com revisão de textos. Ela utiliza as redes sociais como forma de divulgação do seu trabalho, no primeiro caso, e para conseguir clientes no segundo. Com essas finalidades, usa principalmente o Facebook e o Instagram, mas ela também está presente no LinkedIn, que usa para se conectar com outros profissionais e se informar sobre vagas de emprego, e no Twitter que usa para acompanhar profissionais da área editorial e que tem “usado bastante para me informar sobre iniciativas, eventos e conteúdo sobre tradução literária, que é o próximo passo da minha carreira”.

Torezan mantem uma relação utilitária com as redes sociais, ela considera que seria impossível conseguir clientes sem utilizar do Facebook e Instagram, mas ela não gosta de utilizar nenhuma dessas redes, por isso explica que “precisei fixar um momento da minha rotina em que checo essas duas, ou eu nem abriria os apps e seria inútil ter”. O Twitter é a única rede social que ela considera usar de forma mais espontânea e que sem ele teria perdido muitas coisas interessantes, como exemplifica “Só nesse mês me inscrevi em três eventos online gratuitos que me interessam muito oferecidos por instituições estrangeiras e descobri os três pelo Twitter”.

Isabela Torezan, 23, não usa redes sociais durante os finais de semana e períodos de férias para se desconectar
Isabela Torezan, 23, não usa redes sociais durante os finais de semana e períodos de férias para se desconectar | Foto: Arquivo Pessoal

Torezan passou por diversos momentos de excluir as redes sociais ou de se desconectar sem excluir a conta. Além disso, todas as contas dela tem as notificações desligadas, assim ela só recebe as atualizações se entrar no aplicativo. Para ela os momentos de desconexão são essenciais. Torezan sempre relutou em entrar para as redes sociais e compartilha que "Quando enfim criei meus perfis, a minha aversão se confirmou e eu percebi que estar exposta à vida pessoal de todo mundo e a expectativa de que eu também exponha a minha vida são coisas que me incomodam bastante e me deixam estressada e emocionalmente cansada. Por isso preciso de momentos desconectada, para me desintoxicar da pressão que as redes sociais representam para mim”.

Se não fosse a importância das redes sociais para sua vida profissional, Torezan não gostaria de estar em nenhuma rede social. Enquanto isso não acontece os momentos de detox digital são essenciais: “Quando me desconecto, consigo interromper o hábito nada saudável de comparar minha vida com a das outras pessoas e me sentir mal por isso. Também me benefício da não estar exposta a discursos de ódio e opiniões preconceituosas de que as redes estão cheias. Como benefício adicional, o detox digital diminui o tempo que passo usando o celular, o que já notei que melhora minha qualidade de sono e minha disposição”. (V.V.)

O lado bom das conexões

Uma pesquisa do Cetic.br (Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação), TIC Domicílios realizada em 2019, identificou que há ainda ao menos 76% dos brasileiros com acesso à internet que a utilizam para acessar app de redes sociais. É o caso do Mateus Rosa, 23, que quando perguntado se excluiria todas as redes sociais que possui respondeu: “jamais, até porque eu trabalho com isso e gosto de ver os memes, participar das conversas...”. Rosa trabalha como redator para uma agência publicitária e usa as redes sociais todos os dias tanto para trabalho, quanto para diversão e como uma maneira de se informar.

Mateus Rosa, 23, está sempre conectado aos apps de redes tanto para trabalho, quanto para diversão
Mateus Rosa, 23, está sempre conectado aos apps de redes tanto para trabalho, quanto para diversão | Foto: Arquivo Pessoal

Sua primeira conta em uma rede social foi criada em 2007, por um de seus tios, no Orkut. Sobre o tempo que passa por dia nas redes sociais, Rosa conta que “tento não pensar nisso, pra não ficar assustado”. No início da quarentena, por causa da pandemia de COVID-19, ele passava cerca de duas horas por dia no Instagram, número que ele se esforçou para diminuir e depois parou de acompanhar. Rosa explica que não acha muito difícil ficar longe das redes se está em um lugar sem acesso à internet, mas explica que “caso eu tenha um wi-fi ou 4G disponível, é só bater cinco minutos de tédio que já me dá vontade de checar, principalmente o Twitter e Instagram”.

Ele compreende que as redes sociais podem ser usadas de forma boa ou ruim e que precisam ser usadas com moderação. “Acho que, nos últimos anos, os usuários de todas as redes têm perdido a mão e encontrado dificuldade em aceitar opiniões diferentes - mas acho que esse é um problema da sociedade atual de modo geral”, compartilha.

Ainda que muitas pessoas falem sobre o impacto do Instagram na busca pelo corpo perfeito e na autoestima de um modo geral, para Rosa, de uma perspectiva pessoal, “a questão é muito mais do medo de não viver tudo o que eu quero e que vejo, através das redes, outras pessoas vivendo ou conquistando”. (V.V.)

* Supervisão de Patrícia Maria Alves