Já virou tradição: todo mês de dezembro, o Google divulga a lista dos termos mais procurados durante o ano na ferramenta de buscas no Brasil. O resultado reuniu, basicamente, os principais acontecimentos de 2019 no esporte, na política e na cultura. Na busca geral, “Copa América”, “Tabela do Brasileirão” e “Gugu Liberato” formaram o "top 3".

Imagem ilustrativa da imagem Como fazer as pessoas gostarem de mim? - Os conselhos da mãe internet
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A lista trouxe ainda outras categorias, como as de séries, filmes e também a de perguntas: "por quê" (Por que o WhatsApp parou de funcionar hoje?), "o que é" (O que é libido?) e "como fazer" (Como fazer a inscrição para o Enem 2019). Nesta última, o terceiro lugar chamou a atenção: "como fazer que as pessoas gostem de mim" (sic)? É a única, entre as dez primeiras perguntas mais buscadas no país, que não aborda assuntos objetivos ou técnicos.

Nas respostas para a questão, o primeiro resultado traz "7 truques psicológicos", que incluem elogiar, manter o bom humor, admitir defeitos e sorrir. Há também vídeos prometendo milagrosos ensinamentos para as pessoas "gostarem de você em segundos", e outras dezenas de dicas "infalíveis".

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Na confluência entre a dúvida digitada no buscador e os aproximadamente 2.910.000 resultados despejados em 0,36 segundos, esteve a universitária Juliane Ribeiro, uma das brasileiras que fez a pesquisa. "São momentos de baixa autoestima, desânimo, parece que realmente ninguém gosta da gente, nada dá certo. Dá vergonha se expor e conversar com alguém, aí a gente acaba buscando alguma forma de ajuda na internet", explica. Será que funciona? Para ela, não adiantou muito. "Aparece lá para sorrir, ser simpática. Como eu vou sorrir para alguém que eu acho que não gosta de mim? Não é tão fácil assim", lamenta.

icon-aspas "(...) querer agradar todo mundo é impossível. Tirar esse fardo das costas é um bom começo"
Luisa Mattos, psicoterapeuta -

Para a psicoterapeuta Luisa Mattos, especialista em comportamento humano, o tema é delicado. "As pessoas sempre buscam a aceitação, a aprovação, uma coisa inerente ao ser humano, e nem sempre conseguem, porque depende de diversos fatores. Para alguns, tirar de letra é mais fácil, mas para outros mais introspectivos é um sofrimento, que pode até levar a um isolamento e a variados quadros de depressão ou outros transtornos”, alerta.

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A internet virou palco para qualquer tipo dúvida, principalmente as de saúde. Busca-se tudo por lá, de enxaqueca a tumores, passando por questões de comportamento. Mas quase nunca as respostas obtidas são adequadas, porque são genéricas. "No caso do comportamento humano, o histórico de vida de uma pessoa, seus traumas, suas forças, fraquezas, tudo isso é muito particular e é preciso levar em conta. Por isso, quando alguém tenta responder de maneira genérica, sem conhecer a história de vida daquele indivíduo, as chances de erro são grandes, com risco até de agravamento", explica Luisa.

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A insegurança é apontada pelo psicólogo Alberto Rezende como outro complicador. Em tempos de likes e vidas expostas em redes sociais, a frustração por não agradar quem queremos e não ser quem idealizamos é ainda maior. “Vivemos um momento muito complicado. Esse resultado das buscas mostra a carência e a dificuldade de formar relações verdadeiras, sem cobranças, situação agravada justamente pela superficialidade da internet, que depois é procurada para respostas desesperadas para o desconforto. É um paradoxo da modernidade”, aponta.

icon-aspas “Dê menos importância a opiniões dos outros, principalmente de pessoas que não são significantes para você"
Alberto Rezende, psicólogo -

Às vezes, essa busca pela aceitação pode ser tão intensa que configura um distúrbio. Nos anos 1970, a Psicologia detectou um quadro chamado “Transtorno de Personalidade Dependente” (TDP), que descreve o estado da pessoa que sente uma necessidade generalizada e excessiva de ser cuidada e aprovada pelas outras. Na raiz da questão está a falta da valorização durante a infância, que leva o sujeito a entregar uma parte de si a outra pessoa para suprir o vazio que existe desde criança. O quadro gera falta de autoaceitação e faz com que o indivíduo se anule cada vez mais, já que, para conseguir a aprovação, precisa agradar todo mundo e, assim, suas vontades e desejos acabam ficando em segundo ou até em último plano.

“É uma coisa muito séria, que traz enormes prejuízos. A pessoa passa a ter baixo rendimento nos estudos ou trabalho, crises de fobia social e se sente julgada pelos outros a todo tempo, o que agrava ainda mais o caso. Nessas situações, a busca pelo autoconhecimento durante sessões de terapia pode trazer alívio”, recomenda Alberto.

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Para Luisa, a falta de acesso a tratamentos psicológicos é mais um complicador. “Quem tem condições de procurar ajuda profissional precisa apenas superar o preconceito, quando ele existe, porque infelizmente há o estigma que ajuda psicológica ‘é coisa de louco’, o que atrapalha diagnóstico e tratamento. Mas há quem, além de se sentir julgada e envergonhada, não tem fácil acesso a um acompanhamento de profissionais. Isso cria um efeito bola de neve, trazendo muita infelicidade e sofrimento, que deságua em buscas como essas na internet”, argumenta.

E será que os profissionais tem alguma dica não genérica para “como fazer as pessoas gostarem de mim”? “Não genérica é complicado, porque é preciso conhecer a vida do paciente. Mas é preciso buscar autoconhecimento, altivez, sem querer agradar todo mundo, essa coisa impossível. Tirar esse fardo das costas é um bom começo, mas friso que ter ajuda profissional é de grande valia nesse processo”, sugere Luisa.

Alberto concorda. “Dê menos importância a opiniões dos outros, principalmente de pessoas que não são significantes para você. E sempre busque ajuda, converse, se abra, divida as dificuldades, as angústias, os problemas. E a terapia pode ser uma grande aliada para entender o próprio comportamento e superar traumas, fases ruins, de baixa autoestima. A vida é curta, é preciso encarar com leveza e alegria, sem sofrimentos desnecessários”, opina.

Nem todo mundo é sempre feliz como nas fotos de Bancos de Imagens e está tudo bem!
Nem todo mundo é sempre feliz como nas fotos de Bancos de Imagens e está tudo bem! | Foto: iStock

Os conselhos são aprovados pela Juliane. “Acredito que quem coloca as respostas na internet quer, com certeza, ajudar de alguma forma. Sabe que, para alguns, aquele é o único ponto de apoio. Mas é preciso sempre olhar com cautela e confrontar com a própria vida, o que faz sentido ou não. E conversar, que faz muito bem. Lembro que na época pesquisei em alguns fóruns que discutiam o tema, então trocar impressões com outras pessoas que passam pelos mesmos problemas foi bom. E me abri mais com a família também, com algumas amigas mais próximas e acho que estou melhor. Espero não fazer a mesma busca novamente em 2020”, diverte-se.