“Esse jardim filosófico funciona 24 horas por dia, não precisa pagar ingresso, não precisa fazer fila”, diz Ricardo Sahão, 62
“Esse jardim filosófico funciona 24 horas por dia, não precisa pagar ingresso, não precisa fazer fila”, diz Ricardo Sahão, 62 | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Eu estou tentando ser a pessoa que meu cachorro pensa que eu sou”, diz uma das placas colocadas no Jardim Filosófico criado pelo médico clínico geral Ricardo Sahão, 62. O espaço cheio de ícones interativos fica localizado na avenida Maringá, às margens do Lago Igapó. A exposição a céu aberto que te convida a pensar, dialogar, brincar, é também o cenário de muitas fotos dos londrinenses.

“Quando a gente construiu a clínica aqui, sobrou o espaço do jardim. Eu olhava para ele e ele olhava para mim, então eu pensei: 'eu tenho que criar um ambiente que seja aconchegante, que enterneça as pessoas, que faça elas se sentirem bem”, comenta Sahão em uma conversa animada.

O primeiro ícone colocado foi a cabine telefônica inspirada nas de Londres. Construída em madeira, em 1994, foi a primeira muito antes dos caixotes vermelhos se espalharem pela cidade. A novidade já atraía visitantes para o local, mas aos poucos foi fazendo lado aos novos ícones.

A caixa de correio para cartas de amor e paz e o sino da alegria foram instalados no ano seguinte. “Como as pessoas não falam mais de paz e amor, não chegaram cartas ainda, só as taxas de impostos, IPTU”, brinca. Vez ou outra, o médico ouve o sino badalar lá de dentro da clínica. A orientação é simples: “Se você estiver alegre, toque o sino. Se você não estiver alegre, toque o sino e você ficará”. Há 24 anos badalando, a instalação foi para a manutenção. “É uma provocação, nos últimos anos o pessoal está badalando lá e a gente ouve 'blein, blein blein'”, imita o som.

CENA ESPONTÂNEA

Setas direcionam para vários lados, placas indicam que ali é a esquina do amor, as letras de músicas colocadas no jardim inspiram os espetáculos que podem ser planejados no mesmo instante com a ajuda do violão e microfone disponibilizados aos novos músicos. “Eu já vi umas imagens bonitas, é maravilhoso de ver, porque é tudo cena espontânea, não tem maquiagem, é muito puro. Quando você cria esses ícones de cultura, assim de sabedoria e questionamento filosófico, as pessoas interagem com eles. Esse jardim filosófico funciona 24 horas por dia, não precisa pagar ingresso, não precisa fazer fila”, menciona.

Pessoas interagindo com o espaço é o objetivo do médico. Por ter tantos elementos, quem faz a pausa para perceber o que o ambiente oferece, acaba entrando na brincadeira, usando para cantar, bater o sino, fotografar. “Mês de julho e final de ano, quando tem férias, você vê muita gente de fora de Londrina tirando foto aqui, isso é até comum”, comenta.

O espaço já foi cenário de fotografias, sejam elas espontâneas ou planejadas. Isso também faz parte do processo principal que é promover diálogo e reflexão. “Tem uma cadeira que é uma crítica ao capitalismo, porque existe aquela frase: 'tempo é dinheiro', eu fico p. com isso, eu não aceito que a nossa passagem na Terra seja para acumular dinheiro, um pedaço de papel pintado que vai valer mais que a minha vida. Então lá está escrito assim: 'tempo é prazer'. Eu acredito nisso e tento viver isso dentro das minhas possibilidades. O dinheiro é um meio, não é o fim”, critica.

HUMANISTA

A filosofia do cenário reflete todo esse pensamento humanista do médico. As letras das músicas escolhidas, as placas desejando paz e amor, um mundo com mais tempo para interagir, viver, experimentar. “Eu acredito na revolução pelas artes, eu sou um revolucionário artístico, meu legado é nada mais, nada menos que a revolução das pessoas, que começa de dentro e se espalha para seu próximo. É uma revolução interna”, acrescenta fazendo piada do próprio jeito de pensar. “Minha mãe fala que quando eu nasci eu não chorei, protestei”, ri.

Com uma visão crítica sobre como todos nós vivemos hoje, a conversa se desenrola sobre como o cenário de muitas fotos pode promover a revolução que ele deseja no mundo. O médico recorda de pessoas sentando na cadeira para ensaios de casamento e de famílias que param para observar aquele jardim cheio de objetos diferentes.

“Eu acho que minimamente as pessoas serão tocadas, porque elas vão lembrar do lugar e vão falar: 'eu passei em um lugar maluco que tinha umas placas engraçadas'. Você está despertando nelas a sensibilidade para as artes, para o próximo, para o que está em volta, um instante maravilhoso, que se eterniza a partir da espontaneidade e da singularidade, porque é único”, defende. Mais que a imagem, é o jardim que vale mais que mil palavras.