ASMR. Você já ouviu falar? Talvez sim, talvez não. Mas, se você já sentiu aquele formigamento gostoso na cabeça ao ouvir um sussurro ou um som repetitivo, saiba: você faz parte desse universo — mesmo sem saber o nome. A sigla, que significa Autonomous Sensory Meridian Response (em tradução livre, Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano), descreve uma sensação de relaxamento profundo provocada por gatilhos sonoros e visuais. E, apesar de não ser uma ciência exata, ela já conquistou milhões de fãs e, claro, muitos haters também.

O que é ASMR, afinal?

Na prática, a sigla se refere também a conteúdos que utilizam de gatilhos sonoros e visuais para ativar certas áreas do cérebro humano e promover a sensação de relaxamento em seus espectadores. Segundo a psicóloga Jéssica Christien, “estes sons ativam estas áreas do cérebro, que chamamos de Córtex Órbito Frontal, além de também ativar o Sistema de Recompensa. Estas duas áreas citadas geralmente têm a liberação de neurotransmissores, como dopamina, que são hormônios do bem estar. Fora isso, quando temos um som harmônico ou uma visão que nos dá paz, o nosso Sistema Nervoso Parassimpático também entra em ação, produzindo um relaxamento fisiológico, que é quando você tem uma baixa na frequência da sua respiração; a questão dos batimentos cardíacos caem e isso traz um benefício muito bom para o corpo”.

Tais respostas fisiológicas são o principal objetivo tanto para quem assiste, quanto para quem produz este tipo de conteúdos, geralmente postados na internet em redes como YouTube e Tik Tok.

O ASMR utiliza de gatilhos como sussurros, sons repetitivos, simulações de cenas ficcionais e imagens satisfatórias para algumas pessoas. Apesar da sigla ainda não ser conhecida majoritariamente pelo senso comum, o ASMR tem se popularizado de diferentes formas na atualidade.

Do preconceito ao estrelato: a história de Sweet Carol

Carolina Rossi, 31, é formada em Enfermagem e um curso de Comissária de Bordo, porém nunca exerceu nenhuma das profissões, pois se encontrou na produção de conteúdos para internet. “Eu gravava vídeos de lifestyle, como maquiagem, vlogs, e uma seguidora comentou em um vídeo meu falando ‘Carol, por que você não grava vídeos de ASMR? A sua voz é bem calminha e eu salvo os seus vídeos para dormir’; eu achei interessante este comentário, porque eu fazia isso com outros vídeos, mas também fiquei me perguntando ‘o que é ASMR?’. Quando eu fui pesquisar, tinham vídeos somente lá de fora, falando em inglês e em primeiro momento eu não tinha entendido o que era, eles falavam baixo, faziam sons estranhos, daí eu vi que tinha que colocar o fone de ouvido e quando eu fiz isso, senti aquilo que sempre sentia (sensação de formigamento e relaxamento) e fiquei chocada que isso tinha um nome (...) Fui procurar se tinham canais brasileiros e só tinham dois ou três, mas eles por alguma razão já haviam parado e eu na época já tinha 10 mil inscritos (no YouTube), então quando eu postei o meu primeiro ASMR, eu nem expliquei o que era, eu simplesmente achei que todo mundo sentia isso”, conta ela.

Alguns anos se passaram e hoje Caroline Rossi é mais conhecida como Sweet Carol, uma das pioneiras do ASMR no Brasil e seu canal do YouTube, que antes tinha 10 mil inscritos, hoje soma mais de 3,4 milhões. Todavia, a internet é um espaço aberto a diversos tipos de públicos e, às vezes, vídeos produzidos para um certo nicho, podem ser entregues para pessoas que não os entendem e optam por proferir comentários maldosos nas publicações.

Em meio à sua trajetória na internet, Rossi também recebeu interações negativas em seus vídeos, “naquela época, foi muito julgado. Perguntavam, ‘você é retardada? Está com algum problema na garganta? Está gravando escondida dos pais? Que bruxaria é essa?”, ela cita alguns dos comentários que lembra do início de sua carreira na área. Atualmente, o ASMR já é um pouco mais conhecido devido sua propagação nas redes; contudo, isso não impediu que uma nova onda de hate chegasse até Sweet Carol e de uma forma que ela nunca pensara ser possível.

Em 2022, Rossi gravou um vídeo longo no modelo RolePlay, formato de vídeo de ASMR que simula uma situação, geralmente a partir de alguma outra profissão, para que o espectador sinta-se inserido na cena do vídeo. “Eu sou graduada em Enfermagem, já havia assistido um vídeo de uma médica simulando um parto empelicado que é real, ele acontece na humanidade, mas é raro de acontecer. É quando o bebê nasce com a bolsa intacta. Então eu juntei as minhas duas profissões, enfermeira e ASMRtist e gravei um vídeo”, ela explica de onde veio a ideia de um vídeo de RolePlay gravado pela mesma há três anos.

No vídeo em questão, Sweet Carol simula um parto empelicado, fazendo o papel da enfermeira enquanto utiliza um bebê reborn, que é uma boneca extremamente realista, para fazer o papel do recém-nascido. “Eu adoro ser criativa, trazer coisas novas e sons novos. Achei que isto iria ser algo que ninguém tinha feito antes e realmente foi”, ela pontua também que o conteúdo possui três versões e todas são extensas.

A priori, o vídeo foi recebido pelos seguidores de Sweet Carol de maneira rotineira, todavia, o conteúdo “furou a bolha”. Recentemente, o assunto de bebês reborn se tornou viral nas redes sociais brasileiras, contendo desde cenas polêmicas e reais, até mesmo vídeos fakes ou humorísticos. Com estas bonecas no enfoque do público, um recorte do vídeo citado da ASMRtist começou a viralizar nas redes sociais, causando estranhamento em várias pessoas e sendo retirado fora do contexto e divulgado até mesmo por grandes sites de notícia do país.

“Fiquei eleita a parteira dos bebês reborn. Todo mundo comentando que eu precisava me tratar, que eu era doente mental”, ela relembra alguns dos comentários recebidos no trecho de seu vídeo, que já superou 116 milhões de visualizações no Tik Tok. “Ler este tipo de coisa e ver pessoas divulgando desinformação foi muito difícil, porque você estava preparada para a repercussão do seu ASMR, do seu nicho, de repente alguém tira do seu nicho e coloca em outro que não tem nada a ver, que você não sabe nem como funciona. Você lê tudo aquilo e acaba ficando mal”.

Para quem já seguia Sweet Carol antes disso, o ocorrido foi uma surpresa. Uma destas seguidoras é a biomédica Yasmim dos Santos, 23; ela assistiu ao vídeo “muito antes da polêmica e, como tenho conhecimento das mais variadas RolePlays em ASMR, principalmente relacionada à área médica, para mim foi algo normal e, por sinal, achei extremamente interessante e detalhado. Foi relaxante”, pontua ela. A biomédica ainda conta que canais como os de Sweet Carol, entre diversos outros, já a ajudaram muito a melhorar sua qualidade de sono; “conheci o ASMR por volta de 2018, com vídeos no YouTube, de slime, cortando sabonetes e frozen paint. Na época eu era agitada e tinha problemas de insônia. Acabei amando este tipo de vídeos porque me traziam muito relaxamento, eu costumava até a utilizar como som de fundo durante os estudos para me ajudar no foco e na tranquilidade”.

A sensação de calmaria e satisfação percebida pelo público do ASMR tem sido propagada com mais frequência na atualidade, mas de forma disfarçada, se mesclando a outros segmentos. Foi desta forma, longe de polêmicas, que a assistente de marketing digital, Beatriz Gross, 27, conheceu a prática; “depois que viralizou nas redes sociais, vi primeiro no Instagram, através de blogueiras que sigo, quando fazem unboxing de algum produto ou até mesmo rotina do dia a dia”.

Recursos do ASMR têm sido amplamente utilizados por outros produtores de conteúdo, em especial das áreas de organização, rotina e skin care. Algumas marcas também notaram a sensação de tranquilidade proporcionada aos espectadores e utilizam deste artifício quando o produto visado a ser vendido também tem como objetivo causar uma sensação semelhante. O ASMR está presente até mesmo em algumas entrevistas com famosos, em páginas que já colocaram celebridades em frente a microfones para serem entrevistados e responderem a perguntas por meio de sussurros.

Contudo, o que é uma forma de diversificar a produção de conteúdos para alguns, é um trabalho diário para outros. Atualmente, existem vários criadores de conteúdos de ASMR, de diversas idades e distribuídos pelo território nacional, que têm em comum a gravação de vídeos para este nicho como seu trabalho oficial.

Por trás das câmeras: rotina, investimento e paixão

Uma destas pessoas inclusive mora no Paraná. Natália Moraes (@nartxasmr), 23, não somente grava, como também assiste a vídeos de ASMR para lhe trazer tranquilidade e evoluir na área. “Eu me inspiro no trabalho de muitos criadores, em sua maioria gringos, que são os que mais consumo. Acompanho o trabalho de alguns há 10 anos, o que parece insano agora que calculei. (São) pessoas muito criativas, artistas de fato que utilizam o nicho para expressarem sua arte. É maravilhoso”, expressa ela.

A ASMRtist, que já possui mais de 600 mil seguidores no Tik Tok, em sua maioria brasileiros, explica que “sempre gostei de gravar vídeos e fazia muito isso, mas a vergonha nunca me permitiu de fato postá-los; até uma quarta-feira qualquer em 2023, quando eu simplesmente tive coragem de editar e postar. Até hoje aquele primeiro vídeo é um dos mais assistidos do canal”.

Porém, gravar ASMR não é uma tarefa fácil para nenhum criador de conteúdo deste meio, tendo que haver uma agenda mais regrada, assim como a maioria dos trabalhos. Sweet Carol, por exemplo, grava “quatro vezes na semana, dois vídeos por dia e depois usava os finais de semana ou algum dia livre para editar esses vídeos. Então sou eu que faço tudo (...) roteiro, gravação, cenário, às vezes personagem, edição e programação”.

Assim como Rossi, ‘Nartx asmr’ também aplica tempo e até mesmo dinheiro para crescer na área. “Atualmente eu tenho três microfones para gravar vídeos, todos foram investimentos para melhorar a qualidade, ainda que em passos lentos (...) Só gravo de madrugada; é impossível no lugar onde moro gravar em qualquer outro horário. O barulho é constante - às vezes até mesmo de madrugada”, relata ela.

Com valer a pena, Natália Moraes se refere principalmente aos comentários e feedbacks que recebe; “eu acredito muito no poder do ASMR. É ciência. Mas também acredito no bem que ele traz não somente para a rotina de sono, mas para o bem estar de modo geral. Todos os dias recebo centenas de mensagens dizendo o quanto se sentem bem, ou com meus vídeos, ou com ASMR de modo geral; isto eu não tenho como contestar. E como uma pessoa que também consome ASMR, eu vivencio isso de todas as formas, o que é incrível”.

ASMR é ciência ou só moda?

O bem-estar promovido pelo ASMR é confirmado por profissionais na área da saúde, como explica a psicóloga Jéssica Christien, “neste momento em que você está silenciando o seu cérebro, você está conduzindo o seu corpo e a sua mente a um processo saudável, porque você vai reduzir o medo, a ansiedade, os pensamentos intrusivos. É terapêutico, é sim eficaz e é muito bom; eu acredito que é um momento que todo mundo deveria ter”.

A psicóloga também explica que os benefícios de cada gatilho sonoro e/ou visual variam entre os espectadores; “cada indivíduo vai ser estimulado de uma forma, cada ruído, cada som é muito específico de cada um”, mas que ainda assim é uma experiência que pode ser boa para a maioria da população, principalmente pela fácil acessibilidade.

Em suma, o ASMR é uma prática que ainda está crescente e tem suas variações no cotidiano da sociedade, principalmente na internet. Muitos ASMRtists passam noites sem dormir, gravando vídeos em função de ajudar outros indivíduos a terem certo relaxamento corporal e emocional, mesmo em momentos de insônia, e conseguirem ter uma boa noite de sono. Mesmo com críticas, dentre outros desafios da profissão, promover o bem-estar continua sendo o que move estes criadores de conteúdos: “trabalhar com ASMR é muito cansativo, mas é muito gratificante. Se eu puder ajudar uma pessoa sequer a se sentir um pouquinho melhor, já vale todo o esforço”, afirma a ASMRtist Natália Moraes.

Se você nunca deu uma chance ao ASMR, coloque os fones, relaxe e descubra o poder de um simples sussurro. Quem sabe você não vira fã também?

Mayara Tavares é jornalista em colaboração especial para a Folha de Londrina.

EXPANDINDO O ASSUNTO:

Confira uma lista de mídias para ficar por dentro de tudo o que se fala sobre ASMR:

Vídeo viralizado de Sweet Carol:
Canal Sweet Carol:
Canal Nartx ASMR:
Entrevistas com celebridades em ASMR:
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