Imagem ilustrativa da imagem Ar-condicionado| Um amor - de verão - do ano inteiro
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O mês de setembro de 2020 foi o mais quente já registrado no mundo, apresentando temperaturas anormalmente altas no litoral da Sibéria, no Oriente Médio e em partes da América do Sul e da Austrália. O alerta vem do Serviço Copérnico contra a Mudança Climática da União Europeia (UE), que aponta: desde 1979, quando a entidade passou a monitorar o clima, setembro foi, globalmente, 0,05 grau mais quente do que o mesmo mês de 2019 e 0,08 grau mais quente do que em 2016, até então o setembro mais quente e o segundo mais quente já notificados anteriormente.

No Brasil, as temperaturas também seguiram a tendência, mesmo no inverno. Segundo registros do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), setembro foi um dos mais quentes da série histórica de medição do instituto, que teve início em 1998. Em Curitiba, os termômetros marcaram entre 2 e 3 graus acima da média, e no Noroeste até 4 graus acima.

Os últimos dias repetiram os índices e tiveram calor intenso, com termômetros batendo a casa dos 40 graus. E o verão só começa em 21 de dezembro. Em meio ao caos térmico, um aparelho passou a ser sonho de consumo e item indispensável para muita gente: o ar-condicionado. Ele, que antes só “aparecia” no verão, passou a ser fundamental o ano inteiro. Em 2016, o Brasil tinha aproximadamente 27 milhões de aparelhos, entre residenciais e comerciais. A previsão é que, em 2050, o número chegue a 165 milhões. Os líderes em uso são China, Japão e Estados Unidos, que concentram, juntos, dois terços de todos os aparelhos do mundo. E ele só existe devido ao trabalho de um jovem engenheiro norte-americano, contratado para resolver o problema de uma gráfica.

A história começa há 118 anos, quando o recém-formado Willis Haviland Carrier, de 26 anos, foi contratado por um fabricante de aquecedores, ventiladores e sistemas de exaustão de ar para ajudar uma gráfica de Nova Iorque. A empresa tinha o trabalho prejudicado durante o verão, estação em que o papel absorvia a umidade do ar e se dilatava. Além disso, as cores impressas nos dias úmidos não se alinhavam nem se fixavam com as cores impressas em dias mais secos, resultando em imagens borradas. Carrier criou então um modelo em que a umidade da fábrica seria controlada por meio de arrefecimento do ar feito por dutos artificialmente resfriados. O mecanismo, que controlava a temperatura e umidade, foi o primeiro exemplo de condicionador de ar contínuo por processo mecânico.

Quatro anos mais tarde, outro norte-americano criou o termo “ar-condicionado”. Stuart Cramer construiu um aparelho para adicionar umidade ao ar de sua fábrica de tecidos. Carrier acabou adotando também o termo. Já o uso residencial do ar-condicionado foi inaugurado em uma mansão de Minneapolis, em 1914. No mesmo ano, Carrier instalou o primeiro condicionador de ar hospitalar, no berçário de partos prematuros do Allegheny General Hospital, de Pittsburgh. O sistema ajudou a reduzir a mortalidade causada pela desidratação dos bebês. Cinco anos mais tarde, o cinema Riviera, em Chicago, convidou os espectadores para sua “fábrica de congelamento”. O aparelho alçou a fama em 1922, no Grauman’s Metropolitan Theatre, em Los Angeles, tornando-se peça fundamental para o crescimento da indústria cinematográfica, já que, nos meses de verão, a frequência dos cinemas caía muito, levando ao fechamento de várias salas. Aparelhos de ar-condicionado foram instalados em escritórios executivos da Casa Branca em 1930. Na mesma época, os vagões da ferrovia B&O, também nos Estados Unidos, foram os primeiros veículos de passageiros a ganhar condicionadores de ar. O primeiro carro com sistema de ar-condicionado parecido com os atuais foi o Packar 180, também chamado de One-Eighty, lançado em 4 de novembro de 1939.

Na década seguinte, as versões domésticas passaram a ser adotadas em larga escala. Em 1970, os modelos “de janela” foram criados. E nos anos 1980, os sistemas de ar-condicionado automotivo ficaram mais acessíveis e menores, sendo instalados nos veículos mais facilmente. Em constante evolução e cada vez mais acessível e moderno, em relação aos exemplares antecessores, a tecnologia permitiu o desenvolvimento dos modelos Split, separando o aparelho em unidades interna e externa. Segundo dados da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), o Brasil produziu um recorde de 4,33 milhões de aparelhos Split em 2014. Por falar no país, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1905, foi o primeiro prédio brasileiro a ter um ar-condicionado. E levou algum tempo para que o então item de luxo se espalhasse por aqui. Nos anos 1950 e 1960, os aparelhos se multiplicaram nas casas de famílias das classes A e B, tornando-se tão cobiçados quanto os televisores. O Itamaraty, da Willys, foi o primeiro veículo nacional a vir com ar-condicionado de fábrica, em 1966.

E foi justamente nesse ano que a empresária Márcia Gomes nasceu. Moradora de Curitiba, ela jamais pensou que iria ter um ar-condicionado em casa. Mudou de ideia em julho, após uma semana de calor intenso na capital. “Leio muito sobre mudanças climáticas e já estava preocupada. Se em julho estava passando calor em casa, em pleno inverno, deduzi que em dezembro iria ser pior. Fiz uma economia e coloquei um no quarto. Foi a melhor escolha, pelo menos não durmo mais derretendo”, brinca. Gerente de uma loja de refrigeração, Mateus Nunes aponta um aumento nas vendas em 2020. “Vendemos bem durante todo o ano, em torno de 15% a mais que ano passado, e a procura tem crescido nos últimos dias. A pandemia atrapalhou um pouco, mas acredito que os próximos meses vão ser bons de vendas também”, prevê. Segundo ele, os modelos mais acessíveis, com preços em torno de R$ 1 mil, são os mais procurados. Mas é preciso um alerta: nos períodos de uso intenso, o impacto na conta de energia elétrica pode chegar a até 50% de aumento. “Temos aparelhos mais econômicos atualmente, em relação aos de antigamente, mas ainda assim o consumo tende a subir com o uso. E é preciso pensar também na manutenção, para a qualidade do ar sempre ser boa”, explica Mateus. Portanto, a orientação é que, antes de comprar, o cliente pesquise, além do preço, sobre gastos extras e níveis de consumo, encontrando o modelo ideal para o calor – e para o bolso. Assim, não há risco de o novo “amor” terminar em “DR”.

Covid-19 no ar

Pandemia do novo coronavírus traz dúvidas sobre a segurança no uso dos aparelhos de ar-condicionado no verão

Desde março, quando as primeiras orientações de distanciamento, isolamento e outras medidas para conter o avanço da Covid-19 começaram a ser implementadas, vários estabelecimentos interromperam o uso dos aparelhos de ar-condicionado. No trânsito, motoristas de aplicativos também abriram as janelas e desligaram o equipamento. A dúvida sobre o risco de transmissão pelo ar ainda persiste, com estudos alternando entre um risco mais elevado e, em outros, mais baixo. Para o pneumologista Caio Moraes, um ambiente ventilado, com portas e janelas abertas, é o mais indicado, mas é preciso avaliar caso a caso. “O grande problema é a aglomeração de pessoas em um ambiente fechado, com o ar ligado, e não ele em si. Isso realmente não é indicado. Mas é preciso considerar alguns pontos, como qual é o espaço e quem está nele, se são pessoas que já convivem ou não, se estão circulando por outros ambientes, se há renovação do ar. Tudo isso impacta”, explica.

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O artigo científico que colocou o ar-condicionado na berlinda foi publicado por pesquisadores do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Guangzhou, na China, no periódico científico Emerging Infectious Diseases, editado pelos Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos. O trabalho relata o caso de um restaurante chinês. Entre as pessoas que almoçaram no dia 24 de janeiro no local, que tem cinco andares, sem nenhuma janela, com exaustores e ar-condicionado central, estava um cliente, ainda assintomático, recém chegado de Wuhan, cidade chinesa considerada ponto de início da pandemia. Ele e a família sentaram em uma mesa ao lado de outras duas, com distância de cerca de um metro entre elas. As três mesas estavam na reta de um aparelho de ar condicionado.

Nos dias seguintes, o cliente vindo de Wuhan e mais nove pessoas presentes nessas três mesas foram diagnosticadas com Covid-19. De acordo com os pesquisadores, a transmissão do novo coronavírus pode ser explicada não só pelas gotículas de material infeccioso, mas também pelos aerossóis, partículas menores do material infeccioso que ficam suspensas no ar por mais tempo e têm alcance mais distante. No caso do restaurante, eles afirmam que não há certeza de que a infecção tenha ocorrido por meio dos aerossóis, já que outros clientes e funcionários no mesmo ambiente não foram infectados. Mas sugerem que os aerossóis possivelmente estavam mais concentrados na área das mesas próximas, carregados por correntes do ar condicionado. Por fim, recomendam que os restaurantes aumentem a distância entre as mesas e melhorem a ventilação dos espaços. Outros grupos se mostraram mais preocupados com o potencial transmissivo dos aerossóis. Em julho, mais de 200 pesquisadores divulgaram uma carta conjunta, defendendo o reconhecimento dessa via de transmissão.

Uma das alternativas para o uso do ar-condicionado é que, em locais com grande concentração de pessoas, haja equipamentos de renovação mecânica do ar, algo que exige planejamento e altos custos de manutenção. “Grandes espaços geralmente possuem equipamentos assim, como shoppings e mercados, já os de uso doméstico, apenas alguns modelos tem opção de renovação de ar. Então é preciso avaliar o ambiente e o tipo do equipamento. Se o ambiente for coletivo, o uso de máscaras e o distanciamento continuam sendo medidas importantes”, orienta Caio.