Após tragédia em Petrópolis, família cogita voltar a Londrina

Motorista relata momentos terríveis durante tempestade que devastou cidade fluminense

Publicado sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022 | Autor: Lucas Catanho - Especial para a FOLHA às 18:25 h

A família do motorista Alessandro Miguel Molter Correa da Silva cogita voltar de Petrópolis a Londrina após sentir na pele a tempestade que destruiu parcialmente a cidade e já deixou 130 mortos e 218 desaparecidos até a tarde desta sexta-feira (18).

Nascido em Petrópolis, Alessandro foi para Londrina aos 6 anos de idade, onde permaneceu por 26 anos até um ano e meio atrás, quando retornou com a mulher e as duas filhas, hoje com 2 e 8 anos, para a cidade fluminense.

Vista aérea de área afetada pelos deslizamentos da chuvas que castigaram Petrópolis- RJ (17-02-2022)
Vista aérea de área afetada pelos deslizamentos da chuvas que castigaram Petrópolis- RJ (17-02-2022) | Foto: Florian Plaucheur/AFP

“Sempre gostei de Petrópolis, toda a família por parte de pai e da mãe são daqui, é perto da praia, então decidimos voltar. Mas depois do que aconteceu, já estamos quase decididos a voltar a Londrina”, destacou.

VEJA VÍDEO

Sem abastecimento de água da rua em casa há três dias, a família de Alessandro está conseguindo ainda se virar porque tem três caixas d’água, mas entrou no racionamento pesado.

Bombeiros na área de deslizamentos procuram por sobreviventes (Petrópolis - RJ/ 18-02-2022)
Bombeiros na área de deslizamentos procuram por sobreviventes (Petrópolis - RJ/ 18-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP

Com relação à alimentação, horas antes da tempestade, Alessandro foi ao supermercado. Hoje, poucos mercados estão abertos e a recomendação é que as pessoas que estão em local seguro permaneçam em casa. “O risco de ir ao mercado ainda é muito grande. A Defesa Civil pediu para sair só em extrema necessidade.”

Alessandro relembra que na terça-feira (15) à tarde, início da tempestade, já não conseguiu buscar mais as filhas na escola de carro com a esposa, tiveram que retornar. As aulas foram suspensas desde então.

Helicóptero militar sobrevoa área atingida (18-02-2022)
Helicóptero militar sobrevoa área atingida (18-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP
Bombeiros trabalham em deslizamento após as chuvas (18-02-2022)
Bombeiros trabalham em deslizamento após as chuvas (18-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP

“Era transformador estourando, muro caído, asfalto saindo da rua, praça com 2 metros de altura de barro, carros amontoados, cheiro de gasolina para todo lado, muita gente com pedaço de pau e com pedra na mão para se defender de assaltos”, relembra.

Sem opção, ele e a mulher deixaram o carro num posto de gasolina a cerca de 400 metros da sua casa. A mulher ficou no posto com o veículo e Alessandro seguiu a pé para casa, onde pegou a moto e junto com o primo foi tentar buscar as filhas.

icon-aspas “O risco de ir ao mercado ainda é muito grande. A Defesa Civil pediu para sair só em extrema necessidade.”
Alessandro Miguel Molter Correa da Silva -

Bombeiros procuram por sobreviventes em áreas de deslizamentos em Petrópolis-RJ (18-02-2022)
Bombeiros procuram por sobreviventes em áreas de deslizamentos em Petrópolis-RJ (18-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP
Vista área dos deslizamentos de terras após as chuvas de Petrópolis- RJ (18-02-2022)
Vista área dos deslizamentos de terras após as chuvas de Petrópolis- RJ (18-02-2022) | Foto: Presidência da República/AFP
Vista aérea cedida pela Presidência da República mostra extensão da destruição causada pelos deslizamentos em Petrópolis- RJ (18-02-2022)
Vista aérea cedida pela Presidência da República mostra extensão da destruição causada pelos deslizamentos em Petrópolis- RJ (18-02-2022) | Foto: Presidência da República/AFP

“O trecho que demorava 10 minutos para chegar à escola acabamos levando uma hora e meia de moto. Teve pontos que a água estava na cintura, mas conseguimos passar”, relembra.

Ao chegar à escola, um grupo de 12 pessoas, incluindo Alessandro e o primo, voltou a pé com algumas crianças. O trecho da escola até a casa de Alessandro tem 4 quilômetros. Ao todo, foram quase duas horas de trajeto a pé.

“Estávamos em bando para evitar assaltos, teve arrastão e uma moça que saiu do colégio com 6 crianças teve o carro roubado, quebraram o vidro e mandaram todos descer”, conta.

Mulher retira lama da frente de loja severamente atingida pelas chuvas (Petrópolis-RJ/ 17-02-2022)
Mulher retira lama da frente de loja severamente atingida pelas chuvas (Petrópolis-RJ/ 17-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP

Ao tentar ligar para a esposa para contar que havia conseguido chegar à escola, Alessandro não conseguia contato.

“Bateu o desespero. Minha mãe também ligou para ela e não conseguia falar”, relembra. Alessandro e as filhas conseguiram voltar ao posto e subiram para casa, aonde chegaram por volta da 1h da madrugada de quarta-feira (16). “Praticamente não dormi, era sirene para todo lado”, relembra.

Passados quase 3 dias do início da tragédia, Alessandro diz que a sensação principal hoje é de alívio. “Foi desesperador, mas a sensação por todos nós estarmos bem é muito boa. Um misto de alívio por nós, mas muita tristeza pelos outros”, conclui.

Pessoas tentam resgatar itens de carros tombados pelas enxurradas (Petrópolis/ 16-02-2022)
Pessoas tentam resgatar itens de carros tombados pelas enxurradas (Petrópolis/ 16-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP

FAMÍLIA EM LONDRINA

Mãe de Alessandro, Rosali relembra os momentos de desespero, principalmente após não conseguir contato com a nora no primeiro dia da tragédia em Petrópolis. Nascida em Petrópolis, ela mora em Londrina há 27 anos. “Foi um desespero muito grande ficar sem notícias”, relembra.

Rosali está empolgada sobre a possibilidade de o filho, a nora e as netas retornarem a Londrina. “Chorei muito quando eles foram. Se eles voltarem, será ótimo”, diz.

Irmã de Alessandro, Rafaela também mora em Londrina e vem acompanhando toda a aflição da família.

“A gente fica muito triste porque Petrópolis é uma cidade muito linda, turística, histórica. A cidade está arrasada e precisa de um melhor olhar pelo poder público, é preciso repensar as formas de moradia”, destacou.

Bombeiros procuram por sobreviventes nos escombros. (Petrópolis-RJ/ 16-02-2022)
Bombeiros procuram por sobreviventes nos escombros. (Petrópolis-RJ/ 16-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP

MUDANÇA DE ROTINA

O motorista autônomo Rodrigo Alexandre Correa da Silva é tio de Alessandro e também mora em Petrópolis. Desde o final da tarde de terça-feira (15), a rotina de trabalho dele mudou bruscamente. Ele não conseguiu mais utilizar sua van para buscar crianças em cinco escolas.

Um dos episódios mais tristes e próximos da família de Rodrigo foi a morte de um adolescente de 14 anos, que havia saído do inglês mais cedo para voltar para casa. A esposa de Rodrigo, Juliana, é dona dessa escola de inglês. O jovem estava em um ônibus circular e foi levado pela enxurrada.

Vista de bairro após deslizamento de terras (Petrópolis-RJ/ 17-02-2022)
Vista de bairro após deslizamento de terras (Petrópolis-RJ/ 17-02-2022) | Foto: Carl de Souza/AFP

“Também flagrei uma galeria de água pluvial estourar perto de mim. No outro dia, fiquei sabendo que uma adolescente de 15 anos morreu levada por essa enxurrada”, relembra.

VOLUNTÁRIO

Sem previsão ainda de retorno às aulas e consequentemente ao trabalho, Rodrigo vem ajudando voluntariamente a Prefeitura levando alimentação aos trabalhadores da limpeza urbana com a sua van.

“Ontem sobraram 80 quentinhas e de noite ainda saímos distribuindo perto de casa. Se ninguém fizer nada, o caos vai se estender por muito mais tempo”, conclui.


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