Em março deste ano, enquanto o Brasil se organizava para enfrentar o coronavírus, muitos brasileiros já vivenciavam o pânico da pandemia ao redor do mundo. E a FOLHA ouviu esses brasileiros no “olho do furacão” que relataram suas experiências e histórias para nos ilustrar a realidade que estávamos prestes a conhecer . Quarentenas rígidas, confinamentos de países inteiros, supermercados esvaziados, desespero, estocagem de alimentos, de artigos de higiene e desabastecimento de mercados foram os piores cenários descritos. Além do esforço impositivo para que as pessoas não circulassem.

Agora, dezembro de 2020, poucos dias para o fim do ano, a reportagem voltou a conversar com brasileiros em outros países para saber como passaram o ano pandêmico, como estão as medidas de segurança nos países nos quais estão radicados, as expectativas para a chegada da vacina e que esperanças guardam para 2021.

Imagem ilustrativa da imagem Ano Novo, pandemia velha
| Foto: Folha Arte

Japão

A londrinense Meg Yamagute mora no Japão desde 2006, trabalha com turismo em Tóquio e contou para a reportagem em março como as medidas de enfrentamento da pandemia na capital japonesa e a difícil decisão do país de cancelar as Olimpíadas afetaram sua profissão.

Passados nove meses, Yamagute usou da criatividade e adaptou o trabalho como guia turística para a plataforma Zoom. “Estou concentrada nos tours virtuais, já que os presenciais ficaram inviáveis. Mostro e explico os locais como em um tour normal, só que a distância. Ainda estou explorando, mas as pessoas me dizem que conseguem se sentir um pouquinho aqui e aprenderam sobre o país e a cultura”.

Meg Yamagute em espaço próximo de estação de Tóquio, Japão
Meg Yamagute em espaço próximo de estação de Tóquio, Japão | Foto: Piti Koshimura - Arquivo pessoal

Ela aguarda com cautela a vacina, mas destaca que a expectativa geral no Japão é grande, principalmente, para que as Olimpíadas possam acontecer com segurança. A sua festa de Réveillon será mais reservada, já que a alta taxa de contaminação de Tóquio, cidade com maior número de infectados do país, preocupa a todos. “Estamos evitando encontrar muitas pessoas ou viajar, então acredito que cada um irá comemorar com seus pequenos grupos - familiares ou amigos que moram juntos”.

Yamagute planeja visitar o Brasil assim que possível, mas, por enquanto, não tem planos de voltar a viver aqui. “Infelizmente tudo o que acompanho sobre o Brasil, nas notícias, é muito triste”. Após um ano de grandes incertezas, ela conta à reportagem que está mais pé no chão sobre 2021. “A única certeza que existe é que nada é certo!”

França

O londrinense João Soares se mudou para Toulouse, na França, há 11 meses. “Tomei a decisão de me mudar no começo de 2020, depois de um longo período de reflexão do que eu queria fazer da vida. Após largar a faculdade em 2018 e sem planos para o futuro, resolvi procurar inspiração fora do Brasil. Uma dessas inspirações é tentar fazer meus estudos em solo europeu”, conta. Pouco tempo depois de aportar no país a quarentena foi decretada pela pandemia do coronavírus. “Cheguei em janeiro e logo em março começou o primeiro confinamento, com isso tive um pouco de dificuldade para encontrar trabalho e até mesmo aproveitar o país. Foi um período difícil, principalmente, por estar longe da família e dos amigos, passar dois meses sozinho e confinado não foi fácil”.

João Soares em Toulouse, França
João Soares em Toulouse, França | Foto: Arquivo Pessoal

Agora, que a pior onda de Covid parece ter passado na França, Soares se vê animado a retomar seus planos. “Assim que a primeira quarentena acabou, logo em seguida começou o verão e a temporada de férias, foi nesse momento que pude viajar e conhecer lugares incríveis. Depois de um tempo também consegui um trabalho e hoje sou chefe de uma equipe de limpeza aqui na cidade”.

Ele acredita que suas expectativas para o novo ano sejam bem parecidas com a de todo mundo: “que as vacinas sejam efetivas contra o vírus e essa pandemia acabe”. Ele espera que, com a imunização, possa aproveitar ainda mais sua estadia na Europa. “Quero ao menos poder ter oportunidade de fazer um mochilão, viajar sem preocupação, conhecer a fundo a cultura francesa e dos demais países da Europa sem ter medo de ser contaminado ou algo do tipo”, diz o londrinense, que ainda não tem previsão para voltar ao Brasil, mas tem acompanhado notícias daqui. “Infelizmente chegam só as piores”.

Espanha

Pedro Sugeta está em intercâmbio em Pontevedra, cidade localizada na região espanhola da Galícia. O estudante de artes visuais da UEL (Universidade de Londrina) viajou para a Espanha em janeiro de 2020 e tentou voltar ao Brasil algumas vezes desde o início da pandemia mas, sem sucesso, “acabei optando por seguir com os meus estudos aqui e ficar quieto, Acho que nesse tempo de pandemia a pior coisa que tem para se fazer é viajar”. Sugeta acredita que este ano atípico trouxe lições para todos: “o distanciamento social e a empatia foram palavras-chave”.

Com uma população numerosa de idosos, Pontevedra foi seriamente castigada pelo coronavírus. "Infelizmente eu moro numa cidade pequena que enterrou muita gente”, observa. E por essa razão, a ansiedade pela vacina, que está em fase de testes, esta altíssima entre seus moradores.

Pedro Sugeta em praça na cidade de Pontevedra, Espanha
Pedro Sugeta em praça na cidade de Pontevedra, Espanha | Foto: Arquivo Pessoal

Apesar do ano incomum, ele se mantém positivo. “Acredito que consegui fazer bastante coisa dentro do que eu podia."

As comemorações de Ano Novo na região foram canceladas por causa da segunda onda de coronavírus, no entanto isso não significa que a data passará em branco. Existe o costume de assistir pela televisão a tradição espanhola das 12 uvas. “Essa tradição consiste em comer 12 uvas acompanhando as 12 badaladas do relógio da Casa de Correos, que fica na Puerta del Sol, em Madri”, conta.

Na virada do ano de 2019 para 2020, com a proximidade de sua viagem para a Espanha, Sugueta praticou outro costume da região: “caminhar pela casa com uma mala. Segundo os espanhóis isso te ajuda a viajar no ano que está chegando, para mim funcionou. Eu consegui viajar bastante antes da pandemia”.

O retorno ao Brasil está programado para os primeiros meses de 2021, quando seu tempo de mobilidade acadêmica termina.

Itália - Inglaterra

Decepcionante. É como o londrinense Mateus Reginato define o ano de 2020. Ele vive com sua esposa Milena Gomes na cidade de Liverpool, na Inglaterra, há quatro meses. Antes, viveram o pior momento da infecção pelo coronavírus em Turim, na Itália. O país foi um dos primeiros do ocidente a sofrer as consequências brutais da pandemia. “Um mês antes de os casos chegarem ao Brasil, a gente já estava de quarentena”, relata. Devido à crise que se instalou, sem emprego, o casal não conseguiu se fixar na Itália e apressou os planos de mudar para o Reino Unido. “No final do ano você faz vários planejamentos, sonha o que pretende fazer no ano que está por vir, que está por acontecer e meio que isso tudo foi por água abaixo em 2020”, lamenta.

Eles chegaram a cogitar voltar para o Brasil, mas com a ajuda de familiares conseguiram se manter na Itália por um tempo. “Na Itália, se você saísse na rua, tinha policial que parava e mandava você voltar para casa. Aconteceu comigo e com a Milena, por exemplo, estarmos indo para o mercado em dois e a viatura parou no meio da rua e os policiais perguntaram se a gente estava junto e mandaram um voltar para casa na hora."

Mateus Reginato em bairro de Liverpool, Inglaterra
Mateus Reginato em bairro de Liverpool, Inglaterra | Foto: Arquivo Pessoal

Logo que permitido eles se mudaram para a Inglaterra, onde conseguiram um trabalho. Reginato comemora uma melhor estabilidade financeira, no entanto, a segunda onda de Covid-19 “ainda está deixando tudo muito incerto”. A região de Liverpool é a mais afetada pelo coronavírus no Reino Unido atualmente, e o casal passou então pelo segundo confinamento total. “A expectativa pela vacina aqui é para que não ocorra um terceiro lockdown, mais pesado como esse último”.

A comemoração de Ano Novo em Liverpool vai acontecer. Foram canceladas festas com fogos e aglomeração na rua. “Mesmo que não aconteça de forma oficial, eu acho que as pessoas ainda assim vão se reunir muito durante as festas. Tenho a impressão que aqui, como no Brasil, as pessoas não se importam tanto”, explicando que no seu caso, a celebração será dentro de casa mesmo.

O desejo de ver a família nas festas deste fim de ano foi adiado. “Se a gente fosse agora para o Brasil, quando voltasse para a Inglaterra teria que fazer uma quarentena e a gente não pode ter o luxo de ficar 15 dias em casa sem trabalhar”. No momento do fechamento dessa reportagem, Milena testou positivo para Covid e o casal foi isolado por 15 dias.

Nova Zelândia

A paranaense Fernanda Lopes mora em Auckland, Nova Zelândia, há quatro anos. Na conta, carrega dois confinamentos “um completo (nível 4, em março), no qual tudo fechou, só mercados e farmácias estavam abertos; e outro (em agosto, nível 3) com o comércio funcionando com restrições, poucas coisas abertas e restaurantes apenas para entregas.” Somados os dois períodos, nove semanas de trancamento. “Apesar de tudo, o governo aqui nos passava muita tranquilidade na agilidade das medidas adotadas e a população cumpriu tudo o que foi orientado”. Entre a primeira e a segunda onda de Covid, a Nova Zelândia teve 100 dias sem novos casos.

Fernanda Lopes em viagem à Ilha Norte, Nova Zelândia
Fernanda Lopes em viagem à Ilha Norte, Nova Zelândia | Foto: Arquivo Pessoal

Faz alguns meses que o país saiu do segundo lockdown e hoje Lopes já pode se reunir com amigos, viajar dentro do país e fazer qualquer atividade sem restrições. “O plano apresentado pela Nova Zelândia foi muito bem organizado e estruturado”, opina Lopes, que acredita que a vacinação no país seja iniciada até março de 2021. Receber a vacina assim que possível faz parte de suas expectativas para o Ano Novo. “Tenho fé que será um ano melhor. Vou poder visitar minha família e amigos no Brasil”.

Imagem ilustrativa da imagem Ano Novo, pandemia velha
| Foto: Arquivo Pessoal

A comemoração de Ano Novo na Nova Zelândia está planejada para acontecer normalmente, mas isso pode mudar se o país voltar a ter casos de Covid-19. “No Réveillon sempre tem fogos na Skytower, uma torre que é a atração turística no centro da cidade. Reunimos na casa de amigos para jantar e depois vamos ver os fogos no centro”, esse é o plano.

*Supervisão de Patrícia Maria Alves (editora)