A novela Amor de Mãe, escrita pela autora Manuela Dias, estreou na segunda (25) com a história de três mães vivendo diferentes dramas. Há desde aquela mãe que teve seu filho caçula vendido pelo companheiro; há aquela que não podia ter filhos, e ao adotar uma criança logo depois se descobre grávida. Há também aquela que possui uma filha adotiva, mas descobre que tem um aneurisma, problema que pode matá-la a qualquer momento. Os dilemas envolvendo a maternidade não são recentes na dramaturgia. Há, por exemplo, antigas tragédias gregas ou histórias bíblicas que evidenciaram os dramas que as mães vivem, e muitas delas podem ser transpostas para a vida real.

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A reportagem da Folha conversou com o psicoterapeuta Sylvio do Amaral Schreiner para tentar entender qual o motivo das histórias que envolvem dramas maternos cativarem tanto as pessoas. Segundo Schreiner, a maternidade é fundante na personalidade e na construção da psiquê das pessoas. “Não só da mãe biológica, mas mesmo se for uma mãe adotiva, a mãe vai fundar as psiquês da criança, que não sabe sonhar por si mesma, porque não tem estrutura para tal. A mãe vai dar os primeiros sonhos para o bebê, que ainda não sabe dar sentido para as coisas. É a mãe que faz isso e é algo que vai marcá-lo para o resto da vida”, ressalta.

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| Foto: Fotos: Divulgação Rede Globo
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Na trama, três mães com diferentes dramas vêem seus destinos cruzados pelo acaso
Na trama, três mães com diferentes dramas vêem seus destinos cruzados pelo acaso

O psicoterapeuta destaca que mesmo que se mudem as culturas e as eras, cada uma delas tem suas diferenças e maneiras peculiares de como ver as experiências, os eventos e seus fenômenos. “Mas as relações humanas não mudam. Existe uma essência nelas que não pode ser mudada na construção do psiquismo, mesmo com as tecnologias. Isso começa na relação da mãe com o bebê e vai se estender aos pais, aos vizinhos, aos colegas e amigos. É a relação mais primordial na vida para um bebê. Em todas as línguas a palavra mãe é uma palavra curta, para a criança ter facilidade maior de dizer”, ressalta.

Questionado se alguma personagem de novela envolvendo esse tema se aproxima da realidade, o psicoterapeuta diz que a novela tira lições dramáticas da realidade. “A realidade tem de tudo, mesmo se pegarmos só Londrina como exemplo. Há mães que precisaram abrir mão de seus filhos, mães que dominam seus filhos, ou então mães que se apossam dos filhos de outras pessoas. Isso não é tão incomum. Os autores captam alguma coisa que no fundo acontece de verdade. Não é exagero. Isso tem muito”, destaca. “Na tragédia grega existe a Medéia, que mata seus filhos por vingança contra o próprio marido que a havia traído. Ou então a Clitemnestra que mata o marido e a sua filha. Existe de tudo na vida real”, observa. Ele cita também na Bíblia o caso de duas mulheres que alegam ser mães da mesma criança diante do rei Salomão, que sugere que a criança seja cortada em duas e ao ver que uma delas abre mão para não ver a criança morta, identifica nela o amor de mãe.

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| Foto: Marco Jacobsen

MÃES DESTRUIDORAS

“É importante não idealizar a maternidade”

O psicoterapeuta também destaca que não se pode dizer que toda mãe é santa. “Dizer isso é algo muito perigoso. Existem mães destruidoras, que acabam com a vida de seus filhos. Há aquelas extremamente possessivas e manipuladoras, que não permitem que seus filhos descubram a si próprios e vão viver as suas vidas e ficam ali controlando e destruindo seus filhos”, destaca. Em 2004 a Globo exibiu a novela Senhora do Destino, em que a personagem Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) sequestrou o bebê Lindalva, filha da personagem Maria do Carmo (Suzana Vieira). Segundo o psicoterapeuta, a personagem Nazaré foi muito perversa, porque a única coisa que contou foi a necessidade dela. “Ela não mediu consequências. Quando a gente faz qualquer ato sem medir consequências, sem ligar para o que esse ato vai deixar de marcas para outras pessoas, há perversão. Por mais que essa mulher tivesse vontade irresistível de ser mãe, ela deveria buscar outros meios (que não o sequestro), mesmo que ele demorasse muito mais. Ela teria que lidar com essa frustração. No momento que ela sequestra uma criança, ela passa dos limites. É um crime. A única coisa que contou foi o próprio prazer e a própria necessidade. O filho acredita na pessoa que o criou como mãe, mas cria um conflito quando ele descobre a verdade. É uma situação difícil emocionalmente”, destaca.

Na novela Senhora do Destino (Globo/2004) a personagem Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) sequestra o bebê Lindalva, filha da personagem Maria do Carmo (Suzana Vieira) e a cria como filha
Na novela Senhora do Destino (Globo/2004) a personagem Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) sequestra o bebê Lindalva, filha da personagem Maria do Carmo (Suzana Vieira) e a cria como filha | Foto: Divulgação

Ele também cita as mães egoístas e narcisistas, que querem que os filhos sejam uma continuação dela, que manipulam os filhos para serem de um jeito ou de outro. “Apesar de ser uma relação fundante, o importante é que esse relacionamento não seja idealizado”, orienta. Ele também observa que nem toda mulher tem o desejo de ser mãe. “Tem mulher que diz que só vai se realizar se for mãe, mas isso não é a realidade. É importante não idealizar a maternidade”, aponta.

Questionado sobre a toxicidade das características de uma personagem do cartunista Ziraldo, que ficou famosa nos anos 1970 e 1980, chamada Super Mãe, que exagerava na proteção e no carinho dispensados ao filho Carlinhos, Schreiner ressalta que não existe superproteção. “A superproteção não é mais proteção, que passa a ser controle e às vezes sufoca. A proteção vai até um certo limite e, quando passa disso, a mãe está querendo pensar pelo filho. Ela não confia que ele possa desenvolver recursos para lidar com a vida”, destaca. As consequências disso, segundo o psicoterapeuta, é criar filhos muito dependentes da mãe, que não crescem; ou filhos que passam a se esconder atrás da mãe e não assumem qualquer responsabilidade; e até mesmo filhos que ficam extremamente irritados porque não se sentem donos de si mesmo e brigam com todo mundo. “Mãe super protetora não é mãe”, enaltece.

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| Foto: Ziraldo

LAÇOS BIOLÓGICOS

“Maternidade é uma questão emocional”

O psicoterapeuta reforça que a maternidade não é uma questão genética, mas é uma questão emocional. “Ela passa pela dimensão subjetiva, tanto da mulher como da criança. O vínculo biológico tem o seu valor, mas é muito mais a disposição dela de querer ser mãe. Existem mães biológicas que não são mães de fato, porque não formam esse vínculo emocional. Já as mães adotivas, que são mulheres que por alguma razão não puderam ter filho biológico, mas que têm disposição para ser mãe, exercem essa maternidade”, aponta.

“Independente de qual classe seja, a mãe se dispõe a fazer de tudo dentro de suas possibilidades. Uma mãe com maior poder aquisitivo vai poder fazer muito mais. Vai buscar mais informações e buscar mais recursos para poder exercer a maternidade. Mesmo assim isso não impede que uma mãe, que não tenha poder aquisitivo tão bom, exerça isso. Ela vai poder oferecer o que ela puder, a não ser que esteja na miséria total. Muito mais que a questão aquisitiva é a disposição em ser mãe. O quanto ela se disponibiliza para isso”, destaca. “Muitas crianças são criadas apenas pela mãe. Essas crianças não têm o nome do pai não só na certidão de nascimento, mas sofrem com a ausência do pai na criação e no afeto. Essas mães fazem esse trabalho duplo, algumas com muita maestria. Há tanto amor envolvido que elas conseguem, dentro de suas possibilidades e limites, superar todos os percalços”, aponta.