Imagem ilustrativa da imagem Alô, alô, marciano
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Quando os astrônomos viram o planeta vermelho pela primeira vez, a associação óbvia foi com a cor do sangue. E é por isso que Marte recebeu o nome do deus romano da guerra, o mais violento dos deuses. Em diferentes culturas, Marte representa a masculinidade e a juventude. Seu símbolo, um círculo com uma seta apontando para o lado superior direito, também é usado como ícone do sexo masculino. Os estudos e especulações sobre o planeta sempre geraram curiosidade, polêmica e controvérsias. Séries de coincidências e até equívocos, somada à dificuldade e ausência de tecnologias suficientes para analisá-lo adequadamente, acabaram difundindo a ideia popular de que Marte seria povoado por marcianos inteligentes. O termo “marciano”, aliás, virou praticamente um sinônimo para “extraterrestre”, e ganhou até música no Brasil: “Alô, alô, marciano”, composta por Rita Lee e Roberto de Carvalho, foi eternizada na voz de Elis Regina, que a lançou no álbum “Saudade do Brasil”, de 1980.

Bem antes, em 1877, o astrônomo Giovanni Schiaparelli desenhou um mapa do planeta em que constava uma complicada rede de linhas retas cruzando a superfície, batizadas de “canais”. Outro astrônomo, Percival Lowell, abraçou a ideia e teorizou que esses canais serviam para levar a água dos pólos para todo o planeta, para ser utilizada por seus habitantes.

Duas décadas depois, enquanto investigava o ruído de rádio atmosférico usando receptores em um laboratório nos Estados Unidos, o inventor Nikola Tesla observou sinais repetitivos que mais tarde ele imaginou serem comunicações de rádio vindas de outro planeta, possivelmente, claro, de Marte. “Embora eu não tenha conseguido decifrar o seu significado, para mim era impossível pensar neles como sendo inteiramente acidentais. Um sentimento está constantemente crescendo em mim de que eu tenha sido o primeiro a ouvir a saudação de um planeta para outro”, afirmou Tesla em uma entrevista de 1901.

A série de elucubrações originou um vasto mundo de ficção científica sobre o tema. Grandes obras retratam o planeta, como os livros “Crônicas Marcianas”, de Ray Bradbury, em que exploradores humanos acidentalmente destroem uma civilização marciana, “Barsoom”, de Edgar Rice Burroughs, “Além do Planeta Silencioso”, de Clive Lewis, e uma série de histórias de Robert Heinlein, em meados dos anos 1960. Já a figura de um marciano inteligente chamado “Marvin, o Marciano” surgiu na televisão em 1948, como um personagem nos “Looney Tunes”, série de curta-metragens de animação da Warner Brothers, e seguiu como parte da cultura popular desde então.

Uma das mais famosas obras sobre o tema é “A Guerra dos Mundos”, romance de ficção científica do escritor britânico George Wells, publicado em 1897. A história traz uma invasão da Terra por marcianos inteligentes, dotados de um poderoso raio carbonizador e máquinas assassinas. O enredo já foi adaptado para o cinema – a última em 2005, por Steven Spielberg, com Tom Cruise no papel principal.

Em 30 de outubro de 1938, a história protagonizou um episódio inesquecível da série antológica de rádio-teatro “The Mercury Theatre on the Air”, da CBS, dirigida por Orson Welles, e apresentada em forma de programa jornalístico.

Ela começava com um anúncio de que o espetáculo da noite era uma adaptação da obra. A meia hora seguinte da transmissão foi apresentada como uma típica programação de rádio noturna, com músicas sendo interrompidas por uma série de boletins noticiosos, descrevendo explosões estranhas observadas em Marte. Na sequência, um objeto incomum era avistado em uma fazenda de Nova Jersey. Em outra interrupção da programação musical, uma transmissão contava que policiais e uma multidão de espectadores curiosos haviam cercado o estranho objeto cilíndrico, no momento em que marcianos saiam de dentro e atacavam usando um raio de calor, interrompendo abruptamente o repórter em pânico no local.

As notícias vão ficando cada vez mais alarmantes, detalhando uma invasão alienígena devastadora que ocorria nos Estados Unidos e no mundo, culminando com máquinas de guerra lançando nuvens de fumaça venenosa pela cidade de Nova York. Depois de um breve intervalo, o programa muda para um formato de rádio-drama mais convencional e segue um sobrevivente que lida com as consequências da invasão e, finalmente, descobrindo que os marcianos foram derrotados não por humanos, mas por micróbios. A ilusão de realismo foi reforçada porque o programa era um show sem interrupções comerciais, com a primeira pausa ocorrendo somente 30 minutos após a introdução.

O fato ficou marcado devido ao pânico que causou: cerca de 6 milhões de pessoas sintonizaram o programa, mas metade delas após a introdução, em que se explicava que tudo não passava de uma peça de ficção. Como resultado, pelo menos 1,2 milhão de pessoas acreditou que o fato era real. Linhas telefônicas ficaram congestionadas e aglomerações foram registradas, causadas por ouvintes tentando fugir do perigo. O caos teria paralisado três cidades.

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Passados 82 anos, a ideia de uma invasão marciana não assusta mais. No entanto, o planeta segue como obsessão dos terráqueos. “Marte tornou-se uma espécie de arena mítica na qual nós projetamos nossas esperanças e medos terrestres”, afirmou, certa vez, o astrônomo planetário norte-americano Carl Sagan. É, marciano. Você não imagina a loucura. O ser humano continua na maior fissura.