Em uma época que os smartphones se tornaram extremamente populares e que a internet parece ter chegado a todos os cantos, é de fácil imaginar que todo brasileiro, ou pelo menos a maior parcela da população tenha acesso à rede. Uma pesquisa, entretanto, revelou que a realidade é bem diferente. Não só uma grande parcela das pessoas não tem acesso à internet como parte da que tem não participa das redes sociais.

Imagem ilustrativa da imagem A vida fora do mundo digital

Intitulado “Todo Mundo Quem?”, o projeto independente idealizado pelo pesquisador Filipe Techera e com co-autoria da pesquisadora Luiza Futuro traçou um panorama sobre o contexto de acesso às redes sociais no Brasil.

O projeto teve início em 2017 e teve duas fases distintas. Na primeira, qualitativa, os pesquisadores passaram por Belém, Salvador, Cuiabá, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, onde entrevistaram pessoas entre 14 e 65 anos, de todas as classes sociais, sobre sua relação com a informação, comunicação, relação e motivações para não acessarem ou aderirem às redes sociais. Foram considerados para fins de pesquisa Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp.

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“Buscamos as capitais e regiões metropolitanas porque queríamos sair daqueles cenários extremos, estereotipados”, explica o pesquisador. Mesmo nesses locais foram encontradas barreiras para o acesso à internet, como má distribuição de renda, ineficiência do sistema educacional, analfabetismo digital e precarização na qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de telecomunicações.

Além disso, outro perfil foi encontrado pelos pesquisadores: pessoas que apesar de não terem nenhuma barreira optam por não acessar as redes sociais. Identificados na pesquisa como “Nativos Sociais”, esse grupo, segundo os pesquisadores, é formado em sua maioria por ex-usuários de redes sociais, jovens, informados, que compram e acessam múltiplos serviços na internet. “Muitos reclamaram da falta de privacidade e outros relataram o estresse em manter o perfil online. Isso é semelhante ao que acontece em outros países, como Inglaterra e Estados Unidos e criou-se até um movimento chamado ‘Logged Off Generation’. Cerca de 30% dos jovens norteamericanos da chamada geração Z já cogitaram sair das redes”, diz Techera.

icon-aspas Muitos que estão fora das redes preferem priorizar o chamado "olho no olho"

De acordo com ele, muitas dessas pessoas que estão fora das redes preferem priorizar as relações pessoais, o chamado “olho no olho”, sem os ruídos de comunicação causados pela falta de perceber o tom de voz e a expressão corporal do outro. Os pesquisadores notaram também que as pessoas que optam pela conversa pessoal em detrimento das relações digitais estão mais aptas a negociar durante a conversa, criando assim um discurso mais empático e menos polarizado, mesmo em questões como política e religião.

Imagem ilustrativa da imagem A vida fora do mundo digital

Outra percepção durante as conversas foi de que mesmo pessoas que ainda usam as redes sociais têm os mesmos sentimentos dos que estão offline, como desperdício de tempo nas timelines, ansiedade por estar sempre disponível e pela falsa urgência gerada pelas notificações e medo e revolta ao verem os discursos e ações dos disseminadores de ódio. Entre os entrevistados, os pesquisadores encontraram uma adolescente de 14 anos que decidiu ficar fora depois de sofrer um ataque. Outro usuário passou a questionar as redes sociais após ser internado e ser dado como morto na internet.

icon-aspas Ansiedade pela falsa urgência gerada por notificações é comum entre usuários das redes

Esses sentimentos são os mesmos nas diferentes classes sociais, embora a forma de expressar o descontentamento fosse diferente de acordo com a escolaridade. Não foi encontrado nenhuma pessoa que estivesse totalmente fora da vida digital, sendo que a internet continua sendo utilizada como uma das maneiras de se informar. “Eles não faziam a demonização da internet, era mais das redes sociais. As pessoas reconhecem as qualidades digitais, como encurtar distâncias. Quem não usa a internet tem a vida mais dificultada”, aponta Techera.

Na segunda fase da pesquisa, através do instituto de pesquisa GFK, foi realizada a etapa quantitativa. Foram entrevistadas 11.887 pessoas, entre 16 e 79 anos, das classes A,B, C, D e E, em 15 das principais regiões metropolitanas do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto alegre, Salvador, Belém, Recife, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Florianópolis, Campinas, Vitória, Goiânia e Manaus.

Foi constatado que 32,3% dos entrevistados não têm acesso à internet em casa. Destes, 53,3% são não usuários das redes sociais. A pesquisa, entretanto, não faz distinção em números de qual o percentual que está fora das redes por opção ou por falta de acesso à internet.

Um ponto considerado interessante para os pesquisadores é que 52% dos não usuários pertencem à classe C. Em termos de idade, 39,2% tem menos de 45 anos e 48,5% dos responsáveis pelo orçamento doméstico das residências, seja administrando ou dirigindo as despesas, são não usuários.

É importante estar disponível o tempo todo?

As redes sociais se tornaram algo muito além de um local para fazer e encontrar amigos. Das últimas novidades no mercado – seja qual for o item comercializado -, aos vídeos fofos de bichinhos; da doação de animais aos vídeos das bandas de antes e de agora; das opiniões políticas às vagas de emprego, quase tudo pode ser encontrado lá. E justamente por serem agregadores de conteúdo, as redes sociais acabam balizando a vida de muita gente.

Há quem só decida o programa de final de semana depois de vasculhar as opções no cardápio visual. Roupas, sapatos, acessórios e produtos para casa podem ser escolhidos e comprados em posts do Instagram. Tal é a importância das redes em negócios que muitas empresas direcionam parte de sua publicidade para esses meios.

Para o pesquisador Filipe Techera, vamos passar pelo momento de pensar sobre como estar conectado. “As empresas já perceberam isso. Temos uma operadora de celular que faz uma campanha sobre estar conectado e o fato de termos hora para tudo. O Instagram está tirando os likes e nos fala o tempo de tela. As redes foram planejadas para estimular o autoengajamento. Há toda uma tecnologia para que elas não parem de interagir. Quanto elas nos permitem sair? Quanto isso vai nos aprisionando?”, questiona.

Segundo eles, as redes sociais perceberam que levaram os usuários à fadiga mental e agora buscam reverter isso. Esse uso excessivo não foi algo normal e sim estimulado. Ficar completamente offline, entretanto, não é algo fácil. As pessoas perdem oportunidades porque se cria a ideia de que se algo está nas redes, está disseminado.

“Ir contra a corrente é difícil. Há quem não goste, mas por causa do trabalho acabe usando. Precisamos lembrar que as plataformas são empresas e é cada vez mais difícil estar fora. Quanto mais pessoas, mais atrativa ela fica. Nesse sentido, ir para uma rede menos popular não faz sentido, ninguém quer ir para um lugar onde não estão seus amigos.”CONTINUE LENDO A REPORTAGEM -> Existe cor e brilho fora das telinhas x Redes são fundamentais para atrair clientes