“Sempre tive um encanto com noiva", diz Vânio Bitencourt
“Sempre tive um encanto com noiva", diz Vânio Bitencourt | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Os 40 anos eram um marco para mim, era uma idade em que eu queria estar bem resolvido”, conta sobre sua maior preocupação. E qual foi o sentimento de chegar aos 40? “Eu nem percebi”, ri. Tanta cobrança na juventude foi desfeita depois de ter se encontrado na profissão. Vânio Bitencourt, 49, formou-se em Direito, tinha emprego no banco, mas optou pela sua vocação. Com 23 anos de carreira como cabeleireiro, hoje é famoso na produção de noivas na região de Londrina.

“Aí eu ouvi uma música assim: 'você já pensou em chegar numa boa aos 40? Por que você não tenta? Por que não experimenta?'”, cantarola. “Era um hit daquela época e a letra era bem o que eu pensava. Você nunca ouviu?”, põe a música Elefante Branco, da banda Tigres de Bengala, no celular. A música fez com que o então estudante de Direito e gerente de banco pensasse no que realmente queria fazer quando chegasse na idade indicada. “Nem percebi porque eu já estava fazendo o que gosto”, afirma.

Coragem e determinação o descrevem bem. Bitencourt saiu da cidade de Formosa do Oeste, no Paraná, para estudar Direito na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Trabalhando desde os 16 anos no banco, pediu transferência do emprego para a cidade norte-paranaense. “Eu comecei a fazer estágio e vi que era uma coisa que eu não gostava, eu estava querendo fazer algo não tão burocrático”, recorda. Entrou em uma busca insistente por sua nova profissão. “Fiz curso de moda e não gostei, pintura em tela e não gostei, aí eu fui cortar cabelo com um amigo e ele perguntou se eu não queria fazer um curso de maquiagem. Foi aí que entrei na área”, aponta.

Terminou a faculdade, mas não chegou a exercer a profissão. Voltar para a cidade para contar aos pais a nova decisão exigiu tanta coragem quanto a de pedir demissão de um emprego já estabelecido. “Era uma época de muito preconceito. Meu pai falou: 'não é profissão de gente honesta'. Foi difícil ouvir isso, mas eu estava bem resolvido de que isso seria meu futuro. Minha mãe pediu muito para eu parar, ficamos anos sem tocar no assunto”, recorda comparando a imagem do trabalho à prostituição. Depois de um tempo, a relação foi entrando na normalidade e o conhecimento fez com que entendessem que se tratava de um trabalho digno. “Meu pai faleceu há cinco anos, mas ele ficou meu fã, mudou muito”, informa.

PRECONCEITO

Além do preconceito, ainda era preciso tomar uma decisão que poucos ousariam, mas sair do banco foi libertador. “Eu tinha um salário bom, era gerente de caixa, eu saí para ganhar metade do que eu ganhava. Não escolhi minha profissão pelo dinheiro, me trouxe dinheiro, mas não foi pensando nisso. Eu trabalhava no banco olhando para o relógio para ir embora, hoje eu não faço isso. O segredo do sucesso é fazer o que se gosta, é o primeiro passo”, defende. Trocar a cadeira e ar-condicionado por horas em pé com a tesoura na mão e ainda ganhar menos parece loucura, mas foi o primeiro passo para a felicidade.

Tudo foi feito com muito planejamento de uma pessoa que se permite ser criativa sem se perder nos objetivos. As tatuagens que percorrem o corpo revelam o espírito imaginativo de quem viveu sempre fechado nos seus compromissos sem perder a candura. “Eu sempre fui uma pessoa de pensar no futuro, até com minhas filhas foi assim. Nunca fui do 'deixa a vida me levar'”, conta.

Mila e Linda estão aí para comprovar. Foi pai aos 30 e se orgulha da educação que deu às gêmeas de 19 anos, que passaram - as duas! - no vestibular de Medicina. Uma escolha delas, pois o pai gostaria que as meninas seguissem a mesma profissão dele. “Era o meu sonho, sou um pai superfrustrado, tentei de todos os jeitos, mas é assim: pai da pá virada, filho careta. É uma regra”, brinca. Mas não esconde a emoção ao mostrar para todos que suas meninas conquistaram seus objetivos. “Eu já fui criticado, disseram que as minhas filhas sofreriam com o preconceito por conta do pai. Achei que elas terem alcançado esse objetivo foi um tapa na cara de muita gente”, critica.

GRACE KELLY

Orgulho porque a educação das filhas veio do trabalho que ele precisou lutar muito para vencer os estereótipos. Seu primeiro salão montado em 1996, em sala de pequeno shopping na avenida Higienópolis, cresceu, ganhou arquitetura e decoração novos na rua Belo Horizonte. Seu nome virou referência na produção de noivas. “Eu atendo em torno de 250 noivas por ano, chego a fazer seis noivas por dia. Fiz vários cursos de especialização na área”, afirma.

Nicho que sempre mexeu com a sua imaginação. “Minha mãe guardava aquelas caixas com fotos antigas que os parentes davam como lembrança, eu adorava ver aquelas fotos, eu sempre tive um encanto com noiva. Para mim, a minha mãe foi a noiva mais bonita de todos os tempos, mais que Grace Kelly. Olha lá, não é linda?”, aponta para um poster colocado no corredor do salão. Nele, uma foto do casamento de Maria e Orlando, seus pais. A mesma imagem está estampada no braço do cabeleireiro. “Minha mãe, meu ícone. Noiva mais linda. Esse vestido, aquela gola, essa nuance. Faz tempo que coloquei ali, ela viu e adorou”, conta ele, cuja mãe faleceu há seis meses.

NOIVAS

Há 10 anos atendendo noivas, Bitencourt revela paixão para as que seguem linha mais clássica. “Londrina é uma cidade muito chique, um segmento forte em casamento. Aqui as noivas são mais clássicas e eu acho que tem que ser assim, porque é para o resto da vida. Você pega fotos da Audrey Hepburn, Grace Kelly, Marilyn Monroe e as imagens são bonitas até hoje”, indica.

Nesse tempo atuando no ramo, revela que muita coisa já mudou. “Antes era chique a noiva se atrasar, elas me pediam isso. Hoje você tem que ter comprometimento com horário”, conta. “Também lembro que eu atendia as pessoas enquanto elas estavam fumando. Dentro do salão! Tem cabimento? Eu até comprava aquele cinzeiro alto para a cliente jogar as cinzas. E não faz tanto tempo”, ri com o passado e com as histórias que presenciou.

Já passaram por ele noivas que não queriam casar, noivas que agora estão casando as filhas, noivas que fizeram do cabeleireiro uma tradição na família, noivas que tiveram o vestido manchado. “Eu derrubei uma jarra de suco de maracujá na saia... nossa! Eu fiquei muito chateado, mas o estilista estava junto e contornou o problema.”

BIG BROTHER

Histórias que não param e que continuam a preencher a agenda do salão. Casos que ele promete um dia contar quando for chamado para o BBB (Big Brother Brasil), reality show da TV Globo. “Eu adoro, meu sonho, vou me inscrever esse ano. Olha que louco... Esse ano eu vou fazer um vídeo e pior que eu vou entrar para a cota do velhinho”, brinca com a possibilidade, mas conta que a inscrição é séria.

Caseiro, das novelas e das viagens. Vai sempre a Paris e tem uma vida tranquila da forma que ele planejou. Já próximo dos 50, reflete sobre envelhecimento e as mudanças no corpo, algo que ele detesta, mas sabendo dos planos, é visível que com essa coragem não vai ser uma idade que vai deixá-lo cair. “Coragem é o que muita gente não tem, prefere ficar no conforto. Quando eu falei em sair do banco, minha mãe disse: 'nossa, mas estamos em crise, como vai pedir demissão?', mas olha agora, nós estamos em crise até hoje”, confronta. Se não fosse isso, faltaria uma referência em noivas em Londrina.