Natalie Unterstell, 35, viu de perto como o aquecimento global está mudando a paisagem do continente gelado e pode afetar todo o planeta
Natalie Unterstell, 35, viu de perto como o aquecimento global está mudando a paisagem do continente gelado e pode afetar todo o planeta | Foto: Divulgação



Passar 21 dias navegando pela Antártida, conhecendo as atividades desenvolvidas pelos cientistas e observando o resultados das ações humanas sobre o continente gelado, mas acima de tudo trocando experiências com outras mulheres. Primeira brasileira a participar da terceira edição do programa australiano "Homeward Bound - A mãe natureza precisa das suas filhas", no início de janeiro, a paranaense Natalie Unterstell, 35, viu de perto como o aquecimento global está mudando a paisagem do continente gelado e pode afetar todo o planeta.

Nascida em União da Vitória, ela se formou em Administração de Empresas, mas cedo voltou seu olhar à administração pública. Foi trabalhar no Instituto Socioambiental, uma organização que pensa políticas públicas que sejam boas para pessoas e para o planeta. Com isso surgiu a oportunidade de trabalhar na Amazônia. De lá seguiu para a Noruega, depois atuou como negociadora do Brasil junto à ONU (Organização das Nações Unidas). "Quando voltei pensei que então eu entendia a realidade local e conseguia também entender como a gente se posiciona em relação aos demais países. Eu virei tipo um ativo, no sentido financeiro, um patrimônio e fui trabalhar em governo", conta.

Natalie Unterstell primeiro trabalhou junto ao governo do Estado do Amazonas, que passava por uma transição, trabalhando junto aos moradores para preservarem a floresta. Depois atuou junto ao governo federal, propondo políticas que ajudassem a resolver questões práticas como redução da emissão de poluentes. Em 2015 partiu para os Estados Unidos, onde fez seu mestrado na Universidade de Harvard, em Administração Pública.

Ela conta que embora o foco dos estudos não tenha sido relacionado diretamente à política ambiental, seu objetivo era se tornar melhor na área pública. Na volta, sua escolha foi trabalhar no Paraná, procurando aplicar todo o conhecimento adquirido em anos de viagens e vivências em sua terra natal. Atualmente trabalha no governo estadual como Superintendente de Inovação.

SONHO

Unterstell conta que o Programa Homeward Bound foi criado por uma australiana. "Ela estava fazendo um programa de liderança com os cientistas do programa antártico da Austrália. Ela teve um sonho, enquanto estava dando o treinamento, que levava um monte de mulheres para a Antártida. E aí ela contou para algumas pessoas esse sonho e pensaram que era uma ótima ideia. A Antártida é o pano de fundo para tudo que está acontecendo no nosso mundo hoje, mas ali é muito mais fácil você ver (o que está acontecendo) porque não é um lugar habitado por humanos e tudo acontece com mais velocidade. Lá teve um aumento de seis graus na temperatura nos últimos 100 anos. A Antártida tem esse caráter de as pessoas poderem testemunhar o que está acontecendo, mas a visão dela nesse programa é: 'como a gente cria uma rede muito poderosa, de mulheres no mundo, que podem realmente não só fazer diferentes coisas, mas podem fazer a diferença?"

A participação da ambientalista na viagem para a Antártida foi o resultado de um longo processo de seleção, feito com muita antecedência. Depois de saber sobre a expedição - esta foi a terceira edição e devem ser feitas dez no total -, a brasileira se inscreveu e participou de um rigoroso processo seletivo. "Tive que mandar vídeo, contar tudo da minha vida porque ficamos 21 dias. Se você estiver em um momento frágil, ou não tiver um inglês de alta qualidade, é muito difícil. Já é difícil sem ter essas dificuldades, se tiver, o negócio fica mais complicado ainda. Eles fazem uma seleção e depois temos um ano para nos preparar. Eu sabia desde o final de 2017 que eu iria fazer essa expedição. Teve toda uma preparação, eu brinco que é como ir para a Lua."

PSICOLÓGICO

Para ela, o mais difícil não era viajar para um local isolado, com temperaturas abaixo de zero, e sim ficar tantos dias confinada com mais 90 mulheres que nunca haviam se visto pessoalmente. Para facilitar essa aproximação, durante o ano que antecedeu a viagem foram promovidas chamadas mensais e as participantes tiveram que cumprir algumas atividades que visavam inclusive o preparo psicológico.

Entre as atividades desenvolvidas pelo grupo foram feitas visitas às estações de pesquisa mas o principal trabalho, segundo ela, foi o desenvolvimento pessoal e do grupo.

"A visão que esse programa tem é que temos que nos tornar nossa melhor versão quando saímos do navio. Mas o que é ser essa melhor versão? É ser uma pessoa feliz e com capacidade de colaborar, que tem capacidade de conviver com os outros e construir coisas coletivas, significativas. Meu maior medo era chegar lá e alguém surtar, mas a metodologia é tão sensacional e tão simples ao mesmo tempo que não teve nenhuma briga, nenhuma fofoca, não teve nada que não foi resolvido na hora. Eu saí dessa viagem e os problemas do mundo continuam sendo difíceis, mas eu me senti muito conectada com mulheres da minha geração e que passam pelas mesmas coisas que eu passo e com uma rede de apoio muito forte. Você sai e pensa: 'agora eu sei que eu posso fazer tudo que eu já fiz antes, mas agora com muito mais suporte, muito mais otimismo'", afirma.

CARTAS

As expedicionárias também escreveram cartas para os dirigentes de seus países. Unterstell escreveu ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes. "Não sei se vão ler, mas nessas cartas fiz um pedido muito claro, dizendo que a questão do clima é inequívoca porque a ciência não tem mais ou menos. Ou tem a mudança do clima ou não tem e a ciência já diz que tem. Ela é urgente e é muito grave, o que vimos foi muito tocante. Urge que o Brasil cumpra aquilo que se comprometeu, por vontade própria e principalmente que a gente proteja as pessoas. Essa coisa de mudança do clima é grave. Por isso, vemos tantas enchentes, tantas chuvas, tudo isso pode e provavelmente tem a ver com isso."

Entre as participantes havia, segundo Unterstell, profissionais das mais diversas funções, desde cientistas, biólogas, programadoras, astrofísicas, oceanógrafas, advogadas, entre outras. Para mulheres que desejam participar das próximas edições, ela explica que além de todo o processo de seleção, também é preciso fazer a captação de recursos.

"Chegar na Antártida é muito caro, muito difícil. O programa arca com um pouco dos custos, mas é preciso complementar. Eu consegui captar parte dos recursos com a fundação Lemann do Brasil, mas nós mulheres latino-americanas - somos sete -, conseguimos uma bolsa para uma mulher latino-americana ir. A ideia é conseguir recursos para que isso não seja uma barreira, para que qualquer pessoa bacana possa participar", conta.

MERGULHO

Entre as experiências mais marcantes da viagem, a ambientalista elege um mergulho coletivo nas águas geladas como um momento muito especial. O recuo dos glaciares e a queda dos icebergs também chamaram a atenção. "A Antártida regula o clima do planeta inteiro e como somos um Estado agrícola, dependemos muito. Tudo que está acontecendo lá não fica só lá, afeta nossa agricultura, nossa economia. Por mais que seja um lugar muito longe é o nosso termômetro, ou talvez o nosso alarme. A tendência é que cada vez mais nossas culturas não sobrevivam em um clima tão quente, a soja é muito afetada por essa projeção. Temos que levar isso muito a sério", alerta.