Uma pitada do artesanato brasileiro, um punhado generoso de memória afetiva e mais uma boa dose de aconchego são alguns dos ingredientes que o arquiteto e urbanista Fabricio Roncca utiliza na criação de suas peças. Além de conquistar os brasileiros, onde já ganhou diversos prêmios como Salão do Design, Museu da Casa Brasileira, Prêmio Casa Brasil, ele também tem feito sucesso em outros países.

Fabrício Roncca: "O importante é buscar identidade própria. Se tiver boas referências, naturalmente coisas boas vão sair de você"
Fabrício Roncca: "O importante é buscar identidade própria. Se tiver boas referências, naturalmente coisas boas vão sair de você" | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Sua peça “Carro Bar Vello” foi vencedora do Gold A' Design Award 2019 na categoria “Móveis, artigos decorativos e design de produtos para casa”. Este é o segundo ano que Roncca é premiado na mesma categoria. No ano passado a “Spin Light Table”, uma fusão entre mesa e luminária, ganhou um Silver A' Design Award. O concurso tem várias etapas e, segundo ele, para uma peça poder concorrer deve preencher diversos pré-requisitos, como ter um conceito e uma história, além de ser viável comercialmente.

“Carro Bar Vello é uma peça que traz elementos de memória afetiva porque trago os barzinhos dos anos 1980 e 1990 que todo mundo tinha em casa, ou na casa da vó, ou da tia. Peguei essa memória e trouxe para uma roupagem contemporânea, trabalhando com o minimalismo. São três elementos que se fundem de uma forma bem simples, que é a haste em aço carbono, a bandeja de madeira revestida em couro e a roda e têm um desenho bem atemporal. O nome Vello simboliza velocidade. Ela parece um carro, com ergonomia, com velocidade. Acho que foi isso que atraiu, por ter esse caráter brasileiro de inspiração nos grandes mestres e também memória afetiva dos barzinhos da casa brasileira, com essa pegada internacional, que é o aço, uma peça mais leve, dinâmica”, explica.

DESCOBERTA

Se hoje o design de móveis ocupa grande parte do dia a dia profissional de Roncca, no início não foi assim. Como outros profissionais formados na área, ele inicialmente se voltou para os projetos arquitetônicos e o design aconteceu por acaso. Durante uma obra, enquanto escolhia os móveis para um ambiente, não encontrou no mercado uma peça no tamanho necessário e foi então que ele teve a ideia de desenhar, apresentou para a indústria londrinense que estava fornecendo os móveis para o projeto e seu desenho saiu do papel.

“Na sequência, um ano depois, eles nos chamaram para desenhar uma coleção de cabeceira, na época tinha muita cabeceira de cama e criado. Fizemos uma linha para a Abimad, a primeira feira que teve, a maior feira da América Latina hoje. Fiquei muito tempo desenhando só para essa fábrica peças pontuais, ainda não tinha caído a ficha para o design, que tinha um campo imenso a ser explorado. Com o tempo fui me interessando mais, fui melhorando, aprendendo, fiz uma pós-graduação em Gestão do Design na UEL (Universidade Estadual de Londrina), fui prospectando as fábricas. Descobrindo, montando portfólio e hoje estamos trilhando um caminho bem bacana.”

Roncca explica que no curso de Arquitetura se estuda pouco sobre o design de móveis, já que o foco é mais o design de interiores. Para ele, admirador dos grandes arquitetos que projetavam do prédio ao mobiliário, desenhar móveis era algo de certa forma inatingível, mesmo com sua admiração por esses profissionais.

INSPIRAÇÃO

Nascido em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Roncca foi ainda criança morar em Minas Gerais. Em Belo Horizonte ia com a mãe para a faculdade de Artes Plásticas, na universidade que funcionava no Palácio das Artes, prédio concebido por Oscar Niemeyer. “Foi quando comecei a ter o primeiro contato com arte, ela me levava para a universidade junto com ela e eu ficava brincando com argila, xilogravura, enquanto eles faziam os trabalhos”, conta.

Morando em uma cidade repleta de obras do grande arquiteto brasileiro, Roncca diz que naturalmente foi gostando de arquitetura. Na hora de escolher a carreira ele ainda prestou vestibular para Publicidade, como seus amigos de adolescência, mas não passou e acabou optando por Arquitetura. Nessa época a família já havia se mudado para Rolândia e ele veio estudar em Londrina, na UEL.

“Uma coisa que eu coloco nos projetos é o minimalismo caloroso. A gente busca aquela história de ser uma forma simples, pura, mas que tenha um pouco dessa identidade brasileira. Trago um pouco de artesanato, de memória afetiva, de aconchego. Minhas referências são da arquitetura, até teve uma coleção que era de concreto e vergalhão, era um elogio à arquitetura mesmo. Tem essa coisa do Brasil das etnias, do folclore regional que gosto de trazer bastante, a natureza. Não só através das cores, mas das formas também, principalmente peças de área externa. Isso aconteceu de forma natural porque através das peças que eu ia desenhando comecei a identificar esses elementos que eram minhas fontes de inspiração”, explica.

LINGUAGEM

Além de peças desenhadas para a indústria, ele também faz projetos de arquitetura e interiores, mas seus clientes em geral o procuram por causa de sua linguagem profissional. No design, ele diz não ter preferência por algum tipo específico e está se aventurando em um novo segmento.

“Estou desenhando uma linha de tapetes, projeto de design de superfícies é interessante. Iluminação também é legal, exploro outros materiais de forma mais escultórica do design, mas acho que todo tipo de móvel vai da inspiração. É legal criar toda uma coleção a partir de uma inspiração, vão nascendo peças naturalmente, vai ficando bem rico e bem legal o processo.”

IDENTIDADE

Para ele, há ainda muitas facetas a serem exploradas dentro da profissão, indo além inclusive do desenho de móveis e iluminação. E, apesar dos inúmeros programas de televisão mostrando o trabalho do arquiteto, grande parte da população ainda enxerga os projetos como algo caro.

“Tudo é muito novo, tem uns dez anos que começou a desmistificar essa ideia que arquiteto é caro, que design é caro. Está caminhando para isso, até porque onde passa esses programas são canais fechados, horários meio restritos. Podemos trabalhar desde o projeto de uma xícara até o urbanismo, um prédio, uma cidade inteira. É muito amplo e às vezes a gente não abre o leque, não pensa em novas possibilidades. O importante é buscar identidade própria, sempre buscar algo novo e beber de boas fontes, assistir bons filmes, ler bons livros, ouvir música boa, se tiver boas referências naturalmente coisas boas vão sair de você.”

Além dos tapetes, uma outra área nova é o design de móveis infantis, algo que surgiu depois do nascimento de sua filha, hoje com 4 anos. É na companhia dela que ele passa tempo desenhando, inclusive personagens infantis, e também curte outro de seus hobbies: a música. Se hoje não há mais tempo para tocar na noite, sempre há canções do Trem da Alegria e Balão Mágico para relembrar. “O legal é que a gente resgata as coisas de criança, eles amam as músicas, a gente ouve junto. Eu desenho para ela, ela desenha para mim, a gente brinca bastante. É legal que você acaba vendo como incentiva a criança: o desenho, a música, as artes em geral. Quanto mais cedo você dá essa ferramenta de criatividade, melhor.”