O Psicocine, projeto do Conselho Regional de Psicologia de Maringá, mostra mensalmente filmes de interesse da classe e da população, com direito a debates e comentários feitos por especialistas. Em julho, o assunto foi a Síndrome de Tourette, um documentário baseado no livro de Oliver Sacks, neurologista americano especializado em escrever sobre doenças pouco conhecidas. O seu primeiro sucesso foi com o livro ‘‘Despertando’’, levado às telas como ‘‘Tempo de Despertar’’, com Robin Williams e Robert de Niro. Nesse documentário, Sacks aborda a Síndrome de Tourette, uma ‘‘doença engraçada’’ (sic), que muitos psicólogos, podem confundir com uma ‘‘doença psicológica’’.
O coordenador do Psicocine, Raymundo de Lima, é psicanalista, professor de Psicologia da UEM, membro da Biblioteca Freudiana de Curitiba e membro do Grupo Ato: Transmissão em Psicanálise de Maringá. Ele, que também escreve para o site www.espacoacademico.com.br, falou à Folha sobre essa estranha síndrome.
‘‘Imagine uma doença neurológica que parece ser psicológica. Agora imagine uma pseudo-doença psicológica que parece não fazer o sujeito sofrer, mas ao contrário, deixa-o extremamente espontâneo e engraçado. Se você sabe um caso assim, pode parecer Síndrome de Tourette. Mas cuidado com diagnósticos precoces e irresponsáveis. Essa pessoa pode não ter nada de doente, ela pode ser um político em época de campanha eleitoral ou um humorista em início de carreira. Pode ser portadora de uma psicopatia, ou pertencer a uma estrutura perversa, o que é muito diferente da Síndrome de Tourette’’, alerta.
Segundo Raymundo de Lima, ‘‘diagnósticos como esses são difíceis de se fazer, pois exigem muita experiência clínica e por vezes há a necessidade de uma equipe de multi-especialistas para precisar que doença é essa’’. Conhecida há mais de 2 mil anos, foi clinicamente definida em 1885 por George Gilles de la Tourette, um jovem médico neurologista francês, aluno de Charcot e amigo de Freud. Enquanto Charcot encantava a platéia apresentando sintomas bizarros de neuroses histéricas, o que levou Freud a investigar mais a fundo as causas dessa enfermidade estritamente psicológica que resultou na Psicanálise, seu colega Tourette colhia relatos de pessoas acometidas com problemas neurológicos.
‘‘Por definição médica, uma síndrome é um conjunto variado de sintomas’’, diz Raymundo de Lima. E exemplifica: ‘‘A ST como ele descreveu era caracterizada sobretudo por tiques convulsivos, mímica involuntária, repetição de palavras e atos dos outros. A pessoa fica sujeita a expressões involuntárias e cacoetes. Em alguns pacientes há uma forte tendência ao comportamento impulsivo e provocativo ao extremo, testando constantemente os limites físicos e sociais, que, por vezes, surpreendem ou chocam as pessoas desconhecidas com inesperados beijos, abraços e ‘‘brincadeiras’’ como se fosse uma criança grande (quando se trata de adulto)’’.
Os touréticos tendem a ser alegres, descontraídos ao máximo, impulsivos nos atos e palavras, cheios de tiques e mímicas involuntárias, o que faz parecer uma ‘‘doença engraçada’’. Mas há casos em que o tourético expressa-se involuntariamente por xingamentos e obscenidades, ou mesmo apresenta extravagante indiferença ou despreocupação total, como andar perigosamente na margem de um rio, ou entre carros numa rua movimentada. Parece louco, mas não é; a Síndrome de Tourette nada tem de psicose.
Há casos relatados no livro ‘‘Um Antropólogo em Marte’’, de Oliver Sacks, contando a história de um renomado cirurgião americano, Carl Bennett, que apesar de tourético faz uma operação completa sem manifestar um único traço da síndrome. O próprio Carl afirmou: ‘‘Na maior parte do tempo em que estou operando, nem passa pela minha cabeça que tenho a síndrome, doença engraçada, não penso nela como uma doença, mas apenas como eu mesmo...talvez seja uma doença de desinibição extrema’’.
Parafraseando Shakespeare, Raymundo Lima conclui: ‘‘Entre a saúde e a doença mental, há muito mais coisas a serem descobertas pela Psicologia, Neurologia , Psiquiatria e Psicanálise do que sonha nossa vã filosofia’’.