Iara Lessa
De Londrina
Especial para a Folha
Riscar e rabiscar. O arquiteto e artista plástico José Gonçalves nem se lembra como isto começou. Aprendeu, ainda em Bauru, cidade do interior de São Paulo onde nasceu, a desenhar. Foi uma de suas irmãs (José tem família grande, são sete irmãos) quem ajudou com os primeiros traços.
Escolher arquitetura foi o próximo passo. José, que queria porque queria estudar na FAU/USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), veio fazer vestibular em Londrina e encantou-se com a cidade. ‘‘Gostei muito de Londrina e, logo de cara, mudei de idéia: não queria mais ir para São Paulo. Quando passei no vestibular da UEL fiquei feliz, ia mesmo ficar em Londrina’’, conta o artista.
E tome formas. Traços. Rabiscos. Criação. ‘‘Escolhi arquitetura porque naquela época, na década de 80, não tinha essa de virar artista. O que você vai ser? Artista, isso não existia. Mas fiz a escolha certa. O desenho é fundamental, a criação está presente nos projetos e é um bom modo de ganhar a vida. Não preciso ficar preocupado em vender minhas telas para meu sustento e posso me dedicar aos meus quadros sem me prostituir ou tentar seguir modismos para ficar no mercado’’, analisa.
Mercado que José foi conquistando aos poucos. Vendendo um quadro aqui, outro ali. Expondo em outras cidades, mantendo contato com galerias de São Paulo e então, aconteceu. José vendeu uma exposição inteira para a Judi Rotenberg Gallery, de Boston, ‘‘Pinturas Modernas’’, uma mostra de 30 quadros do artista, inaugurada sexta-feira.
‘‘Foi tudo muito engraçado. Tenho um amigo que foi estudar em Boston e acabou fazendo amizade com a dona desta galeria. Ela viu umas fotos de uns quadros meus, gostou e resolveu entrar em contato comigo. Como a empregada dela é brasileira, ela pediu que a empregada fizesse o primeiro contato por causa da língua, já que ela não fala português e não sabia se eu falava inglês ou não. Mas o fato é que quando recebi a ligação demorei muito para acreditar. Tinha certeza que era trote de algum amigo’’, diverte-se.
Depois de esclarecidas as intenções é que José pôde realmente avaliar o tamanho do convite. Um exposição individual no exterior, 30 trabalhos vendidos em uma só tacada e, de quebra, um contrato de exclusividade que José ainda estuda com cuidado.
‘‘Não sei direito o que pensar. É uma fase ótima esta que estou vivendo. Nem parece inferno astral. Tenho meu trabalho reconhecido, tanto na arquitetura quanto na pintura. Mas acho que estou conseguindo tudo isto porque sempre apostei na sinceridade. Você tem que ser sincero com você mesmo, com seu trabalho, enfim, com a vida, para que as coisas dêem certo, saiam certo. Nunca planejei muito tudo isto. Foi acontecendo, mas acredito que é o reflexo de minha postura e, é claro, porque é uma coisa que gosto realmente de fazer’’, analisa José.
Antes de embarcar para os EUA, em meio a dezenas e dezenas de quadros espalhados pelo ateliê – um interessante loft projetado pelo próprio artista e que pode transformar-se em vários espaços já que quase tudo instalado é móvel – José preparava os últimos detalhes da exposição. Um caos de imagens e cores explode por todo o lugar. Telas pelo chão ainda esperam o contato macio com o pincel. Naturezas mortas, telefones, pessoas, sapatos, temas inusitados, tudo retrato pelo inconfundível traço de José Gonçalves.
‘‘Gosto quando posso ficar horas e horas pintando. Mudo de uma tela para outra. Volto. Não gostei? Cubro tudo com tinta novamente. Na verdade tudo isto é uma grande e deliciosa brincadeira. Ainda fico surpreso quando as pessoas falam em trabalho. Para mim, tudo isto é diversão pura.’’O artista plástico José Gonçalves vive uma das melhores fases de sua carreira. Na sexta-feira, em Boston, inaugurou uma exposição individual
Sergio SosselaJosé Gonçalves: ‘‘Nunca planejei muito tudo isto. Foi acontecendo, mas acredito que é o reflexo de minha postura’’