O ''vôo'' do casulo
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 23 de outubro de 2001
Carmen Ribeiro<br> De Maringá
O gosto pelo uso de produtos da natureza para, junto com a luz, refletir cores, é devido à nossa crença de que a verdadeira perfeição está na forma como Ele a criou.'' Palavras do ex-professor de Sericicultura, a cultura do bicho-da-seda, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), Gustavo Augusto Serpa Rocha, hoje um bem-sucedido empresário no ramo da fiação, tecelagem e confecção de produtos da seda.
Há alguns anos, Serpa soube que casulos considerados ''imperfeitos'' eram vendidos para países com mão-de-obra barata, já que a indústria brasileira não trabalha com o fio resultante, pois seu maquinário não responde. Concluiu, então, que estava na hora de aproveitar essa matéria-prima produzida pela Cooperativa dos Cafeicultores de Maringá (Cocamar).
Como sempre gostou de artesanato e conhecia a arte de fiar, decidiu em 88 começar um novo trabalho. Em um barracão no fundo de sua casa, motivado pela visão de que a seda também deveria ser produzida de forma manual, com o aproveitamento dos casulos impróprios para a indústria, e de que a reciclagem dos subprodutos deveria ser feita aqui mesmo, deu asas à imaginação e colocou mãos à obra.
No início, enfrentou muitas dificuldades, com uma roca laneira de madeira, pedalada com o pé, de onde só saía o fio bruto. Depois, com a torção e o tingimento surgiu um novo tipo de fio, e consequentemente uma tecelagem bonita, diferente, exclusiva, absolutamente manual e natural, sem o uso de nenhum produto químico. Mas ao oferecer às indústrias paulistas sua seda, recebeu um não. Já os artesãos das Praças da República e da Sé gostaram e começaram a usá-la.
Então, decidiu que deveria ele mesmo, além de fabricar os tecidos, investir no produto final. Passados alguns anos, endereços elegantes e poderosos do eixo São e Paulo/Rio, Paraná, Minas, Rio Grande do Sul, Buenos Aires, Portugal, Espanha (onde já foi premiado) exibem em sua decoração a grife ''Casulo Feliz'' em suas cortinas, sofás, almofadas, tapetes, mantas, edredons, acessórios, tudo produzido no ateliê em Maringá.
Algodão, rami, juta, cânhamo, gorgurão, voal, crepe georgette. São mais de 10 tipos de fios produzidos na fábrica artesanal (que já conta com 130 funcionários), formando uma linda vitrine, com cores especiais, diferentes e exclusivas, pois somente são utilizados corantes naturais no tingimento das fibras - jamais usa-se um produto químico -, entre eles as folhas de amora, de mangueira, casca de cebola, serragem de pinus, pó de café e imbuia, casca de semente do pinhão, além de fios virgens ao natural e alvejados, lavados com sabão de coco, chegando a mais de 50 cores. Gustavo faz questão de destacar que todo seu equipamento de produção, fiação/roca/tear, passando pelo tingimento, tudo, absolutamente tudo, foi adaptado, criado e recriado por ele, com a ajuda de uma marceneiro sob sua orientação, sempre atento aos mínimos detalhes, para atingir seu objetivo de produzir fios e tecelagem da mais alta qualidade.
Preocupado com o lado social de seus funcionários, faz questão de que suas tecelãs trabalhem em casa, ao lado da família. Depois de um tempo de aprendizagem e estágio na própria fábrica, as funcionárias recebem um tear em seu endereço. Atualmente o ''Casulo Feliz'', ampliado muitas vezes em seu tamanho original, tem em seu estoque casulos ''irregulares'' importados da Rússia, Paraguai, Colômbia, Itália, para satisfazer suas necessidades, sendo que 90% da tecelagem são vendidos e 10% utilizados na a produção própria. Segundo Gustavo, a confecção de produtos finais não é grande, mas o suficiente para atender sua clientela especial. Tudo é feito sob medida para o padrão financeiro e gosto de cada um. Aliás, por lá nada é perdido, mesmo os fios que por um motivo ou outro não são utilizados na tecelagem. A equipe põe a criatividade para funcionar, cria e recria objetos para serem usados no dia-a-dia. A reciclagem faz parte do cotidiano da empresa.
Fiel ao princípio que o motivou a durante esses 13 anos a perseguir um objetivo, Gustavo é hoje um nome reconhecido, não por mero acaso. Saiu à luta, viajou a países como a Espanha, África do Sul e Ilhas Canárias para pesquisar, enfrentou reticências e recusas. Mas venceu. Já foi personagem de matérias em revistas especializadas em todo País, recebe encomendas de clientes de diversos Estados e exterior, criou uma metodologia própria para produzir. E sente-se orgulhoso em saber que na América é o único, digamos, artesão da seda. O ''Casulo Feliz'' cresceu, evoluiu. Hoje é uma borboleta que voa com asas próprias.
Como o que faz é arte, Gustavo também decidiu dividir seu endereço com artistas plásticos, oferecendo um espaço em seu ateliê para eles que possam mostrar seu trabalho, desde que acompanhem o princípio ''Casulo, criatividade, bom gosto e modernidade''.