Nas asas de um sonho
PUBLICAÇÃO
sábado, 21 de outubro de 2000
Magda Carvalho
Acordar ouvindo o canto dos pássaros, alguns exóticos, outros raros, não tem para a empresária Anna Sophie Croukanp só um sentido poético. Esse amanhecer é a confirmação de um sonho que ela e o marido Dennis Croukanp, já falecido, tornaram realidade: construir um santuário ecológico para visitação e preservação de várias espécies de pássaros.
Há pouco mais de seis anos, Foz do Iguaçu, para a empresária, era apenas mais um ponto no mapa múndi, até que uma conversa mudou toda sua trajetória de vida. O gerente da mina que meu marido administrava voltou de uma viagem ao Brasil descrevendo as belezas daqui. Ficou encantado especialmente com as Cataratas, mas achou que faltavam outras opções ao turista que visita a região, relembra Anna.
Foi quando Dennis Croukanp percebeu no paraíso descrito o lugar ideal para realizar um antigo sonho. A rápida descrição bastou para que a imaginação ganhasse asas. Meu marido sempre teve paixão pelas aves, mantinha em casa um papagaio cinza do Congo e viu aqui a oportunidade de concretizar o desejo de criar um espaço destinado ao conhecimento e preservação de espécies raras e que, ao mesmo tempo, fosse mais uma opção de lazer.
Até então Anna dividia seu tempo entre ajudar o marido a administrar uma mina de prata, zinco e chumbo na Namíbia, África do Sul, e cuidar da família. Com uma vida estabilizada, a única preocupação do casal estava em acompanhar o futuro dos filhos, a estudante de Matemática Ana Louise, 22 anos, que mora em Edimburgo, na Escócia, e Carmel, 20 anos, que cursa a faculdade de Música, em Oxford, na Inglaterra. Era o momento certo de escolher e enfrentar novos desafios.
O entusiasmo foi tanto que a decisão de mudar para o Brasil aconteceu no mesmo dia. Anna recebeu a notícia com surpresa, mas em momento algum teve dúvidas ou questionou a repentina decisão do marido. Sua primeira atitude foi acrescentar à bagagem um dicionário inglês-português, o resto ficou por conta da coragem e do entusiasmo. Nós sempre fizemos isso. Eu deixei a Alemanha quando me casei. Lá tinha uma carreira acadêmica, trabalhei como veterinária substituta. Fui para a África e construí um lar. Então fui embora novamente com meu marido para a Europa e logo viemos para o Brasil para construirmos o parque. Eu tive uma vida muito rica e colorida.
É essa vida cheia de possibilidades que faz com que a empresária veja o mundo forma especial, e é também o que a torna uma mulher incomum. Depois que o marido faleceu, um ano após a inauguração do parque, coube a ela levar o projeto adiante. Praticamente sozinha, num país desconhecido, com uma língua que mal dominava, os primeiros anos não foram de muita tranquilidade. Mesmo assim todos os motivos para desistir não foram suficientes. Num certo momento já estava muito envolvida para ser capaz de sair.
Entre as inúmeras barreiras derrubadas estava a burocracia para conseguir o visto permanente no País. Foi uma longa jornada de embaixada em embaixada até que ela conseguisse a permanência. Outro fator desestimulante foi a má vontade de empresários e organizações em financiar os projetos do parque. Levamos seis anos para sobreviver e agora estamos caminhando com nossos próprios pés, os planos são de nos desenvolvermos mais. Mas como meu marido sempre dizia, consolidar primeiro, e uma vez que tenhamos nos consolidado, podemos fazer mais.
Agora Anna usufrui do que plantou, aproveitando para conviver em perfeita integração com o ambiente em que reinam tucanos, garças, jacarés, papagaios e outras aves e animais que ela trouxe da Europa e da África. Seu fiel companheiro é um tucano batizado de Thomas. Um amigo nas horas de lazer e trabalho. Thomas foi adotado logo após um acidente que lhe tirou a coordenação das asas. O tucano não alça os mesmos vôos que outros de sua espécie, mas a deficiência não o impede de circular com desenvoltura por outros ares. Seu local preferido é o escritório. Ele é um ótimo companheiro.
Numa área de aproximadamente mil metros quadrados, cercada pelo verde, Anna acaba de construir seu ninho. Assim como as aves vivem em imensos viveiros adaptados para o comportamento de cada espécie, a empresária também fez adaptações ao seu estilo. Construiu uma confortável casa nos fundos do Parque das Aves, que conta com um jardim de inverno feito para abrigar momentos de total integração com a natureza. O verde ao redor do jardim é o mesmo verde que turistas do mundo inteiro estão acostumados a admirar: a área do Parque das Aves está nos limites do Parque Nacional do Iguaçu. Um privilégio para poucos.
Apesar da beleza, o recanto tem um ar solitário que Anna reconhece. Ainda que a visita das filhas seja constante e de alguns funcionários morarem também no parque, a empresária vive praticamente sozinha. E procura não fazer da companhia dos pássaros uma desculpa. A resposta para esses momentos de Muitas. Mas na saudade não há melancolia. Ele está cuidando de mim, diz com o sorriso aberto e o sotaque carregado, suas marcas registradas. Já acostumada ao País, Anna busca consolidar seu empreendimento não só proporcionando lazer aos visitantes. O cuidado com os pássaros é sua principal preocupação. Inúmeros projetos de preservação são realizados no Parque das Aves. Poderiam ser mais se houvesse incentivo. O alto custo dos projetos impede que alguns prossigam. Num País que pouco investe em pesquisa, viabilizar parcerias tem sido algo quase impossível.
No entanto, estes são obstáculos que, como tantos outros, aos poucos vão sendo ultrapassados. O Parque das Aves acaba de completar seis anos com a inauguração de novos viveiros e o anúncio de novos projetos. Nesse tempo em que está no Brasil, Anna Croukanp foi aumentando sua determinação em levar adiante o sonho concretizado do marido. Ela fala com um entusiasmo de novas metas, exibindo alegria em cada gesto. Seu único conflito é saber que para prosseguir com as pesquisas as aves precisam viver em cativeiro, o que para ela durante algum tempo foi um paradoxo. Eu ficava em conflito, porque nós, neste mundo tecnológico, nós destruímos muitas espécies, aqui temos obrigação de tentar preservá-las e só podemos fazer isso se as criarmos em condições protegidas.
A dúvida se desfaz quando ela vê o resultado de tudo o que plantou e principalmente enxerga o brilho dos olhos de quem tem a oportunidade de conhecer de perto a beleza de aves tão raras exóticas. São compensações que dinheiro nenhum paga.