"A ética é aquilo que nos dá a capacidade de não sermos indecentes", diz Mario Sergio Cortella, que viveu em Londrina até os 13 anos de idade
"A ética é aquilo que nos dá a capacidade de não sermos indecentes", diz Mario Sergio Cortella, que viveu em Londrina até os 13 anos de idade | Foto: Anderson Coelho



Forçado a ficar três meses de repouso por conta de uma hepatite, entre os 6 e 7 anos de idade, o professor e escritor londrinense Mario Sergio Cortella, 64, começou a ter contato com os primeiros livros em 1960. Como não havia televisão naquele tempo na cidade, o menino começou a ler gibis e livros infantis. Mas, com o tempo e escassez de títulos, o leque de literatura foi se ampliando e ele chegou a ler Miguel de Cervantes e Dostoiévisk. Assim veio o despertar para a leitura e filosofia.

"Embora não entendesse na totalidade, isso formou um fundo para mim de conhecimento e interesse que acabou se expressando na minha própria carreira na qual eu quis, sim, seguir nesta área de leitura, da escrita e da comunicação. Começou ali com hepatite na esquina das ruas Goiás com a João Cândido", conta Cortella sobre uma das emblemáticas memórias que tem de Londrina, cidade onde viveu até os 13 anos de idade e retornou inúmeras vezes.

Professor universitário e autor de 38 livros, Cortella atendeu a reportagem da FOLHA com o tom professoral e voz grave pelos quais é conhecido em vídeos e áudios que têm milhares de visualizações nas redes sociais. No dia da entrevista, no final de novembro, o professor falou a dezenas de empresários na palestra sobre ética nos negócios a convite da rádio CBN Londrina.

Questionado sobre o sentimento de voltar à terra natal, Cortella demostra com carinho os valores que conquistou aqui. "Eu nunca me desconectei dessa condição. Faz parte da minha trajetória, da minha memória. Não estou voltando (a Londrina). Londrina caminha dentro de mim, dentro da minha história", relembra o londrinense que foi agraciado no início do mês com o título de cidadão Benemérito do Paraná pela Assembleia Legislativa, mesma honraria que recebeu pela notoriedade da sua obra pela Câmara Municipal em 2013. "Voltar a Londrina é voltar ao lugar que nunca saí", completa.

PROFESSORA

Nesta bagagem, não deixa de citar passagens e pessoas que formaram esses valores. Da professora que o alfabetizou no Colégio Hugo Simas tem o registro mais marcante. "Quando autografo um livro sinto até hoje o peso leve da mão de Dona Mercedes, porque ela que nos ensinava a escrever. Ela foi uma professora muito importante e sempre lembro da capacidade dela de fazê-lo. Era uma pessoa que distribuía livros e nos ajudava a entender as coisas do mundo." Além da alfabetizadora, citou a diretora do Colégio Aplicação, Dona Célia, esposa do Vitorino Gonçalves Dias, que deu nome ao Estádio VGD.

O despertar para literatura sempre caminhou junto com a religiosidade, algo que Cortella herdou da família católica. "Eu fui batizado e crismado pelo arcebispo Dom Geraldo Fernandes", lembra. Ele contou que ia todos os domingos à igreja e participava de missão, chamada Cruzada Eucarística, na Catedral de Londrina. Foi nessa época que também surgiu a vontade de seguir o sacerdócio e na juventude experimentou a vida monástica. "Quando entrei no primeiro ano de Filosofia eu entrei no Convento Carmelitas Descalços e fiquei na clausura por três anos de experiência." Entretanto, Cortella alega que nunca viveu um conflito entre seguir a vida religiosa e a acadêmica. "Eu queria essa experiência de religiosidade densa, e eu a fiz e vi que queria seguir na docência. Apenas não queria seguir a vida religiosa daquele modo."

Aos 22 anos, Cortella começou a dar aulas na capital paulista e em 1989 concluiu seu mestrado em Educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), sob a orientação do doutor Moacir Gadotti, e em 1997, sob a orientação do professor Paulo Freire, concluiu seu doutorado também em Educação pela mesma instituição. "Nesses 35 anos também atuei no departamento da Ciência da Religião."

POLÍTICA

Recentemente, no tumultuado calor da polarizada eleição presidencial, o nome de Cortella chegou a ser cogitado pelo candidato petista Fernando Haddad para ocupar o Ministério da Educação. Com todo cuidado na resposta, o professor disse que ficou honrado com a lembrança. "Eu sem dúvida conversaria com ele (Haddad). Agora você me pergunta. Se ele convidasse, se eu aceitaria? Eu digo que a amizade é um bom ponto de partida no convite, mas não necessariamente um ponto de chegada. Ponto de chegada é o que vai acontecer, como seria o grau de autonomia. Considerei muito honroso, mas aceitação é outro passo."

Cortella ocupou cargo político de secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo na administração de Luiza Erundina no início dos anos 1990, mas conta que tem vivido a política, longe dos partidos. "Nem sempre o fiz de modo partidário, mas política eu fiz a minha vida toda na comunidade, no trabalho. A política é a forma que você interfere na vida da comunidade. Partido é algo no qual fiz militância, mas não o tenho feito nos cinco anos mais recentes."

ÉTICA

Além da política, outro tema que está em evidência é a ética, assunto que ele domina e é chamado a contribuir. "A ética é aquilo que nos dá a capacidade de não sermos indecentes. E hoje veio à tona e está na nossa pauta por conta até dos casos (de corrupção) que se tornaram evidentes, substituindo até os temas como a rodinha de futebol. Mas a ética não pode ser cínica, de fachada, tem que ser um assunto que vira prática. É a nossa capacidade de evoluir", ensina.

Cortella lembra que as redes sociais e o mundo digital, apesar de trazer mais transparência, não vêm acompanhados de veracidade. "Pode ser visão mais nítida, mas o problema não é só observar." Já o professor na vida pessoal e profissional tem acompanhado essa evolução de perto e atuado em multiplataformas, levando a filosofia para milhares de pessoas como outros intelectuais como o historiador Leandro Karnal e o filósofo Luiz Felipe Pondê.

Seu perfil no Instagram tem quase 2 milhões de seguidores. Também tem página no Facebook e vídeos com milhares de acessos no YouTube no Canal do Cortella. Mas se diz avesso ao WhatsApp, que lhe tomaria tempo. "Antes do mundo digital tinha cinco livros, agora tenho 38. Aumenta muito o contato, conhecimento e a produção. Por outro lado, também ampliou nossa sala de aula. O curioso é que ficamos conhecidos e populares. É algo curioso, um país que hoje tem professores como seus ídolos."

ASSÉDIO

Mesmo como todo assédio e convites para palestras, o autor de best-sellers procura conservar as raízes. Quando a reportagem agradeceu pela entrevista, lembrou que a Folha de Londrina, que completou 70 anos em novembro, também foi responsável pela sua formação. "Aprendi a ler com a FOLHA", revelou. Não cabe nesta página as lembranças que o londrinense guarda na memória. Da Concha Acústica, passando pelo Bosque Central até o Cemitério São Pedro. Contou ainda do antigo Cine Augustus e do Cine Joia, extintos cinemas que frequentou. Até dos saudosos bailes de Carnaval nos clubes, contou dos "primeiros pequenos pecados". São memórias e lembranças que atravessou divisas e fronteiras. E agora estão presentes nos seus livros, citadas em palestras e vídeos pelo País afora.