''Eu estou feliz da vida e ainda vendo como nunca.'' É assim, irradiando otimismo e energia, que Girz Aronson, de 86 anos, recebe os que entram na pequena loja de 3 metros de frente por 7 de fundo na Rua Conselheiro Crispiniano, 143, no centro da capital paulista.
O espaço é modesto em relação ao da loja do número 40 da mesma rua, onde Girz Aronson fez fama e fortuna. Mas é dessa lojinha, cujo letreiro também encolheu e exibe apenas as suas iniciais GA acrescidas de Utilidades para o Lar, que ele sonha voltar ao antigo endereço.
Perto ele já está chegando. No fim do ano passado, abriu outra ''portinha'', bem ao lado da loja que durante décadas exibia o letreiro G. Aronson, e de onde chegou a comandar uma das maiores rede de varejo de eletrodomésticos do País, com 35 lojas e mil funcionários.
A G. Aronson foi à falência em 1998, deixando um rastro de dívidas de R$ 20 milhões. ''O importante é que paguei todos os funcionários e 50 deles ainda estão comigo'', diz, passando a borracha no passado que ainda o impede de comprar no próprio nome.
A GA Utilidades para o Lar e suas faturas estão no nome das filhas. Já são três lojas e um depósito as duas da Conselheiro Crispiniano e uma terceira na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, na Bela Vista. É, porém, da pequena lojinha aberta há dois anos, depois de passar dois outros anos sem fazer nada até cansar e voltar à praça, que ele cultiva o sonho de expansão, sem pressa.
Reclama que os filhos Gilberto e Gérson não nasceram com o gene do comércio nas veias, mas agradece a força que os dois e as duas filhas estão dando para a GA. ''Não tenho do que me queixar, a loja está abarrotada de mercadorias'', diz e aponta para o pequeno espaço, cheio de eletrodomésticos. ''Meus clientes também estão de volta.''
A dona-de-casa Lídia Diebe Frejuello apareceu na tarde da última quinta-feira na pequena GA para ver uma geladeira com a irmã. ''Sou cliente do Sr. Girz há 33 anos, quando comprei minha primeira geladeira, uma Frigidaire'', contou ela, enquanto recebia os afagos do comerciante. Sempre sorridente, ele continua a chamar de ''meninos'' e ''meninas'' os interlocutores.
Na pequena loja, Lídia disse ter orgulho de que o filho Leandro José Frejuello também compra eletrodomésticos com o comerciante. ''Foi aqui, no novo endereço do Sr. Girz, que ele comprou um presente para me dar'', disse. Aronson, após atender a cliente, lembrou que foi um dos maiores compradores da General Motors quando as geladeiras Frigidaire eram as mais vendidas no País. ''Me tratavam como um rei'', afirmou vaidoso, mas logo mudou de assunto: ''Hoje estou muito mais feliz''.
Mesmo procurando excluir do vocabulário a palavra arrependimento, ele não se incomoda de esmiuçar o passado nem de apontar seus próprios erros. ''Eu cresci demais e não tinha capacidade para administrar tantas lojas. Fiz muita besteira. Imagina que cheguei a gastar até R$ 400 mil na decoração de uma loja de shopping. Uma bobagem, porque nesse ramo você tem mesmo é de encostar as geladeiras na parede e ir colocando produtos em todos os lugares para o cliente ver que você tem o suficiente para entregar.''
Essas besteiras, segundo Aronson, somadas à venda de eletrodomésticos por grandes cadeias de supermercados, selaram o fim da G. Aronson. Depois que as portas estavam quase arriadas, o homem que nunca se recusou a divulgar números foi vítima de sequestro. Passou 14 dias em cativeiro.
Ele mesmo negociou o valor do resgate, pechinchou ao máximo. Só que o sequestro mudou sua rotina. Aronson não vai mais de bicicleta de sua casa, na Avenida São Luís, até a loja da Conselheiro Crispiniano. Passou a evitar, também, falar em números. ''A bicicleta, agora, só nos fins de semana, quando não vou para o Guarujá'', no litoral paulista.
Esse brasileiro nascido na Rússia, que chegou ao País quando tinha 2 anos e foi com o pai, a mãe e 4 irmãos morar em Curitiba, gosta de dizer que é um homem de sorte. Aos 5 anos, para ajudar em casa, vendia jornais. Depois, passou a vender bilhetes de loteria. ''Com os 500 réis da venda dos primeiros bilhetes, comprei carne, arroz e feijão. Minha mãe levou um susto, porque nessa época só comíamos polenta em casa.''
Mas a família não descuidou da educação de Aronson. Nos anos 40, ele foi ao Rio de Janeiro visitar familiares, numa viagem que mudaria os rumos da sua vida. Lá, conheceu uma fábrica de casacos de pele. Recebeu a proposta de ser representante de vendas em São Paulo. Aceitou e se instalou na mesma Conselheiro Crispiniano.
Nunca mais saiu dessa rua. Foi nela que encontrou a grande oportunidade da vida, ao comprar o estoque de fogões Paterno de uma loja falida. Foi assim que começou a vender eletrodomésticos. ''Quase levei prejuízo porque comprei por 400 mil réis cada e decidi vender por 460. Mas o Mappin vendia o mesmo fogão por 390 mil réis. Descobri que era porque compravam muito. Aí decidi vender a 350 mil réis, fez fila. Eu liguei para o fabricante e disse que queria 400 fogões à vista. Eles toparam e me deram um 'senhor' desconto, ganhei muito dinheiro.''
Dessa época, o maior orgulho foi cravar o slogan ''G. Aronson, o inimigo número 1 dos preços altos'' porque ''olhava todos os preços dos concorrentes e reduzia ao máximo porque podia ganhar na quantidade vendida.'' Hoje, o mesmo Girz, que seria Henrique em iídiche, cumprimenta quem passa, recebe a visita de velhos amigos e é, diariamente, apresentado a filhos e netos de antigos clientes. ''Sou um homem de sorte e ainda vou dar muito o que falar'', promete.