"Amo fazer aniversário. Sou vaidosa, mas não tenho problema com envelhecimento", diz Cloara Pinheiro, 55 anos
"Amo fazer aniversário. Sou vaidosa, mas não tenho problema com envelhecimento", diz Cloara Pinheiro, 55 anos | Foto: Gustavo Carneiro



Ela tem o raro costume de avisar e desculpar-se por pequenos atrasos, ato admirável hoje em dia. A agenda é cheia de compromissos, fruto de 22 anos de carreira na televisão, mas mesmo assim, encaixou um tempo para a entrevista. Vestido azul, sapatos vermelhos, brincos coloridos, Cloara Pinheiro, 55, sabe receber elogios com a mesma humildade e sorriso com que aceita pedidos de fotos pelas ruas de Londrina. A força de uma mãe que perdeu uma filha pequena é tão visível quanto a desenvoltura e o carisma que transpassam a tela da TV. É com otimismo e uma dose extra de compreensão que conta a vida com astral de poucos.

Dois rapazes a observam posar para fotos no Bosque (centro) até que ela os convida. Abraço genuíno, conversa rápida, troca de afeto. Em um atravessar de rua, Cloara foi percebida algumas vezes, mas foi ao entrar na recepção do prédio da FOLHA que houve o encontro fundamental. "Militão, meu dindo!", abre os braços, abraça e beija o colunista com carinho. "Ele é o meu padrinho", o reverencia com admiração explicando ter começado na TV por conta do jornalista.

Os dois se encontraram em programa comandado por Militão na TV Tropical/CNT. Cloara, como representante do Sesc na época, pediu divulgação para eventos e exposições de arte. "Eu me ofereci para arrumar o cenário com os quadros, assim eu ajudava e já aproveitava para mostrar meus artistas. Quando faltava alguém, o Militão me punha na bancada e pedia para que eu falasse alguma coisa", recorda rindo. Com talento para o improviso, a apresentadora foi ganhando força até ser convidada para outros programas.

SHOW
Na sala do encontro na FOLHA, uma ocasião inusitada. Oswaldo René, músico argentino, estava à cantarolar com o colunista ao toque do seu violão. A reunião entre os três rendeu uma cantoria que pegava de surpresa quem entrava no local. Preocupada com o tempo, ela sinalizava entre uma música e outra que estava à disposição para ir à entrevista, mas quem ousaria interromper momento tão sublime? Quando ela ameaçava a saída, Militão pedia uma nova música, arrancando risos da pequena plateia que se formara. Situação que ocorreu duas ou três vezes antes que o show finalizasse por definitivo.

Já na sala reservada, sentou-se como o charme de uma lady e, com a prática comunicativa, disparou a falar com eloquência a história que muitos engasgariam ao contá-la. "Eu nasci em Curitiba, em 12 de agosto de 1963, vivi até meus 21 anos na capital", iniciou como um discurso. A filha de coronel chegou a Londrina por interferência do trabalho do pai.

Casou-se em 1988 com Luiz Cláudio Reeberg Stanganelli, 62, com quem vive hoje. Os dois foram morar no Oregon (EUA) e, em 1989, iniciava o maior amor que Cloara poderia sentir. "Eu tive a minha filha. Era o meu sonho ter a minha Carolina", conta. Nome sugerido pela canção do Raça Negra, Carolina nasceu após três dias de muita dor, a fórceps e de clavícula quebrada, mas veio para fazer feliz como diz a letra da música.

MISSÃO
Com a distância, os avós acompanhavam o desenvolvimento da neta por meio de fotografias, documentos que levantaram desconfiança da mãe. "Eu via que saía uma luzinha no olho dela que parecia o flash da máquina, meu marido dizia que era coisa da minha cabeça", lembra. Mas mãe nunca erra. De volta ao Brasil, uma visita ao oftalmologista rendeu a notícia. "O doutor olhou para mim e disse: 'a sua filha tem o pior câncer que existe, retinoblastoma'", relembra ela, emocionada.

Para evitar a retirada do olho, a menina foi encaminhada a tratamento de 23 dias de radioterapia em São Paulo e o tumor diminuiu. "Depois a gente ia de mês em mês, depois de três em três meses... Eu engravidei, porque para mim estava tudo certo, o câncer estava diminuindo. Eu tive meu segundo filho, Luiz Felipe", fala como se precisasse se justificar.

Um ano depois, soube que o tumor se alojou no tronco encefálico. "Nós fomos para Curitiba e o médico abriu a cabeça dela. É a pior coisa do mundo você pegar um filho, levar ao centro cirúrgico e não saber o que vai acontecer." Para continuar o tratamento, foram solicitadas sessões de quimioterapia em Londrina.

O tumor da cabeça diminuiu. O da retina cresceu a ponto de não ter outra saída a não ser retirar o olho da menina de 4 anos. "Como eu ia fazer com uma filha vaidosa? Ela era meu sonho! Eu tinha que tomar decisão, falei para tirar. Eu chorando sozinha, não estava entendendo aquela cacetada que eu estava tomando da vida", conta.

DESPEDIDA
Foram tempos de reflexão. Carolina ia para a escola com o curativo no olho, dizia que colocaria outro no lugar em tom de uva, sua cor preferida. Mas ela foi piorando, chegando à situação crítica. "Fui para Curitiba brigando com a companhia aérea, porque não queriam deixar ela embarcar. Lá, ela teve uma parada respiratória e foi para a UTI. Antes disso, eu falei 'eu amo você' e ela disse 'eu também', foi a última vez que ouvi a voz da minha filha. Ela entrou em coma", relata.

Mulher de força e de muita fé, tem a compreensão de poucos sobre a despedida. "Eu disse: 'filha... Vai, meu amor, vai, que você não vai conseguir ficar aqui, a gente se encontra um dia'. Ela tinha tumor em tudo". Cloara perdeu a filha em novembro de 1994 e carrega cenas tristes na memória. "Até hoje, quando eu passo pela Dez de Dezembro, eu lembro que olhava pelo retrovisor do carro funerário e via o caixão branco da minha filha atrás", menciona. Apesar da dor, entende a própria vida como uma missão.

CARREIRA
Cloara é formada em Assistência Social. Um ano após a morte de Carolina, começou a trabalhar no Sesc representando nove cidades da região. Foi por meio desse trabalho que conheceu Militão e iniciou participação na TV, onde se destacou. Passou por vários canais locais até chegar à Rede Massa, onde comanda o programa Destaque há 11 anos. "O Ratinho me convidou, eu aceitei. Era o meu sonho trabalhar com esse homem, ele é um ídolo de uma vida, mas ele fala que meu nome é feio", ri das brincadeiras.

Em fevereiro, a apresentadora comemora 22 anos de carreira na televisão com muita gratidão pelas empresas que passou. Com sua história de vida, afirma que o microfone é um instrumento de Deus que deve usar para fortalecer outras pessoas. O "olá, gente boa, gente linda. Que Deus abençoe sua vida", é a frase inicial de toda edição.

Comunicativa e alegre, na sua casa não faltam orquídeas roxas, ama ver televisão, gosta de cozinhar e chora por qualquer coisa. Aprendeu a paixão por viagens, tornou-se cidadã luxemburguense, herança da bisavó, e não se importa com a maturidade. "Amo fazer aniversário. Sou vaidosa, mas não tenho problema com envelhecimento, claro que se eu puder fazer umas massagens, botox, a gente faz, né?", brinca.

WORKAHOLIC
Acorda cedo, vai para a TV, trabalha, faz gravações, visita clientes. "Sou uma workaholic assumida, funcionou como uma fuga para mim", afirma. Carrega no carro uma espécie de camarim, onde pode trocar o look a qualquer momento. Com seu trabalho, conheceu muita gente, fez amizades com celebridades e com pessoas a quem é muito agradecida. Não cansa de beijar e abraçar gente na rua. "Amor não cansa", argumenta.

Faz da sua história de vida um motor para impulsionar outras pessoas. "É a minha missão, eu preciso passar alegria, eu aprendi com a vida e a gente não deve pensar negativo, tem que ir para frente. Deus me escolheu, porque eu sou forte e quando vou falar com mães que têm filhos com alguma deficiência eu digo que Deus as escolheu, porque elas são fortes, guerreiras", estimula. Com simplicidade, Cloara levanta-se como quem tivesse falado sobre o dia quente, sem se dar conta da aula que havia ministrado. Volta para a redação da FOLHA, reencontra o amigo Thiago Nassif e despede-se com o sorriso largo de quem tem mais para oferecer a quem permitir.