Além do blog e dos livros,  Lak Lobato viaja pelo país  esclarecendo dúvidas sobre o implante:  não é indicado para todos e o resultado varia de pessoa para pessoa
Além do blog e dos livros, Lak Lobato viaja pelo país esclarecendo dúvidas sobre o implante: não é indicado para todos e o resultado varia de pessoa para pessoa | Foto: Gina Mardones

Quem de nós repara nos inúmeros sons que ouvimos no dia a dia, muitos sobrepostos, dos mais banais aos mais complexos? Quem é possível imaginar que o simples som do gás escapando de uma garrafa de refrigerante possa trazer tanta alegria a uma pessoa?

Para a publicitária e blogueira Lakshmi Lobato, ou Lak, como assina em seu blog, cada um dos pequenos ruídos que consegue captar significam muito. Carioca criada em São Paulo, aos nove anos ela acordou um dia e percebeu que estava surda. O motivo seria sequelas de caxumba ou meningite, não se sabe ao certo, mas ela precisou aprender a conviver com um mundo em silêncio. Ela esteve em Londrina no final do mês de abril, a convite do Hospital Otocentro de Londrina e Politec Saúde, para lançar seu segundo livro “E Não é que eu ouvi?”, voltado ao público infantil e escrito em parceria com Eduardo Suarez.

Por já saber falar e estar alfabetizada quando ficou surda, Lobato continuou usando o português para se comunicar, por meio da leitura labial e não se interessou em aprender a Libras (Língua Brasileira de Sinais). Não ouvir não a impediu de continuar estudando, aprender francês, espanhol e inglês ou se formar em Publicidade e Propaganda. Entretanto, ela sentia falta de ouvir e foi em busca do implante coclear. Primeiro fez no ouvido esquerdo e três anos depois, no direito.

“Eu era muito comunicativa, gostava de ouvir. Há dez anos encontrei o implante coclear, foi até um pouquinho antes, é que eu demorei um pouco para ter coragem de fazer o implante, porque é uma cirurgia. Comecei a escrever um blog de brincadeira, no mesmo período que fiz o implante e cataloguei na internet minhas dúvidas pré-implante, meus medos, meus anseios, como foi a cirurgia e isso facilitou manter contato com outras pessoas que estavam passando pela mesma questão que eu. Nem sempre na mesma situação. Tinha gente que estava passando a mesma porque o filho nasceu surdo, outro porque tinha acabado de perder a audição, outro que nunca ouviu na vida e a gente ia criando uma rede de apoio. Isso ajudou muito a ter oportunidade de conhecer outras histórias e poder ver se a minha história estava de acordo com o que a gente espera”, conta.

Ela começou a viajar pelo país dando palestras e tirando dúvidas de outras pessoas que também tinham a indicação da cirurgia. “As pessoas querem saber como é a cirurgia, primeiro porque elas acham que é no cérebro e na verdade é no ouvido. É uma cirurgia delicada, mas é simples. Elas têm medo da anestesia e das sequelas, que são raras. Também querem saber o quanto vão ouvir depois da cirurgia. Percebi que o que as pessoas querem é uma garantia de que vale a pena fazer a cirurgia. A gente não quer garantia de que vai sair ouvindo perfeitamente, mas de que vale a tentativa, vai ser bom de alguma forma. Não temos como ter certeza absoluta porque depende mais do médico e da fonoaudióloga, de uma avaliação bem criteriosa para a cirurgia ser bem-sucedida”, diz.

Segundo Lobato, o implante não é indicado para todos e o resultado varia de pessoa para pessoa, dependendo também da adaptação de cada um. Pelo procedimento é possível voltar a ouvir, mas os sons ficam robóticos, não é o mesmo som natural, o que pode causar estranhamento no início. “No começo você estranha, depois vai achando cada vez mais natural.”

LIVROS

Toda a sua experiência com o implante postada no blog foi compilada e deu origem ao livro “Desculpe, não ouvi!”, mesmo nome das postagens eletrônicas. Depois de um tempo Lobato decidiu escrever um livro infantil, já que muitas mães postavam fotos dos filhos com sua primeira obra.

“Eu achava que não era um livro ideal para crianças porque não tinha figuras. Nele eu conto a história de uma menininha que em uma bolha de silêncio - que foi como escolhi representar a surdez, como se fosse uma bolha -, parte em busca do barulho que ela mais queria ouvir, que era o barulho do pôr do sol”, descreve.

Na vida real, ela conta que o primeiro som que ouviu e reconheceu foram as palmas da fonoaudióloga, uma forma de testar o implante. O segundo, que foi percebido aleatoriamente, foi o barulho do gás escapando da garrafa de refrigerante. “Meu marido abriu a garrafa e reconheci aquele som, antes eram ruídos.”

RECOMEÇANDO

Quando começou a ouvir novamente, Lobato conta que teve de reaprender a ouvir para reconhecer os sons, mesmo os mais simples, como o latido de um cachorro. “Depois de um tempo você esquece, seu cérebro sabe que existem palavras, mas ele não sabe diferenciar cada coisa. Primeiro foi uma sensação de felicidade que não cabe em você, foi muito, muito, muito boa! Era fascinante, era quase infantil minha reação. Após uns dez meses ouvindo tudo, curtindo, me dei conta de tudo que tinha perdido na vida, ai fiquei bem triste.”

Entre as inúmeras perdas, ela cita as músicas de seu casamento. “Eu escolhi as músicas e todo mundo ouviu, menos eu. Escolhi músicas que eu ouvia quando era criança, que conhecia a letra, quase todas eram bossa nova. Confesso que não gosto de bossa nova”, diz rindo.

Ela também decidiu ir para Londres estudar inglês, algo que sempre desejou e não teve coragem de fazer. Precisou reaprender o francês, pode ouvir músicas e decidir seu gênero favorito – rock, no estilo de Pink Floyd, e participar de conversas com muitas pessoas. Também voltou a estudar e reaprendeu a falar, já que tinha um sotaque bastante particular por não se ouvir falando.

“Eu gostava de estudar mas não gostava de fazer cursos livres, era pouco tempo para explicar para o professor que eu necessitava de um assistente. Depois,Quando fui fazer o primeiro curso depois, foi fantástico. Mais de uma vez eu tive que me segurar para não chorar, de tão fácil que era assistir, era só ouvir o professor falando e entender o conteúdo. Antes era tão cansativo, no final da aula eu estava sempre com dor de cabeça para entender tudo. O professor andava na sala e eu perdia algumas coisas”, descreve.

Como esse sentimento costuma ser comum a quem volta a ouvir, ela recomenda que as pessoas busquem auxílio psicológico, algo que ela mesma fez. “Fiquei triste mas foi essencial para ter empatia com quem está passando por isso.”

Serviço:

Os livros podem ser adquiridos pelo site www.desculpenaoouvi.com.br