Em Maringá foi aprovada lei que aplica multa de R$ 2 mil para cada animal agredido
Em Maringá foi aprovada lei que aplica multa de R$ 2 mil para cada animal agredido | Foto: Shutterstock

Tornou-se comum a viralização de casos de maus-tratos a animais ou situações jurídicas que envolvam os pets, seja em nível local ou nacional. Um dos que geraram mais debate foi o da cadela que morreu após ser agredida por seguranças de um hipermercado, na Grande São Paulo, no fim de 2018. Em Londrina, neste ano, um coach foi acusado de ser responsável pela morte de seus dois cachorros. No Distrito Federal, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou uma mulher a manter sua gata no condomínio onde mora. As regras do prédio impediam a permanência do bicho.

Em Maringá (Noroeste), uma mulher foi condenada a pagar R$ 25 mil de danos morais a um engenheiro, após ela agredir a cadela do homem. Diante da repercussão, a lei de maus-tratos na Cidade Canção ficou mais rígida. O projeto foi batizado de “Lei Lara”, em referência ao nome da cadela. Advogado com atuação na defesa deste caso, Edjalma Alves, especialista em direito e processo civil e ativista da causa animal, afirma que apesar de constantes ocorrências, o Brasil é carente de uma maior atuação para coibir e punir maus-tratos a animais.

Para o especialista, pós-graduado em direito público, para deixar a lei mais rígida os municípios devem adotar regras próprias, fortalecendo o que já existe na esfera federal e, por muitas vezes, nas estaduais. Em Londrina, por exemplo, é proibida a circulação de carroceiros na área urbana desde o ano passado e em 2019 foi criada uma diretoria de Bem-Estar Animal e gerências de Maus-Tratos e Fauna. Na Câmara Municipal tramitam duas leis sobre o tema: que aumenta sanções em maus-tratos e que veda a exibição de filhotes em pet shops. As duas iniciativas foram aprovadas em primeira discussão e deverão retornar à pauta neste segundo semestre.

Segundo Alves, em entrevista à FOLHA, a discussão referente aos direitos dos animais avançou nos últimos anos e contextos de agressões que geram comoção podem influenciar em decisões no campo da Justiça.

O que prevê a jurisprudência para maus-tratos a animais?


Nosso País, de forma geral, é marcado por um excesso de leis nas mais diferentes áreas. Todavia, quando trata-se de maus-tratos aos animais, há uma certa carência legislativa. Até pouco tempo, a única norma que criminalizava a prática de maus-tratos aos animais era a lei 9.605/1998, de crimes ambientais, a qual dispõe em seu artigo 32 que 'praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, tem pena – detenção - de três meses a um ano e multa.'

Ocorre que o resultado prático da referida lei é praticamente nulo. Isso porque é inferior a dois anos. Deste modo, invariavelmente, as condenações são revertidas em 'transações penais’. Assim, o agressor é condenado a prestar um serviço comunitário ou mesmo pagar um valor em dinheiro, os quais na maioria das vezes não são cumpridos. A solução para o fato acima, apresentada em várias cidades do País, é a criação de uma lei municipal para o combate aos maus-tratos. Em Maringá, por exemplo, foi aprovada a lei que aplica multa de R$ 2 mil para cada animal agredido. Ainda, nos casos que a agressão resulta em morte do animal, a lei prevê a majoração da multa para R$ 10 mil.

icon-aspas "Mulher matou uma cadelinha Pinscher com golpes de paulada simplesmente por ela ter latido para o animal da agressora"

Existem questões emblemáticas que já foram tratadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Uma delas é sobre a constitucionalidade ou não das 'vaquejadas'. O STF, por um placar apertado, entendeu que 'o dever de proteção ao meio ambiente se sobrepõe à proteção aos valores culturais representados pela vaquejada'. Porém, após esse julgamento houve a edição da emenda constitucional 96/2017, que incluiu o parágrafo 7º no artigo 225, para considerar que não são cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que reconhecidas como manifestações culturais e nas condições que especifica. Assim, apesar de comprovadamente ser uma prática extremamente cruel e causadora de maus-tratos, as 'vaquejadas' ainda são realizadas em vários estados do Brasil.

Tem algo que pode ser aperfeiçoado?


Sim. Podemos melhorar muito ainda no combate aos maus-tratos dos animais. Uma das soluções para alcançar essa melhoria passa pela aprovação da lei que tira o status de coisa dos animais. Neste sentido, tramita no Senado o Projeto de Lei da Câmara 27/18, que versa sobre direitos dos animais. O texto já foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e relata que os animais não poderão ser tratados como objetos, mas sim como seres que têm sentimentos. Assim, os animais passarão a possuir natureza jurídica própria. Certamente, caso aprovada esta lei, será um avanço sem precedentes na defesa dos direitos dos animais. Isso porque, a partir de então, os animais terão acesso à tutela jurisdicional do Estado. Isso significa dizer que poderão ser defendidos juridicamente.

Outro fator que pode contribuir muito para a defesa dos animais contra maus-tratos passa pela conscientização da população. Esse trabalho deve ser feito principalmente com as crianças, pois trata-se de uma geração que vê os animais com olhos diferentes dos seus pais e avós. Citando mais uma vez o exemplo de Maringá, desenvolvemos o projeto "Alunos Amigos dos Animais". O projeto ensina às crianças de rede municipal de ensino questões como guarda responsável, cuidados básicos, o que são maus-tratos, entre outras. Esse seguramente é o melhor caminho.

A atenção em relação a maus-tratos sempre existiu ou começou a mudar nos últimos anos?



A proteção e defesa dos animais, com certeza, avançou muito nos últimos anos. A população mais jovem, até mesmo por questões culturais, maior acesso às informações e avanços tecnológicos, aprenderam a respeitar mais os animais. No passado era muito comum o uso indiscriminado dos animais como força de trabalho, até mesmo por falta de opções de outros meios. Exemplo clássico dessas mudanças é o uso de animais para conduzir carroças. Muitas cidades do País, sob muita polêmica, já legislaram no sentido de proibir o uso de animais para veículos de tração animal. A cada dia cresce a parcela da população que se declara vegetariana ou vegana, mostrando, assim, mais uma significativa mudança no cenário de proteção e bem-estar animal.

Com relação a outros países, estamos bem nesta temática?



Infelizmente, comparado a outros países, o Brasil não tem uma legislação robusta quando se fala em maus-tratos aos animais. Segundo um estudo apresentado pela World Animal Protection, os países que mais se destacam no tema são Reino Unido, Áustria e Suíça. Os Estados Unidos, por sua vez, têm uma das penas mais elevadas para quem comete atos de maus-tratos. Lá o agressor pode ser condenado até 20 anos de prisão. Contudo, as políticas públicas de proteção e bem-estar dos animais estão aumentando muito no Brasil. Paralelamente a isso, os órgãos legislativos estão sendo obrigados pelo clamor da população a dar uma resposta. Criando, assim, um ambiente fértil para a produção de novas leis e, consequentemente, impulsionar o Brasil no cenário de proteção aos animais.

O fator comoção acaba influenciando nas decisões judiciais?



As decisões judiciais, em regra, são técnicas e seguem certos parâmetros legais. Todavia, o julgador também tem sentimentos e, em determinados casos, pode deixar aflorar alguns deles. Recentemente, o escritório em que atuo ingressou com uma ação judicial para garantir o convívio de um animal em condomínio. A sentença do magistrado garantiu o direito dos tutores de viver no condomínio com seu animal. Fato que nos impactou muito foi uma das frases do magistrado, que escreveu o seguinte: "algumas pessoas não são capazes de conviver nem mesmo com outros seres humanos, imagine com outros animais". Obviamente essa frase tem certa carga de sentimento e comoção do magistrado no julgamento. Outro caso foi o processo da cachorrinha Lara. Neste, a agressora matou uma cadelinha Pinscher com golpes de paulada simplesmente por ela ter latido para o animal da agressora. Uma atitude tão cruel e desumana certamente causa comoção em quem julga o caso.

Por que existe tanta comoção em alguns casos de maus-tratos?



Casos de maus-tratos ocorrem dezenas ou centenas diariamente. Todavia, alguns causam mais comoção devido ao alto grau de crueldade. Por exemplo, um cachorro preso em corrente curta é considerado maus-tratos em casos de leis municipais, porém não se compara a um cachorro de pouco mais de 600 gramas morto a pauladas. Outro fator que certamente impulsiona a sensação de comoção é a disseminação do conteúdo (ato de agressão) nas redes sociais. A partir da publicação de um vídeo ou foto de um animal sofrendo maus-tratos, pessoas de diferentes personalidades formam convicção sobre aquele assunto e, invariavelmente, a comoção se propaga de modo exponencial.

É possível acionar a polícia em caso de maus-tratos?

Sim. Maus-tratos é crime e deve ser atendido pela PM (Policia Militar). Ocorre que muitas vezes o aparato policial não tem condições operacionais de atender a solicitação do denunciante. Isso porque, em muitas cidades do nosso Estado, há, no máximo, uma ou duas viaturas para atender toda a população.

Quando o MP (Ministério Público) pode ser acionado?



O Ministério Público pode ser acionado quando o fato impacta toda coletividade, e ainda, quando o caso precisa de investigação. Em Maringá, por exemplo, o MP foi acionado para averiguar a prática de maus-tratos denunciados em uma das edições do rodeio que ocorre na cidade. O processo tramita desde 2014 e ainda não teve desfecho. Outro exemplo notório de ação do MP foi no caso da morte do cachorro conhecido como Manchinha, por seguranças numa rede de hipermercados, que gerou comoção dentro e fora das redes sociais. Naquele caso, o MP foi acionado para investigar os detalhes do fato e apurar a culpabilidade de cada envolvido.