Quando se pensa em mindfulness, ou prática de atenção plena, geralmente associa-se a técnica à melhora da qualidade de vida e redução nos níveis de estresse. Mas essa forma de meditação também pode ser utilizada no tratamento da dor. Tem sido empregada, inclusive, em hospitais. Irlandês radicado no Brasil, o físico e budista ordenado Stephen Little participa de uma pesquisa com pacientes com HIV positivo em tratamento no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, ensinando a prática de atenção plena. Ele também é instrutor em cursos educativos de mindfulness em casos de dor crônica e estresse crônico, com oito semanas de duração, em São Paulo.

Imagem ilustrativa da imagem Mindfulness no tratamento da dor crônica
| Foto: Gustavo Carneiro

Ele esteve em Londrina no início de outubro a convite da Lumin’área - laboratório de consciência e desenvolvimento humano - para um minirretiro em mindfulness. Nesta entrevista, ele explica como funciona o tratamento para manejo de dores crônicas - físicas e emocionais - e do estresse e da ansiedade.

“Existe uma maneira de estar presente junto com a dor, um estado que não é só presença, mas também tem abertura para a experiência. Abertura quer dizer disponibilidade de aprender a conviver com a dor. Nesse estado a dor não engole a pessoa", explica.

Como o mindfulness pode ajudar nos casos de dor crônica?

Mindfulness, como uma abordagem na saúde no sistema de saúde ocidental, surgiu na década de 1970, principalmente por causa de casos crônicos, como dor persistente, ansiedade, pânico, depressão. Os médicos buscavam conteúdo especialmente voltado para o autocuidado, que não dependia de só dar mais remédio. A medicina integrativa, diferentemente de medicina alternativa, é uma abordagem médica de juntar pesquisas ou técnicas que são bem fundadas em evidências científicas, junto com os profissionais da saúde e os pacientes. Mindfulness faz parte disso e as primeiras pesquisas inclusive foram feitas para dor persistente. Quando pensamos em dor, a primeira coisa que provavelmente a maioria das pessoas quer é ficar longe dela. Mindfulness fala sobre o valor do momento presente e prestar atenção na experiência, do jeito que está, no que já está aqui.

Não é surpresa que muitas pessoas que buscam o mindfulness para tratar a dor provavelmente têm uma grande dúvida e medo. Como é que fazer uma prática talvez sentado, deitado, pode me ajudar? Existe uma maneira de estar presente junto com a dor, um estado que não é só presença, mas também tem abertura para a experiência. Abertura quer dizer disponibilidade de aprender a conviver com a dor. Nesse estado a dor não engole a pessoa. Mindfulness surge como um caminho no meio entre duas extremidades: uma é lutar contra a dor e outra é fugir da dor. É um treino diário, silencioso, em que a pessoa pode abrir espaço interno mental e emocional para que a dor possa existir e vir, e ir embora, e vir e ir embora, sem que ela domine a pessoa e a qualidade de vida dela. Tem a ver menos com relaxamento ou uma abordagem que vai acabar com a dor e muito mais com renovação. E o sofrimento secundário, que muitas vezes é aquilo que causa mais sofrimento na vida de alguém que tem dor, vai diminuindo.

Quais tipos de dor podem ser tratados?

Em primeiro lugar, vamos dizer quais as contraindicações. A pessoa que está atualmente em uma fase de depressão, por causa da dor, que não consegue sair muito da cama ou de casa, que as atividades diárias estão sendo superprejudicadas, talvez seja melhor ela procurar alguém que faz algum tratamento com movimento. A experiência não é só minha, mas de muitos profissionais nessa área. É importante acertar isso porque tem muitos profissionais que estão falando de mindfulness como (algo que) pode curar tudo, e tem muitas expectativas altas em cima disso. Dentro daquilo que a gente espera, o que pode ser tratado com o mindfullness é todo tipo de dor persistente que não vem de uma lesão física óbvia, como a fibromialgia. Tem a dor de perda, que é basicamente tristeza e luto. Aí podemos ver todo tipo de dor, inclusive vergonha é um tipo de dor, de ter tomado várias decisões no passado e agora as consequências doem.

Não são somente dores físicas então, são dores morais que podem ser tratadas.

Claro! O curioso foi Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro, dizer que a dor faz parte, o sofrimento que é opcional. Essa frase é superimportante e mindfulness é principalmente aos poucos deixar de alimentar o sofrimento. A dor em si pode até continuar, só que para quem realmente sabe a diferença entre a dor e o sofrimento, diminuir bastante o sofrimento já é um grande presente.

Como é, em termos práticos, o uso do mindfulness no tratamento da dor?

Isso depende de como cada profissional se organiza. Eu aprendi uma maneira nesses 15 anos no Brasil, baseado na minha experiência. Tem um workshop introdutório. Se a pessoa tem um psicólogo ou psiquiatra gosto de conversar com o profissional, ter pelo menos o contato da pessoa. De vez em quando tem pessoas que querem fazer o curso para parar de fazer terapia ou tirar o remédio e eu não sou contra, mas quero conversar com a pessoa para saber o que está por trás dessa tendência. O curso de oito semanas é de um encontro por semana e tem a prática diária durante a semana entre os encontros. Damos todo o apoio para as pessoas, se necessário podem entrar em contato comigo durante o curso.

Essa prática tem alguma regra? Deve ser uma vez ao dia, duas vezes? Ou vai depender de cada caso?

A minha tendência é de seguir aquilo que (Charles) Darwin falava sobre copiar, adaptar, selecionar. A pessoa vem para o curso e em vez de receber uma regra vai receber uma sugestão que pode copiar, se quiser, mas todo mundo tem que adaptar à vida em casa para que uma prática de 45 minutos, por exemplo, possa ser realizada, especialmente com crianças em casa, uma carga horária muito pesada de trabalho. Normalmente a pessoa, nas primeiras duas ou três semanas, vai passando por uma adaptação, experimentando na vida dela, sem ter algo muito definido, uma maneira de reproduzir aquela prática.

A prática é um complemento ao tratamento médico ou pode vir a ser um substituto?

É integrado. Isso quer dizer que essas questões são sempre tomadas especialmente em relação e em conjunto com o profissional principal, porque tem que ter um certo cuidado com isso. Se está sendo tratado por alguém, pelo menos vai comunicando para o profissional o que está na sua mente, o que está querendo fazer. E se o profissional não entende ou não tem uma ideia daquilo, vai buscando pesquisas e leva para o profissional, diz o que está querendo fazer, veja o que ele acha.

Parte do seu trabalho no Hospital Emílio Ribas é o tratamento para pacientes com HIV positivo. Como mindfulness ajuda nesse caso?

Os brasileiros me disseram, quando eu fui chamado para trabalhar com Valéria Melo (psiquiatra) e equipe, é que não iria funcionar no SUS (Sistema Único de Saúde). Fui e montamos uma pesquisa, as adaptações que fizemos do protocolo original foram mínimas. Depois de três anos temos um resultado muito bom, só que está em processo de ser publicado então não posso falar qual é o resultado. Mas esse foi o processo, tivemos que passar pela pesquisa, porque é a linguagem do hospital. Estamos analisando e colocando os dados em um formato que possa ser publicado.

Pode dizer se a prática usada na pesquisa foi para diminuir a dor ou para tratar do estado mental desses pacientes?

É dor, ansiedade, depressão e qualidade de vida. Normalmente essas pesquisas são feitas com esses dados no início, mas em longo prazo, o que queremos fazer, mas é que tem um custo - se alguém quiser financiar seria muito bom -, é uma pesquisa para pacientes com aids que envolve exames de sangue. Tem custo, especialmente se quisermos um grupo maior e o (Hospital) Emílio Ribas é um hospital com muitos pacientes e é um estudo voluntário da minha parte. Estou muito contente com o que está acontecendo lá e a expectativa que tivemos está sendo superada. Não é um caso que não funciona no Brasil. Funciona, só que tem que ter garra.

O senhor disse que há contraindicações. Tirando esses pacientes, o mindfulness funciona ou algumas pessoas irão passar pelo processo de oito semanas e ainda assim não irão sentir uma melhora?

Os profissionais da saúde que colaboram com esse processo têm o bom-senso de, nesta fase do mindfulness no Brasil, identificar pacientes que têm perfil e interesse e encaminham. Isso aumenta bastante a probabilidade de a pessoa se encaixar pelo menos no método e ressoar ou se identificar com o método. E tem a benção do médico, ou do profissional de saúde. A segunda coisa é que o curso é como um curso para aprender a tocar um instrumento de música. É uma prática que exige tempo, se colocar-se 100% dentro, com um bom profissional e um bom apoio, vai receber 100% de volta. Só que tem muitas pessoas que preferem abrir uma garrafa de vinho e não fazer um curso assim.

A escolha é de cada pessoa, só que eu sugiro que está na hora de olhar para as pesquisas boas, com resultados, que mostram que tem algo nisso. É bom perguntar para o profissional quantas vezes ele já deu o curso. Mas lembrar-se que é como um curso para aprender a tocar um instrumento musical ou aprender um idioma novo, as oito semanas vão oferecer uma base para você avaliar o que é e provavelmente, se tem engajamento naquilo, você vai ver uma pequena diferença que, extrapolando, se tem aquele benefício pequeno, você provavelmente vai concluir que vale a pena continuar.