Cássio Telles: "O que a gente sempre preza é a imparcialidade da magistratura"
Cássio Telles: "O que a gente sempre preza é a imparcialidade da magistratura" | Foto: Divulgação /OAB-PR

Um juiz precisa ser discreto, manter-se equidistante das partes, servir de modelo para o cidadão. As palavras são do presidente da seção paranaense da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cássio Lisandro Telles. Para ele, determinados comportamentos dos magistrados, mesmo na vida privada, podem colocar em risco o que a “população mais espera do Judiciário”, a imparcialidade.

“A manifestação pública do juiz deve ser sempre reservada no sentido de apenas discutir questões jurídicas, teses, eventualmente uma opinião sobre um aprimoramento legislativo, sem se pronunciar sobre casos concretos , situações específicas”, afirma.

A imparcialidade dos magistrados tomou conta do noticiário nacional desde que o site The Intercept passou a publicar diálogos de integrantes da Operação Lava Jato, extraídos do aplicativo Telegram, entre eles o ex-juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol.

O comportamento dos representantes do Judiciário nas redes sociais é objeto de discussão de um grupo de trabalho criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). No site do órgão, há uma proposta de resolução com regras para uso da internet pelos magistrados.

Em junho do ano passado, a Corregedoria de Justiça divulgou uma portaria regulamentando o uso de e-mails e redes sociais. Entre outras coisas, ela diz que a “liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser utilizada pela magistratura para afastar a proibição constitucional do exercício de atividade político-partidária”. E que é “dever do magistrado ter decoro e manter ilibada conduta pública e particular que assegure a confiança do cidadão...”

Entidades que representam magistrados vêm se posicionando contra a regulamentação do comportamento da classe na internet. Alegam tratar-se de censura.

Para a seção paranaense da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no entanto, a proposta nada mais é que um manual de conduta baseado em legislação já existente: o Código de Ética e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Leia a seguir entrevista concedida à FOLHA pelo presidente da entidade.

Juízes têm criticado o fato de o CNJ querer regulamentar o uso de redes sociais por eles. Trata-se de uma “mordaça”?

Acho que isso já está bem definido tanto no Código de Ética da Magistratura como na Lei Orgânica da Magistratura. Está claramente definido. O juiz deve ser um modelo de cidadão. O que a gente sempre preza é a imparcialidade da magistratura. É isso que faz com que a população acredite no Poder Judiciário. O juiz é imparcial.

Eu acho que, dentro dessa linha de imparcialidade e discrição, o magistrado tem de adotar condutas que realmente o tornem sujeito digno de toda credibilidade. Se você pegar o código de ética, está muito claro lá que o juiz não pode emitir opiniões sobre os processos dos quais está cuidando.

A manifestação pública dele deve ser sempre reservada no sentido de apenas discutir questões jurídicas, teses, eventualmente uma opinião sobre um aprimoramento legislativo, sem se pronunciar sobre casos concretos , situações específicas.” Porque, na medida que o juiz eventualmente emita um juízo de valor sobre uma situação pontual, ele pode estar infringindo o próprio dever de imparcialidade e adiantando um possível julgamento.

Então a proposta de resolução do CNJ é desnecessária?

Eu acho que o CNJ está preparando um manual para difundir as informações que já existem no Código de Ética e na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Essa legislação já existe. Se você pegar o artigo 8º do código de ética, está dito bem claro que é dever do juiz manter-se equidistante das partes, evitar qualquer comportamento que indique favoritismo, predisposição de julgamento.

O artigo 13º vai dizer que o juiz não pode buscar, de maneira desmesurada, reconhecimento social. Tem de ser discreto. Não pode buscar autopromoção em publicações de qualquer natureza. O uso de redes sociais, como toda atividade judicial, tem de ser discreto.

Nos artigos 35º e 36º da Loman, está escrito que o magistrado não pode se manifestar nos meios de comunicação emitindo opiniões sobre questões de fato, processos pendentes, juízo depreciativo, sobre despachos, votos, sentenças de outros juízes, de outros tribunais. Já existe no regramento essa previsão.

Evidentemente que o juiz é uma pessoa que, pelo dever de imparcialidade, tem restrições sim nos comentários que ele faz. A própria Constituição veda a atividade político-partidária do magistrado. Ele não pode ser filiado a partido político.

No ano passado, o CNJ abriu processos para averiguar condutas de juízes que se manifestaram a favor de candidatos nas eleições. O que o senhor acha disso?

Eu não posso te dar uma resposta específica sem conhecer um contexto. Mas, se for num contexto em que o juiz esteja atuando em processos que envolvem autoridade, processos de improbidade administrativa, que envolvem autoridades políticas, eu diria que não é recomendável.

Traz suspeição ao juiz?

Suspeição eu não diria, mas arranha sua imparcialidade. As pessoas confiam no Poder Judiciário pela imparcialidade. Acreditar que a pessoa que está julgando não tem preferência ideológica, político-partidária. Você acredita que aquele cidadão é uma pessoa que vai olhar a lei, vai interpretá-la e vai aplicá-la de maneira imparcial.

O código de ética diz que magistrado tem de se comportar na vida privada de maneira a dignificar sua função. A atividade dele impõe restrições, exigências pessoais distintas do cidadão em geral. O sujeito que faz concurso para juiz já sabe disso. Ele não é um cidadão comum pela responsabilidade que ele tem.

O juiz não pode então postar uma foto na rede social fazendo exercícios na academia?

Não chega nesse nível. O sujeito está mostrando uma atividade da vida privada que não tem influência nenhuma no julgamento dele.

Em relação à Operação Lava Jato, alguns veículos de comunicação estão mostrando conversas entre o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dalagnol. O senhor acha que eles faltaram com o dever da imparcialidade?

Estamos hoje numa grande discussão sobre a imparcialidade. É uma reflexão que todos nós devemos fazer. Todos os advogados, promotores, todos nós temos que fazer. A população olha o Poder Judiciário como um poder equilibrado, que tem imparcialidade. Se isso ficar arranhado, se começar a haver dúvidas sobre isso você começa, por conta de comportamento, a prejudicar o exercício do poder no País, isso é péssimo para a democracia.

Eu não estou dizendo que aquelas gravações são verdadeiras. Tanto que nós advogados questionamos o uso de provas ilícitas. Não estou fazendo juízo de valor nenhum sobre se Moro falou com Dalagnol, se Dalagnol falou com Moro. Não é isso.

Só estou dizendo que tudo isso está trazendo um debate na sociedade que é importante. Todos nós temos de enfrentar isso. E realçar que o nosso compromisso tem de ser com a imparcialidade.