As opções de candidatos a vereador cresceram 61% nas eleições municipais deste ano, com recorde de 567 nomes que disputam 19 cadeiras da Câmara de Londrina. O número amplia o leque de opções ao eleitor, mas também impõe um desafio ao cidadão para filtrar quem realmente está preparado para desempenhar esse papel de representante da comunidade no Legislativo municipal.

Imagem ilustrativa da imagem O papel do vereador contado por quem vivenciou a história recente da Câmara
| Foto: Devanir Parra/CML

Para poder explicar melhor o papel de um vereador e entender sobre a dinâmica da atuação parlamentar, a FOLHA buscou ouvir duas ex-vereadoras que estão fora da disputa neste ano e são as mulheres mais experientes da história da Câmara Municipal de Londrina: Sandra Graça (2001-2016) e Elza Correia (1997-2002/2013-2016).

Sandra sempre foi pessoa forte do grupo do ex-prefeito Antonio Belinati, tendo integrado os quadros do PP de Londrina até 2013. Já Elza Correia teve longa história política de militância pela participação feminina e esteve do lado oposto do "belinatismo" como uma das protagonistas da cassação de Belinati no ano 2000. Apesar de serem de espectros políticos distintos na história recente da política local, as duas parlamentares contam que convergiram em debates importantes no município, como a luta por mais vagas em cheches ou na árdua discussão do plano diretor.

Também por motivos distintos, ambas estão fora da disputa deste ano. Elza, agora no Cidadania, deixou de disputar a reeleição em 2016 por conta da coligação do então PMDB com o PP de Marcelo Belinati e este ano não quis concorrer. Já Sandra Graça - que foi candidata a prefeita há quatro anos - disse que motivos pessoais e o desgaste político no seu último mandato aceleraram o projeto de aposentadoria do parlamento.

REPRESENTATIVIDADE

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| Foto: Roberto Custódio

Ao longo de oito décadas, a Câmara Municipal só teve 11 mulheres no legislativo. Atualmente, das 19 cadeiras apenas uma é ocupada por uma vereadora. Para Elza Correia, a baixa representatividade é reflexo da falta de empenho dos partidos e enfraquece a democracia. "Eu não tenho dúvida de que o lugar da mulher é onde ela quer estar, inclusive na política." A ex-vereadora salienta que a mulher, por exemplo, tem um olhar diferenciado para questões como orçamento e educação, entre outros gargalos. "É uma matemática que ainda estamos lutando"

Apesar de ser mais da metade do eleitorado, as mulheres representam apenas 33,4% do total de candidatos em Londrina: 191 no total. "Isso só mudará quando mudar a compreensão da sociedade sobre a políticas e alguns valores. Eu tive que me impor como vereadora e deputada muitas vezes se não passavam por cima de mim. Porque há machismo sim, há preconceito e há tentativa de desqualificar o mandato feminino", avalia Elza.

Já Sandra Graça defende o equilíbrio. "Não sou feminista, mas o equilíbrio é importante. Somos seres distintos, de forma de pensar diferente, mas que podem se complementar. Então sempre acho que esse ambiente com homens e mulheres tendem a deixar o legislativo melhor, mais forte."

Independente da causa feminista, ambas defendem que os parlamentares não devem estar fechados ao debate segmentado. "Eu mesmo não tinha uma bandeira. É claro que os assuntos da educação me são caros, como inclusão dos deficientes. Mas na Câmara discute-se a fundo zoneamento urbano, a saúde, sempre do mesmo nível", recorda Sandra. "Todas questões passam pela Câmara, temos que ampliar o nosso raio de discussão", diz ela. "É preciso que o vereador tenha um olhar holístico", completa Elza.

CAIXA DE RESSONÂNCIA

Mesmo entrevistadas em dias separados, as duas ex-parlamentares tiveram respostas semelhantes ao serem questionadas sobre o debate promovido na última legislatura (2017-2020). Neste período, foram discutidos a privatização da Sercomtel, o Plano Diretor e a atualização da planta genérica de valores do IPTU.

"Eu avalio como uma legislatura extremamente silenciosa. Os vereadores têm que levar a população para dentro do espaço público para discutir as agendas da cidade. Na famigerada votação do IPTU, muitos disseram que votaram enganados. Aquilo foi constrangedor. Não se pode votar enganado, tem que varar a madrugada se for preciso. Ter conteúdo e no mínimo saber em quê se está votando", critica Elza.

Para Sandra Graça, o caminho ficou mais fácil porque não houve oposição. "Não me lembro desse envolvimento. O vereador é um instrumento muito importante. Nada acontece na cidade sem passar pela Câmara. É preciso do Legislativo que discuta de forma fervorosa seus projetos, que compartilhe com a sociedade. Essa participação enriquece não só a discussão, mas ela muda o resultado."

A ex-parlamentar ainda cita a discussão de mudança de zonamento, que foi debatida pela legislatura passada em contrapartida com o Plano Diretor, que tramita a passos de tartaruga pela Casa. "Travamos discussões maduras para que o crescimento da cidade não estivesse atrelado única e exclusivamente à valorização imobiliária, mas também ao crescimento ordenado e humanizado", recorda Sandra. "Isso faz parte do processo democrático. Não era o Plano Diretor ideal, tivemos dificuldade, mas não deixamos de debater. Atuamos na defesa incondicional das áreas de preservação", frisa Elza.

PREPARO

As ex-vereadoras aconselham os futuros vereadores a se prepararem sempre. Não só em cursos de formação política, mas estudar os projetos de lei. "As pessoas não discutem política, ali é um fórum de debate. Tá tudo apagado, vemos o falecimento da politica, que está pálida, anêmica, matando organismo vivo, que é o parlamento", reflete Elza Correia.

Para Sandra Graça, o desempenho de um parlamentar é fruto de bastante estudo. "Se não conhece o tema, estude, ouça, se envolva de forma compromissada. Por acreditar nisso avalio que deu certo nosso trabalho".

INDEPENDÊNCIA ENTRE PODERES

Outro aspecto importante do vereador é a independência entre os Poderes, avaliam as entrevistadas. "Eu não preciso fazer oposição ao prefeito, nem dizer amém para tudo. É preciso confrontar o prefeito, se for preciso, abrir o debate. Dá para ter posição, sem necessariamente ser oposição. É bom para o gestor que o vereador leve os questionamentos, que ajude na tomada de decisões", explica Sandra.

Já Elza Correia recorda do período em que assumiu a liderança do ex-prefeito Alexandre Kireeff na Câmara em 2013. "Fui líder do governo, mas votei e lutei contra em alguns momentos. Não fui eleita para ser líder do prefeito. É bom que o cidadão entenda isso".

PROTAGONISMO

Também nos últimos 20 anos de história, a Câmara Municipal de Londrina cassou o mandato de dois prefeitos: Antonio Belinati (2000) e Barbosa Neto (2012). Também nos dois episódios políticos as duas vereadoras tiveram protagonismo no debate.

"Eu entreguei indícios de corrupção do então prefeito ao Ministério Público do caso Ama/Comurb. Não sou responsável pela cassação, mas meu papel foi entregar os indícios que a Câmara não quis receber. A violência que eu sofri diuturnamente de vereadores, de grupos belinatistas, foi muito forte, um massacre, eu vi de tudo", recorda Elza, que na eleição de 2000 acabou sendo a vereadora mais votada da história até então.

Sandra Graça também fala da pressão quando atuou como relatora da Comissão Processante do Caso Centronic em 2012, que viria a resultar na cassação de Barbosa Neto. "Eu fui relatora do processo de cassação do Barbosa. Isso porque antes de mim seis homens que foram sorteados desistiram" relembra. "Se não houver um Executivo forte, comprometido e transparente, a Câmara acaba virando um balção de negócios, como já vimos ocorrer em vários momentos da nossa história", reforça Elza.

PAPEL DO VEREADOR: LEGISLAR E FISCALIZAR

Legislar e fiscalizar os atos do prefeito fazem parte do papel do vereador, mas a cada legislatura acabam tendo seu peso. "Essa competição por projetos de leinão é inteligente. Londrina tem quantidade absurda de leis, muitas redundantes ou que não servem pra nada. Lei tem que ser revolucionária para atender a todos. Nunca fui campeã de lei, mas fui campeã de fiscalização", aponta Elza Correia.

Ela classifica como primordial o trabalho de fiscalização. "O papel do vereador é acompanhar de perto o orçamento, o dinheiro aplicado na educação, na saúde. Por que nas prestações de contas ninguém aparece? Será que os convites são feitos com antecedência? Quando aumentou o IPTU todo mundo reclamou, mas quem de fato foi procurar saber onde o dinheiro foi investido? A Casa não pode ser omissa, quando isso ocorre a população não se interessa"

Para Sandra Graça, o papel de propor leis é importante, mas a estatística não foi motivo de preocupação em 16 anos de atuação parlamentar. "Fiscalizar as contas públicas é uma constante no trabalho de vereador, tem que.estar atento, não é tarefa fácil, mas necessária. É fiscalizar não no sentido de prejudicar o agente publico, mas com a preocupação de mudar o rumo, consertar, apontar para que as correções sejam feitas".

CONVERGÊNCIA X DIVERGÊNCIA

As duas personagens dessa reportagem ressaltam a importância do debate de ideias. "Temos histórico diferente, partidos diferentes, de espectros diferentes, mas união no compromisso com a cidade. Virávamos umas leoas na defesa dos direitos da cidade, na defesa dos direitos da população, na defesa do orçamento. E muitas vezes divergimos, como no debate de gênero. Aquela legislatura comigo, a Lenir de Assis (PT) e Sandra foi exercício democrático muito grande", afirma Elza, se referindo à "bancada do batom", como era chamada a trinca formada por elas na legislatura de 2013-2016.

Sandra Graça também concorda que as divergências amadurecem o debate político. "Eu sou do partido do qual ela (Elza) tinha cassado o prefeito, mas a gente soube crescer, desenvolver dentro do próprio parlamento focadas no compromisso com o cidadão. Em muitos momentos seguramos a estrutura das discussões", relata.

DESPEDIDA

Mesmo com longo histórico de lutas e desgastes políticos, ambas as parlamentares decidiram deixar a disputa por motivos diferentes, mas que as unem nos ideais sobre o futuro da política local e da Câmara. Elza Correia explica que o cargo de vereador não pode ser vitalício nem hereditário entre clãs políticos. "Eu aprendi que a gente não pode ficar muito tempo no cargo eletivo. A democracia roda, tem movimento de vacância. Precisamos de renovação - mas não de idade ou de pessoas. É preciso renovar os ares, as ideias. Abomino conservadorismo, o silêncio e o clientelismo. Quando se tem essa oportunidade de ser vereador é preciso mostrar que a política é vital para a cidade" finaliza.

Já Sandra Graça admite que largou a política após desgaste que enfrentou na tentativa de abertura Comissão Processante contra ela em 2014, processo que acabou arquivado. À época, o pedido de cassação partiu do então suplente de vereador Boca Aberta com base na condenação em primeira instância do caso de um suposto assessor fantasma. "Foi uma decisão difícil, profunda, passei por muitas alegrias e momentos difíceis na política. Encerro aqui minha carreira na Câmara, mas espero que novos talentos apareçam com interesse de entrar de cabeça nesse processo."