A diversidade social e sua representatividade na política têm ganhado papel fundamental no debate eleitoral. Não à toa, o comportamento dos representantes da vida pública – não só no Brasil – vem sendo questionado. Por aqui, os protestos de junho de 2013 inauguraram um novo capítulo da nossa jovem democracia. Nas últimas eleições, muito se falou em velha e nova políticas, assim como a opinião pública exposta na Internet por meio das redes sociais se mostrou mais poderosa do que os meios tradicionais de comunicação como a televisão. Como uma resposta, ainda que discreta, para um novo comportamento de membros do legislativo, uma modalidade tem ganhado força: os mandatos coletivos.

Imagem ilustrativa da imagem Muitas ideias em um único mandato parlamentar
| Foto: Roberto Jayme/TSE

Em Londrina, o PT e o PSOL propuseram duas chapas neste modelo, cada. Outros partidos buscaram a tentativa de iniciar essa forma que pode representar uma mudança positiva na execução da vida pública. Uma das chapas apresenta dois integrantes, e a outra, quatro pessoas. A presidente do partido na cidade, a professora aposentada Giane Souza Silva, explica que a ideia é reunir diferentes interesses com a mesma finalidade. “As pessoas têm as mesmas afinidades e o mesmo projeto social para Londrina. Por isso, se juntaram para somar forças. Penso que elas conseguem aglutinar ideias, por isso, um dos grupos criou uma carta, uma espécie de termo de compromisso em que apresenta como quer trabalhar”, explica. Demais legendas foram procuradas para falar sobre a existência de tal modalidade, mas alguns não responderam até o fechamento desta edição.

Na teoria, nada muda. Mas, na prática, a forma de se trabalhar o posto conquistado nas urnas é bastante diferente. Uma pessoa é eleita, mas se compromete a dividir o poder com um grupo de cidadãos. No Brasil, o mandato coletivo ou compartilhado não é oficial, não está previsto na lei. Ele é exercido a partir de um acordo informal entre o parlamentar eleito e o grupo que o apoia. A ideia é que diferentes elementos da sociedade estejam representados. “Somente quem foi registrado vai poder realizar as atividades parlamentares, mas esta tem sido uma forma de fundamentar a representatividade que tem ganhado importância. É um modelo com o qual ainda estamos nos acostumando e traz mais representatividade. Quem é o eleito busca discutir os temas e busca um consenso do grupo”, detalha o advogado Alexandre Melatti, coordenador da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB Londrina.

AGLUTINAÇÃO

De forma geral, os mandatos coletivos têm uma clara tendência ideológica que acaba sendo uma barreira de entrada para a participação de pessoas que não compartilham da mesma visão de mundo. Eles geralmente se apresentam em número reduzido de coparlamentares, que, em geral, se conhecem ou têm proximidade. A ideia é que haja uma pluralidade e que seja exercido de forma heterogênea. Engana-se quem pensa que o objetivo seja abranger o interesse geral da sociedade, assim como não se fecham para a participação de pessoas de viés ideológico contrastantes. “Este é um modelo que tem sido mais aceito pelos partidos da esquerda. Em São Paulo, há uma discussão mais forte nesse sentido. Penso que esse trabalho coletivo seja uma resposta da própria sociedade às falhas que os partidos têm de aglutinar pessoas e até ideias”, opina Melatti.

Segundo levantamento da organização suprapartidária RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), entre os anos de 1994 e 2018 foram mapeadas 94 pessoas que experimentaram em suas candidaturas as lógicas coletivas ou compartilhadas. Esses 94 candidatos e candidatas concorreram em 110 campanhas legislativas em todo o Brasil, em diferentes momentos. As candidaturas foram para os cargos de vereador, deputado estadual, deputado federal e senador, dispersas em 50 municípios, 17 estados da federação, representando 22 partidos políticos distintos. Juntos, atingiram mais de um milhão e duzentos mil votos válidos. “A grande expansão se deu após as eleições municipais de 2012 e as eleições gerais de 2014 – sete candidaturas e cinco mandatos –, com grande destaque para o último biênio estudado, com 98 candidaturas e 22 mandatos”, aponta o estudo coordenado pelo cientista social catarinense Leonardo Secchi.

PERSONALISMO

Um exemplo recente da presença desse novo modelo no poder legislativo federal é a iniciativa denominada Talentos do Congresso, criada pelos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Tábata Amaral (PDT-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), eleitos em 2018. Eles propuseram que seus gabinetes fossem unidos fisicamente e compartilhados com um time de pessoas civis, consolidando um Gabinete Compartilhado na Câmara Federal. Atualmente, há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) na Câmara para implementar o mandato coletivo no Poder Legislativo. Ela está parada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) desde 2017. “Parece que tem funcionado. Eu imagino que seja uma tentativa de melhorar a representatividade e oxigenar a política”, aponta o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

Um dos principais problemas apontados pelos estudiosos, a crise de representatividade dos partidos políticos, e o consequente incremento no personalismo na política são atacados diretamente no modelo de mandatos coletivos. Apesar da falta de definição, por exemplo, sobre a remuneração dos envolvidos no grupo, o principal avanço é quanto à discussão a partir de diferentes pontos de vista. “Temos visto a eleição de líderes populistas, que advogam a partir da fake news, da pós-verdade, do negacionismo de diversas ordens. Neste ponto de vista, os mandatos coletivos permitem que o poder possa ser mais capilarizado e dividido. Sou mais favorável a esse modelo, do que ver um vereador no cargo por 30 anos seguidos”, pondera Prando.