Pesquisa feita no Brasil mostra que 51% das crianças entrevistadas se abrem mais na internet do que com os pais; e 46% afirmam que se tivessem mais atenção da família, passariam menos tempo no celular
Pesquisa feita no Brasil mostra que 51% das crianças entrevistadas se abrem mais na internet do que com os pais; e 46% afirmam que se tivessem mais atenção da família, passariam menos tempo no celular | Foto: iStock

Apenas um clique e é possível ter acesso a milhares de informações e recursos que crescem diariamente. O celular tem se tornado cada dia menos uma ferramenta de comunicação, para ocupar o posto de ferramenta indispensável de trabalho, entretenimento e de realização de tarefas diárias. O problema é como lidar com toda essa tecnologia em excesso na vida das crianças, quando nem mesmo os adultos encontraram um limite saudável para o uso dos eletrônicos.

Os dados de diferentes pesquisas preocupam especialistas, de acordo com uma pesquisa da revista americana "Sleep", feita com crianças de até 8 anos, cerca de 50% delas acordam pelo menos uma vez à noite para olhar as redes sociais. Um outro estudo realizado no Brasil pela pesquisa "Consulta Brasil: o que as crianças e adolescentes têm a dizer sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC)", uma iniciativa da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, revelou que entre 6,3 mil relatos de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos do país, 86% usam a internet diariamente e 80% acessam pelo menos uma vez ao dia.

Para o psicólogo pós-graduado em desafios da contemporaneidade e psicanálise, Gustavo Chagas, o primeiro passo para reeducar crianças é refletir sobre que uso os adultos estão fazendo da tecnologia. “Nós somos os modelos. A grande diferença entre os impactos na vida de um adulto e na vida de uma criança é que crianças são seres em desenvolvimento, tanto corporal, físico, como mental e psicologicamente. Por isso os impactos, com certeza, são mais sérios. E se não nos desenvolvermos adequadamente nesse sentido, que adultos essas crianças serão?”, destaca o especialista.

OS PRIMEIROS IMPACTOS

Gustavo Chagas, psicólogo: "A gente precisa do outro para se tornar uma pessoa, mas essa tarefa está sendo terceirizada pela tecnologia"
Gustavo Chagas, psicólogo: "A gente precisa do outro para se tornar uma pessoa, mas essa tarefa está sendo terceirizada pela tecnologia" | Foto: Divulgação

Ter em mente que as crianças de hoje serão os adultos de amanhã deve ser a principal motivação para pensarmos novos caminhos para uma relação mais saudável com as telas em todas as gerações. Dentre os principais impactos do excesso de tecnologia na vida dos pequenos estão problemas de socialização, dificuldade de prestar atenção nas coisas e questões de responsabilidade.

“A gente precisa do outro para se tornar uma pessoa, mas essa tarefa está sendo terceirizada pela tecnologia. A interação tecnológica não substitui a interação física. Além disso, qualquer tela que seja tem muitos estímulos e tudo é cada vez mais selecionado para quem está assistindo, o que é muito mais atrativo para aquela criança do que outra atividade que precise de mais atenção dela”, pontua Gustavo Chagas.

É nesse sentido que surgem os problemas com responsabilidade, da dificuldade de conseguir responsabilizar alguém, criança ou adulto, que está o tempo todo de frente para uma tela. “Não é uma questão de demonizar a tecnologia, mas precisamos fazer um controle desse uso, principalmente das crianças”, alerta o psicólogo.

FALTA DE ATENÇÃO, EXCESSO DE TECNOLOGIA

Além do excesso de contato com a internet e as telas, a pesquisa brasileira mostrou que 51% dos entrevistados se abrem mais na internet do que com os pais e 46% afirmam que se tivessem mais atenção da família, passariam menos tempo no celular. O problema não está no uso da tecnologia e da internet pelas crianças, mas no excesso dele. A boa notícia, é que existem caminhos para superar esse obstáculo.

A falta de atenção dos pais é um dos principais agravantes para que as crianças se prendam aos eletrônicos. O celular ou tablet se torna, em muitos casos, uma forma de ocupar a criança para que ela não dê trabalho, mas é essa falta da família que acaba sendo preenchida pela tecnologia na vida das crianças e impactam o desenvolvimento delas. “Qualidade é melhor do que quantidade. Às vezes tem um pai que fica com a criança o dia todo, mas está sempre no celular. E em outras, um pai ou mãe que trabalha o dia inteiro, mas chega em casa e consegue ter um tempo de qualidade com o filho. E isso é muito importante”, explica Gustavo Chagas.

Crianças precisam de atenção, espaço e ocupar a maior parte do tempo brincando. O que pode parecer uma obrigação para os adultos, deve ser encarado como um convite da criança para estar junto. Como questiona o psicólogo: “Não é fácil fazer tudo isso, mas precisamos apostar nas crianças e quando terceirizamos essa função para a tecnologia, que lugar é esse que estamos colocando os nossos filhos? Um lugar de gente que age no mundo? Que faz as próprias mudanças? Ou de alguém que precisa ficar quieto na frente do celular?”

Para uma relação saudável entre as crianças e a tecnologia, a orientação profissional do psicólogo Gustavo Chagas é incluir os eletrônicos em horários pré-definidos na rotina. As regras variam de acordo com cada família, mas é importante ter uma organização e lembrar que no mundo real existem muitos limites e que as crianças precisarão lidar com eles no futuro.

SINAIS DE ALERTA

Existem alguns sinais de que a tecnologia está ocupando mais espaço do que deveria na vida das crianças e que podem ajudar os pais e responsáveis a identificar quando é necessário pedir ajuda profissional. Dentre os principais sintomas estão, a dependência - quando a criança não consegue ficar longe da tecnologia, quando não consegue ou apresenta dificuldades de socializar, está constantemente chorosa, não consegue fazer amigos ou se desenvolver. É importante que os pais estejam atentos aos sinais e aos pedidos de ajuda que podem aparecer no comportamento ou até mesmo em forma de brincadeira.