Atemporal. Assim é a escritora Ruth Rocha, 90 anos, reconhecida pela capacidade de formar gerações de leitores. No mês em que algumas datas destacam a importância do Livro- em 2 de abril é o Dia Internacional do Livro e da Literatura Infantil. Em 18 de abril, o Dia Nacional do Livro e, em 23 de abril, Dia Mundial do Livro - dar espaço à escritora é simplesmente considerar o valor de seu ofício.

Para a Docente do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina, Sueli Bortolin, sua importância é inquestionável e Bortolin lembra que a autora teve obras consideradas como “Altamente Recomendáveis para Crianças” pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). "Em consequência desse trabalho, em conjunto com outros autores, o atual cenário brasileiro da literatura infantojuvenil é riquíssimo", avalia.

Com satisfação, Sueli Bortolin diz: "Ruth Rocha sempre esteve envolvida na área de produção literária para crianças exercendo várias funções, entre elas: tradutora, adaptadora, editora de coleções e organizadora de incontáveis eventos. Só por essa atuação já teria importância fundamental para o nosso país. Como escritora ela está entre aqueles que dos anos 1970 para cá, abriram caminhos, inovaram com tanta potência que permitiram ao Brasil receber ou ser indicado para premiações internacionais."

Diante da vasta obra, Bortolin é capaz de separá-la por temas e estilos. Diversão, Informação, Humor com crítica social podem ser desvendados nas leituras de publicações como em "O que é o que é?, " Este admirável mundo louco", "Uma história de rabos presos", entre outras.

Sueli Bortolin: “Ruth Rocha está entre aqueles que dos anos 1970 para cá, inovaram com tanta potência que permitiram ao Brasil receber ou ser indicado para premiações internacionais"
Sueli Bortolin: “Ruth Rocha está entre aqueles que dos anos 1970 para cá, inovaram com tanta potência que permitiram ao Brasil receber ou ser indicado para premiações internacionais" | Foto: Roberto Custódio/ Arquivo Folha 12-03-2020

TEMÁTICAS

Bortolin ainda enxerga o viés ecológico da autora na obra: "Azul e lindo: planeta terra, nossa casa"; a solidariedade, em "Declaração Universal dos Direitos Humanos", e esmiúça o quão libertária é a obra "Marcelo Marmelo Martelo": Marcelo é um menino criativo que coloca o nome nas coisas e quando reprimido pelo pai, pergunta: "Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas?". Do ponto de vista de Bortolin, essa caracterísitca atiça no leitor o desejo de sair pelo mundo afora criando palavras.

Em "Marcelo Marmelo Martelo, publicado originalmente no ano de 1976, ou seja, 46 anos atrás, o leite é suco de vaca, o cachorro deveria ser Latildo, a colher de cozinha, mexedor, e assim por diante. "Gosto disso e me lembro do meu pai: quando não concordava com o uso de alguma palavra, mudava divertidamente. Por exemplo: ele dizia que o elevador panorâmico deveria chamar “visorâmico”, pois dava a visão de tudo que está fora dele", recorda Bortolin.

Em relação ao livro "Dois Idiotas Sentados Cada Qual em seu Barril", explica que a obra, de 1983, denunciava a disputa de grandes potências. Na sua primeira edição na capa, há dois homens, o Teimosinho e o Mandão que usavam na cabeça, uma cartola e uma espécie de boina. Eles estão sentados em seus respectivos barris de pólvora e um exige do outro que apague a sua vela. "Brigam até que catrapum! Essa condição social beligerante ainda está entalada nas nossas gargantas", analisa.

E complementa: "Na terceira capa do livro há uma observação que gostaria de destacar: “[...] é um livro para crianças. Mas também para adolescentes e para adultos, ou seja, para qualquer pessoa que ainda sonhe com um mundo melhor. Tudo isso para negar as palavras da autora que outro dia declarava: escrevo para crianças porque não acerto com adultos", explica.

Sobre Reizinho Mandão, publicado em 1978, próximo ao período da extinção do AI-5, lembra que toda relação é de momentos de permissões e de limites. "É uma obra forte que descontrói o autoritarismo político, mas vale para qualquer relação e ambiente, pois se o “Rei” não te respeita e só quer ser obedecido é necessário mostrar a língua para ele, pois um “Rei” que não está aberto para negociação não nos representa. Quanto ao poder que essa obra pode ter, e que considero mais importante, é a capacidade de colocar “macaquinhos no sótão” do leitor de qualquer idade.

A presença da autora em sala de aula

A Professora Vânia Alves atua no Centro Municipal de Educação Infantil Clélia Regina de Almeida Zotelli e Escola Municipal Eurides Cunha, turmas do P4 e 5° ano, respectivamente, da rede municipal de Londrina. Graduada em Ciências Sociais e Pedagogia pela UEL - Universidade Estadual de Londrina - possui Especialização em Trabalho Pedagógico em Educação Infantil pela UEL e também é Especializada em “Contação de Histórias e Literatura Infantil Juvenil” – FATUM.

Professora Vânia Alves: "Ruth Rocha é uma das maiores escritoras de literatura infantojuvenil da atualidade e alcança um público amplo"
Professora Vânia Alves: "Ruth Rocha é uma das maiores escritoras de literatura infantojuvenil da atualidade e alcança um público amplo" | Foto: Divulgação

Para a professora que é uma incentivadora da leitura, Ruth Rocha é uma das maiores escritoras de literatura infantojuvenil da atualidade. "Mas capaz de alcançar facilmente o público muito mais amplo". Alves lembra que Ruth Rocha retrata em suas obras situações cotidianas, mas sem perder o encanto e a magia características da infância. "São obras de extrema qualidade literária que permitem grande interação com seu leitor. Escreve com uma linguagem deliciosa com pitadas de humor, magia e poesia. Por essa razão, o envolvimento do leitor é garantido, pois ele se vê retratado e envolvido por personagens que parecem ter vida própria", expõe.

Sobre a atemporalidade dos temas de Ruth Rocha, ela considera pertinente assim tratá-la. "Sem dúvida, a terminologia atemporal define muito bem as obras da escritora Ruth Rocha. Há tempos, ainda na minha vida estudantil, tive contato com o livro, “Marcelo, Marmelo, Martelo” e hoje na condição de professora, faço uso das mesmas obras. Evidentemente, que com um novo olhar, mas não menos encantada", ressalta.

A CADA LEITOR UMA CONQUISTA

De seu ponto de vista, em relação ao incentivo à leitura, o papel do professor no trabalho de conquista entre o livro e o aluno deve ser permanente. "Cabe à escola e ao professor criarem situações que motivem a criança desde cedo a gostar de ler, ter contato com bons livros e proporcionar elementos para sua imaginação." A educadora acredita que o livro é capaz de extrapolar o aspecto alfabetizador da escola graças à sua dimensão.


Com propriedade, Alves abre um parênteses para valorizar as ilustrações presentes nas obras da autora. "Elas têm me auxiliado com as crianças estrangeiras, principalmente na educação infantil, onde a barreira da língua é um obstáculo a mais a ser superado", destaca. Alves reforça que a literatura contribui para que haja uma compreensão da nossa língua, a mediação do professor nesse processo para formar leitores é fundamental. "Daí a importância do contador de história, pois este é capaz de estabelecer um elo entre o ouvinte e um livro", diz.

Com embasamento, a professora considera outro aspecto que a coloca na condição de atemporal e que mantém o seu valor: "Refere-se ao aspecto político que obviamente permeia algumas de suas obras, tal como, “O Reizinho Mandão”, que foi escrita durante o período militar, mas claramente podemos perceber traços que vivenciamos atualmente e tudo isso sem perder a ludicidade que é outro aspecto sempre presente em suas obras", cita.

A professora está ciente dos desafios da Educação e o universo digital é um deles. "Livros ou mundo digital?", questiona. " Ess é um novo aspecto que faz parte do nosso cotidiano enquanto educadores. Estamos falando de uma geração que já nasce com a tecnologia ao seu alcance, principalmente em um período pandêmico que ainda estamos vivenciando, é uma “geração conectada”. Mas cabe à escola continuar buscando estratégias para manter o encantamento pelo livro", pensa.

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