A educadora artística Maria de Fátima Carvalho Bernardo, 63 anos, nasceu em Feijó, no Acre, distante 400 quilômetros da capital. Ela teve um irmão e, com a separação dos pais, foi morar com a mãe em outros lugares da região amazônica. Só teve a oportunidade de ir para a escola aos 12 anos. “Vivia em plena selva, era uma realidade completamente diferente do meio urbano e o que eu podia aprender, aprendia.”

Ela começou a bordar aos oito anos de idade e, não por acaso, essa foi sua área de escolha profissional. Desde a década de 70, por conta da transferência do marido, o bancário José Bernardo, ela vive em Londrina. Fátima tem três filhos: Betânia é médica, José Bernardo é formado em Administração e estuda de Direito e Thiago é formado em Educação Física.

Formada em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela UEL, de modo sensível e didático, Fátima divide seus conhecimentos como professora e, de modo sábio, divide a chama de sua luz e alegra-se por duas experiências em especial: a de atuar como professora no sistema prisional, além de dar aulas de mosaico em projetos especiais. Ela também é professora no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) e já atuou no EJA - Educação de Jovens e Adultos.

Fátima Bernardo: professora de artes só pode conhecer os bancos escolares aos 12 anos de idade
Fátima Bernardo: professora de artes só pode conhecer os bancos escolares aos 12 anos de idade | Foto: Arquivo pessoal

O que você mais gostava de fazer na escola quando criança?

Gostava brincar de “Cinco Marias”, chegava até antes para poder brincar por mais tempo. Nós mesmas fazíamos polindo só as pedrinhas e era uma alegria chegar às dez etapas. Também havia as brincadeiras de roda e as canções que repetíamos sem cansar: 'Tororó', 'Atirei o pau no gato” e 'Pobre de marré, marré.”

Qual a melhor lembrança desse período de escola?

Havia muito respeito aos professores, eram como nossos pais e um dos prêmios por bom comportamento na Amazônia, era ganhar um passeio de barco. Eu sempre ganhava.

O que você gostava de comer na hora do recreio?

Não tínhamos padaria, não havia a cultura do pão. Tomava leite com milho ralado e o fubá era feito na hora, tudo caseiro e feito manualmente. Na escola também serviam leite, tinha sopa e minha mãe mandava fruta. A minha favorita era a banana da terra.

Como foi o processo de aprendizagem para a menina que iniciou os estudos aos 12 anos?

Coloquei todas as minhas expectativas nesse conhecimento que eu poderia captar. Em casa não tinha rádio, TV nem livros. Sempre fui de anotar e prestar atenção. Era interessada. A sala era mista, com várias idades, e eu sabia que tinha que me virar. Fazíamos estudo em grupo e desde então aprendi que quem sabe mais ensina e também aprende. Hoje também sou fã de poesia e outras leituras como Casemiro de Abreu, Ana Maria Machado e Rubem Alves.

Como era o trajeto para a escola?

Minha vida foi muito sofrida no começo. Não nasci em berço de ouro. Íamos a pé e certa parte das ruas não tinha calçada. Quando chovia, íamos de guarda-chuva, mas levava o chinelinho na mão, dentro de um saquinho para não sujar. Em uma casa próxima à escola, a gente parava, pegava água do poço com uma canequinha, lavava as pernas e colocava o chinelo para entrar na sala limpinho.

E o uniforme?

Era uma saia azul com duas pregas e uma camisa branca de algodão. Com o tempo, a saia ia descorando. A gente desmanchava toda a saia, virava do avesso e ela ficava como se fosse nova. O bordado da camisa tinha um emblema bordado e foi aí que ganhei meu primeiro dinheiro, ao bordar o logotipo da escola. Aprendi com minha mãe Tereza. Ela tem 89 anos e até hoje borda e faz crochê.

Como era a escola?

A escola se chamava José Rabelo, tinha uma varanda com arcos e gostávamos de ficar ali debruçados. A sala era de madeira e embora eu estivesse “atrasada” para estar começando, me sentia feliz.

Que materiais escolares vocês usavam?

Era uma vida de sacrifícios. Não tinha nem como comprar um caderno. Minha mãe juntava folhas de papel almaço, cortava, costurava na máquina e fazia uma capa com folha de revista para deixar mais bonito. Eu ia à casa da minha prima que tinha livros para poder estudar. Sempre fui muito dedicada.

Quando criança imaginava que teria essa profissão?

Naquela época, ninguém comprava um enxoval pronto. Era tudo bordado. Tive uma excelente professora, fundamental na minha vida até hoje, dona Mariazinha Leitão e em troca de algumas galinhas que a minha mãe criava, eu podia fazer meus materiais com ela. O bordado sempre fez parte da minha vida e assim escolhi a Educação Artística. Sinto muito alegria no que passo adiante porque as pessoas colocam a criatividade em prática por meio das artes. Como mediadora, valorizo também a sustentabilidade e as pessoas passam a olhar para o lixo de um outro modo. Estamos preparando mandalas lindas para o Londrina Mais, evento educacional, e são feitas a partir de CDs que perderam sua função.