Numa manhã de quinta-feira, dezenas de pais entram no pátio da Escola Municipal Dalva Fahl Boaventura, na zona sul de Londrina, e aguardam ansiosos pela apresentação de seus filhos. A união das vozes das crianças de diferentes idades passou por diversas músicas e mostrou, na prática, a experiência do projeto de Um Canto em Cada Canto, da Secretaria Municipal de Educação.

Entre os presentes estava a professora municipal e doutoranda em Educação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), Bruna Yamashita, 40, que investiga os encontros entre a educação escolar e a cultura, com ênfase às práticas artistas mantidas pelo Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura).

Ela conta que sua pesquisa nasceu ainda durante o mestrado, quando estudou como o município empreendeu a educação desde a sua formação, em 1934. O recorte, que ia até à década de 1960, evidenciou uma relação muito forte com a cultura e possibilitou à pesquisadora criar um acervo desse caldeirão cultural.

“Isso se deve um pouco à formação de Londrina, que desde o princípio recebeu mais de 30 etnias de imigrantes e migrantes paulistas e do Brasil. As pessoas vieram aqui cheias de suas culturas, e se tornaram praticantes nesse território, que é uma terra indígena”, conta.

Já no doutorado, Yamashita identificou que Londrina, em comparação com todas as capitais brasileiras, foi a primeira cidade a organizar seu sistema de cultura próprio. “Londrina foi a primeira a organizar seu Fundo Municipal de Cultura, seu sistema de cultura, e continuar financiando esses projetos que já existiam na cidade [por ação de uma lei de incentivo da década de 1990]”, explica a pesquisadora, ressaltando que decidiu analisar o projeto Um Canto Em Cada Canto por sua longevidade nas escolas. É importante destacar, também, que há outras ações mantidas pelo programa cuja aplicação ocorre na rede municipal de ensino.

“Sempre me chamou muito a atenção como as diferentes artes chegavam através do Promic, em projetos diferentes. Sempre que eu observava um projeto do Promic entrando, alguma coisa mudava no rumo da escola, na conversa das crianças, no diálogo das professoras. Isso é um repertório novo”, avalia.

Desde seu surgimento, a estimativa é que mais de 12 mil crianças londrinenses tenham passado pelo canto coral. Nesse período, muitas pessoas tiveram suas vidas mudadas pela experiência com a música. “Isso transborda na vida das crianças”, resume.

No dia 22 de junho, a professora Bruna Yamashita fez uma apresentação sobre sua pesquisa de doutorado durante o III Encontro Internacional Todas As Artes | Todos Os Nomes, realizado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), em Portugal.

IMPACTO

A pesquisadora explica que fez uma parceria com o professor Magno Rogério Gomes, do Departamento de Economia da UEL, para chegar a uma equação que desse conta de entender o valor que o projeto tem na cidade. De modo geral, foi elaborada uma equação que mostra quanto ele custa, hoje, e quanto as famílias teriam que gastar para seus filhos terem acesso às aulas de canto coral.

“Chegamos à conclusão que o projeto custa aproximadamente 4% do que realmente custaria [com aulas particulares às famílias]”, afirma Yamashita, que agora caminha para a fase final da sua pesquisa. “A equação que chegamos na tese é de que, quanto maiores os repertórios, maior a aprendizagem e maior o desenvolvimento”, acrescenta. Outra parceria foi com o Departamento de Design Gráfico da UEL.

ESTRUTURA

Na avaliação da pesquisadora, Londrina tem um sistema cultural “muito bem organizado”, e a pesquisa é importante para evidenciar uma experiência que sobreviveu às instabilidades e teve impacto profundo na cidade.

“Fizemos um levantamento e na Folha de Londrina, por exemplo, de 2002 a 2021, foram 1.893 matérias publicadas sobre o Promic. E aí eu pergunto: quais manchetes ocupariam os espaços do jornal se não fosse essa política cultural? O que seria de Londrina se não fossem tantas intervenções que aconteceram e acontecem através de uma política cultural tão instável, mas que causa tantos encontros nas escolas?”, questiona.

Yamashita também ressalta que o programa e as práticas culturais que foram asseguradas ao longo dos anos contribuem diretamente para o caráter do educador da cidade de Londrina.

“Avaliar o quanto isso transborda na vida da população é um trabalho infinito, pois as reverberações nas vidas dos sujeitos é geracional. Nosso desafio na conclusão da pesquisa é nos aproximar de uma pequena parcela do que significa essa relação, das práticas culturais com a educação das crianças, pois essa relação traz inúmeras linguagens artísticas capazes de despertar interesses e identificação dos saberes e do cognitivo, muito próprios a cada um, para um despertar genuíno de criatividade e desenvolvimento”, completa.

ESCOLA TEM PRIMEIRA EXPERIÊNCIA COM O PROJETO

Este é o primeiro ano em que os alunos da Escola Municipal Dalva Fahl Boaventura recebem as atividades do Um Canto em Cada Canto. Hoje, são vinte instituições da rede municipal contempladas pela Secretaria de Educação.

A coordenadora do projeto, Oleide Lelis, 59, lembra que a iniciativa surgiu em 2002, com a preocupação das professoras Magali de Oliveira Kleber e Lucy Schimiti com a falta de música nas escolas de Londrina.

“Elas se preocuparam com isso e queriam um projeto, já que estava começando o Promic, que propusesse um trabalho de música através da voz nas escolas”, diz. A ideia era justamente proporcionar às crianças o contato com a experiência musical no próprio ambiente escolar.

Lelis defende que a atividade contribui para um desenvolvimento integral dos alunos, uma vez que consegue trabalhar várias áreas do conhecimento.

“Nós não conseguimos nem mensurar o impacto que esse projeto tem. Porque a criança tem a oportunidade de se apresentar em público e cada ação que a gente faz tem um objetivo de desenvolver alguma coisa”, ressalta a coordenadora.

E todo esse trabalho culmina com uma grande apresentação no final do ano. É por isso que existe um repertório unificado que dialoga com as crianças. Há preocupação com as letras das músicas e extensão vocal, pensando também no acesso a outros idiomas.

“Se a gente está trabalhando uma música em hebraico, lá de Israel, a gente contextualiza aquele local. Leva um mapa, conta algumas características do local”, completa.

Silvia Helena de Freitas Ruiz, coordenadora pedagógica da escola Dalva Fahl Boaventura:"Tem coisas que as crianças vão levar para a vida, como outra língua, culturas, disciplina, ritmos"
Silvia Helena de Freitas Ruiz, coordenadora pedagógica da escola Dalva Fahl Boaventura:"Tem coisas que as crianças vão levar para a vida, como outra língua, culturas, disciplina, ritmos" | Foto: Douglas Kuspiosz

A coordenadora pedagógica da escola municipal, Silvia Helena de Freitas Ruiz, 45, conta que a instituição já desejava há muito tempo receber o projeto de canto coral, e que essa é uma ação que desenvolve cultura e outras habilidades nas crianças, para além do cantar. “Tem outras coisas que elas vão levar para a vida, como aprender uma outra língua, culturas, disciplina, ritmos, e tudo isso agrega no pedagógico.”

Ruiz ressalta que a apresentação do grupo foi para fazer o encerramento do projeto e mostrar o resultado dos primeiros três meses de trabalho com os alunos.

“Nesse período, nós já vimos como essas crianças se desenvolveram, não só na questão musical, mas em outras habilidades também”, completa.

Uma das alunas que se apresentou na última quinta-feira foi Valentina Tonetto Amaro Marcelino, 10, que descreve como “muito legais” as atividades. Sobre a apresentação, ela diz que “fica um som muito bonito, é um monte de vozes”, e que é uma experiência completamente diferente dos ensaios realizados.