Através da leitura recorrente a porta da educação se alarga cada vez mais. Esse é um dos métodos que dá bons frutos a longo prazo, produzindo mais criatividade em crianças, jovens e adultos, cidadãos que além de conhecer escritores, venham a ser autores dos seus próprios destinos, principalmente o profissional.

O Brasil, sendo um dos países com maior pluralidade de culturas dentro de seu território, possui inúmeros autores que abordam temas distintos, incentivar crianças e adolescentes a conhecerem essas visões de país, é uma forma de engajar e promover futuros adultos mais sábios acerca de sua cultura.

Esse caminho na busca pela educação de qualidade para todos, é visto em ações sociais e com políticas públicas do governo, mas há muitos projetos realizados por pessoas civis nos bairros espalhados por toda a cidade, o incentivo à leitura é uma questão da porta para dentro que afeta o portão para fora.

Biblioteca Pública de Londrina promove várias atividades ligadas à leitura que são abertas ao público em geral
Biblioteca Pública de Londrina promove várias atividades ligadas à leitura que são abertas ao público em geral | Foto: Divulgação

Na busca por criar novos leitores e trazer o livro para dentro da comunidades, principalmente visando aqueles que ainda estão no processo de construir os seus hábitos, Leda Maria Araújo, 44, Diretora de Bibliotecas Públicas de Londrina, nota no dia a dia as estratégias usadas para atrair cada vez mais o público para dentro desses ambientes: “Aqui, há projetos que estão em andamento, criados desde 2017, por exemplo, o ‘Literatura na Biblioteca’ e ‘Contação de Histórias’, eles estão em todas as outras que compõem o sistema de bibliotecas públicas de Londrina. O objetivo é inserir o livro no cotidiano de vida das crianças e contribuir para que elas tenham prazer pela leitura, e que o livro faça parte do cotidiano delas, queremos formar leitores críticos e reflexivos através de atividades lúdicas e recreativas”.

Os projetos de leitura oferecidos nas bibliotecas públicas de Londrina são abertos ao público geral para além das escolas que levam seus alunos para visitações assistidas, todas as crianças e jovens da comunidade podem participar e iniciar um processo de educação através de atividades livres e mecanismos alternativos para incentivo à leitura. Há projetos para todas as faixas etárias, desde criança até os idosos, são várias ações acontecendo dentro desses espaços públicos de convivência e incentivo.

Os resultados se mostram positivos, muitos dos que frequentam as aulas e oficinas de leitura, acabam ingressando em cursos, passando em vestibulares, graças às participações e ao contato com o livro adquirido através das bibliotecas. “Recebi mensagem de uma moça que participava das atividades de leitura dizendo que havia passado no vestibular, ela agradeceu e disse que foi incentivada aqui na biblioteca. Também teve o caso de um morador de rua que estudava aqui na Biblioteca Pública e os funcionários fizeram vaquinha e pagaram a inscrição do vestibular da UEL para ele, que foi aprovado e retornou para agradecer e dizer que foi um dos poucos lugares em que ele não foi olhado com preconceito, isso é muito gratificante”, comenta Leda.

Tais atividades não somente contribuem para a formação do cidadão leitor, mas consequentemente gera transformação social para indivíduos, permitindo que todos os moradores, independente da condição, possam sonhar. Aprender a ler e a escrever faz parte do desenvolvimento como pessoa, é uma outra forma de estar incluído no mundo, através da palavra, do vocabulário. Ampliar esses conhecimentos, melhora a autonomia de cada um e a interpretação de informações, que, hoje, se tornaram extremamente importantes com as redes sociais e excesso de compartilhamento em meios de comunicação, a leitura além de ser um hábito funcional e enriquecedor para a mente, também é um benefício para as relações sociais e de responsabilidade.

PRIMEIRAS DESCOBERTAS

Nos primeiros anos de formação da criança, ter um livro é garantir outra forma de descobrir novos universos, construir junto dos pais, professores e educadores de projetos um hábito afetivo e efetivo, como pontua a diretora: “A gente está dando apoio ao projeto ‘Conhecer Londrina’ onde as escolas trazem seus alunos para conhecer o nosso prédio que é cheio de histórias interessantes, aqui, antigamente, era o prédio do fórum, contamos todas essas histórias na visita dos alunos”.

Uma das grandes surpresas são as movimentações na Biblioteca Municipal após a reforma. “Fazia décadas que eu não via formar filas para emprestar livro como estou vendo agora”, se empolga Leda, já que o ambiente oferece salas personalizadas com diferentes temáticas para quem quer embarcar e conhecer todas as oportunidades que o espaço oferece: "Aqui temos um equipamento chamado óculos OrCam, disponibilizado para as pessoas que possuem baixa visão poder realizar a leitura com ele, procuramos ter bastante acessibilidade”.

LEITURA E DIVERSÃO

Ler precisa ser visto como algo prazeroso e não somente como obrigação e um processo árduo, e dessa forma que nascem projetos inovadores para atrair a atenção do público de diversas idades para dentro de ambientes literários mesmo que não sejam formais.

Associar a leitura com diversão é uma das formas mais efetivas de prender a atenção de crianças e jovens. Melhorar a educação pública é muito importante para resolver problemas do país como a violência, a pobreza e a desigualdade e, dentro dessas possibilidades, outro projeto em Londrina é “Um Dedo de Prosa” da professora, atriz e escritora Chris Vianna, 53. Trata-se de um projeto apoiado pelo PROMIC- Programa Mnicipal de INcentivo á Cultuta - através do qual são realizadas palestras e debates com escritores nas escolas, um ótimo ambiente para interessados em literatura e para os que ainda não a conhecem.

Os escritores Marco Antônio Fabiani, Edra Moraes e Herman Schmtiz no projeto Um Dedo de Prosa que leva autores e livros às escolas
Os escritores Marco Antônio Fabiani, Edra Moraes e Herman Schmtiz no projeto Um Dedo de Prosa que leva autores e livros às escolas | Foto: Divulgação

Nesses encontros os próprios escritores falam e tiram as dúvidas sobre o seu ofício, a grande maioria é de londrinenses, que propõem conversas inspiradoras para os alunos: “São realizadas conversas sobre a profissão de escritor, sobre seus textos e a literatura no século XXI. É uma oportunidade para os alunos que têm pouco contato com a escrita literária e visa desmistificar a figura do escritor como longe da realidade do leitor, aproximando criadores e leitores”, comenta Chris.

Em 2015, o projeto foi selecionado pela Bolsa de Fomento à Literatura, pelo Ministério da Cultura. “Os feedbacks são muito bons, os alunos participam, prestam atenção, adoram receber o livro, muitos nunca ganharam um livro que não fosse o didático”.

LEITURA EM TODOS OS LUGARES

Com o projeto “Leitura na rua” na cidade de Tamarana, o jornalista Lucas Marcondes Araújo, 30, iniciou outra forma de incentivar a leitura, criando uma inquietação no cenário cultural notou que não havia muito acesso para a população e foi aí que as geladeiras apareceram em sua vida e na vida dos moradores da cidade.

Recheadas de livros e ilustrações, as geladeiras podem ser encontradas em diferentes locais espalhados por Tamarana: uma está próxima à câmara de vereadores, outras duas ficam no CRAS e no CREAS, também no projeto Solipar, na Congregação das Irmãs de Santa Ana, e há mais duas localizadas em pontos turísticos, na zona rural de Tamarana, na Estância Cachoeira e no Recanto Meia Serra.

Notar essa ausência de incentivo não é exclusividade da região de Tamarana, moradores de outras cidades do Paraná e do país podem se inspirar na ação de Lucas e adotar como exemplo os projetos, uma forma de entrar no radar cultural e ser visto até mesmo por possíveis estratégias das prefeituras: “Foi uma maneira de semear esse tipo de ideia e mostrar as pessoas o suficiente para realizar esses projetos em seus bairros, nas suas cidades”, diz Lucas que, ao iniciar o projeto, ainda não utilizava as geladeiras para alocar os livros. Durante uma conversa com Leda, Diretora das Bibliotecas Públicas de Londrina, nasceu essa alternativa que já era vista em outros lugares. O interesse em ajudar só aumenta, sempre em busca de quem quer entrar na parceria para que a “Leitura na rua” possa ser levada para mais cidades: “O simples toque no livro, para algumas pessoas é algo que já foge muito da rotina delas, ao abrir a geladeira, ver as ilustrações e entrar em contato com o livro, lendo algo ali mesmo, é um grande avanço”.

Leandro Palmerah, ao centro, criou o Favela Library de incentivo à leitura e em breve vai inaugurar a Biblioteca Preta, com apoio do Promic
Leandro Palmerah, ao centro, criou o Favela Library de incentivo à leitura e em breve vai inaugurar a Biblioteca Preta, com apoio do Promic | Foto: Divulgação

Já Leandro Palmerah, 41, estava pensando muito mais do que na leitura, quando ainda estava concluindo a sua formação em biblioteconomia na UEL, e criou o “Favela Library”, com o objetivo de empregar alguns ensinamentos com base na lei 10.639/03, (a lei torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas), formando bibliotecas comunitárias em periferias, com oficinas da cultura do hip hop, rap e grafite. Com o apoio do PROMIC, o foco desses espaços são os adolescentes e crianças: “Iremos inaugurar a Biblioteca Preta, na Casa da Vila, na rua Uruguai, com um acervo de livros da cultura africana, com diversas autoras pretas e feministas com uma boa linguagem da África”, explica Leandro que acredita na necessidade de um processo amplo de reeducação das relações entre os grupos étnico-raciais para as crianças e adolescentes no País.

Bibliotecas temáticas são serviços necessários para reflexão sobre questões identitárias, são como pontos de partida para além de incentivar novos leitores, trazer novos questionamentos para o futuro: “Uma vez entrou um menino na Biblioteca Preta e emprestou um livro do Malcolm X (ativista que atuou em defesa dos direitos da comunidade afro-americana nos EUA), e quando ele retornou para devolver o livro, ele veio me perguntar qual era a escola mais próxima do bairro porque ele queria voltar a estudar, isso me marcou bastante”, comenta Leandro.

O que os espaços de incentivo à leitura buscam é mostrar diferentes maneiras de educar e trazer interesse pela leitura e cultura no geral. Essa educação pode ser trabalhada nas relações com a cidade e seus espaços dedicados à população local, na tentativa de oferecer a comunidade encontros de convívio social em prol da educação: “As bibliotecas além de serem encaradas pelos moradores como locais de melhoria de qualidade de vida, também são pensadas a partir do acesso ao livro e à leitura, a gente percebe o quanto elas são importantes para garantir o direito e oportunizar esse acesso ao acervo, é um direito básico”, diz Leandro.