Literatura fantástica para crianças
Envolver as crianças no universo literário é abrir as portas para a consciência da linguagem e a liberdade criativa
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 07 de maio de 2019
Envolver as crianças no universo literário é abrir as portas para a consciência da linguagem e a liberdade criativa
Micaela Orikasa - Grupo Folha
“Um dia vou ao Congo/ conhecer uma girafa sonolenta/ pedir que baixe o pescoço longo/ pra ver se tem remelas/ nos profundos olhos dela”. Brincar com as palavras sempre foi um movimento fluido para o jornalista, poeta e consultor cultural, Valdir Grandini, conhecido como “Dentinho”.
Tal intimidade despertada na infância se deu através da leitura de histórias em quadrinhos a incentivo do pai. Esse “empurrãozinho” rendeu poesias e histórias de bang-bang quando tinha apenas 9 anos. Por habitar o universo das letras, Grandini passou a levar todo esse conhecimento adiante.
Essa é uma das razões que o levou a criar a oficina de Versos Fantásticos, voltada para educadores, crianças e quem mais quiser participar. A ideia, segundo ele, é envolver técnica, mas também desenvolver a criatividade.
“Quando se gosta de criar, o gosto por escrever e ler são naturais . Acredito que criar e escrever aguça muito mais o gosto por ler”, comenta. Para este trabalho, Grandini tem como base o nonsense.

"O nonsense faz muito sentido ao enveredar pelo fantástico universo de seres e situações inventadas, e escapar da lógica que atribuímos normalmente às coisas. Com isso, provoca certo espanto e desperta para o fato de que a linguagem é cultural, imaginativa e poética”.
O nonsense foi criação dos ingleses Lewis Carroll e Edward Lear, na Inglaterra vitoriana. Lear foi desenhista do Museu Britânico e professor de desenho da Rainha Vitória. Sua marca eram os poemas ilustrados e carregados de humor.
“Eu já tinha vários exercícios em mente ao planejar uma oficina para que as crianças criassem poesia tendo o nonsense como inspiração. Um deles é o 'Viagens Fantásticas', onde os participantes são convidados a criar pequenos versos como se fossem jornalistas, sempre começando com 'Um dia vou..."
Foi assim que Grandini criou a viagem ao Congo para conhecer a girafa sonolenta. “A estrutura dos poemas torna-se um modelo perceptível e de associação entre curiosidade em torno de alguma coisa, dúvida, visão crítica e criatividade”.
Outra proposta são os "Sacos Mágicos" que trazem frases brincalhonas com características de um sujeito e ações em torno dele. “Cada pessoa pega uma frase e elas se completam. As crianças começam a perceber o que é o poema, o que é nonsense, a rima”, afirma.
De acordo com Grandini, a imaginação e a criatividade precisam de materiais, de estímulos, espaços, técnicas e tecnologias pedagógicas. E precisam da realidade, dos contextos e das problemáticas.
“Consciência de linguagem e liberdade criativa são o ponto de partida. Toda criança tem liberdade criativa. Quando imaginam coisas, fazem junção de palavras, dão certa animação para as coisas. É algo que os adultos não têm porque já estão condicionados”, diz.
'Navegando' pelas histórias infantis

A pedagoga Nina Brondi convida diariamente milhares de pais, educadores e crianças a navegarem pelo seu “Mar de Histórias”. O perfil no Instagram surgiu no início de 2014, com a ideia de trabalhar a literatura infantil de forma saudável.
Porque desde criança, ela enxerga mil possibilidades nos livros. Para Brondi, que também é formada em Artes Cênicas, o momento de leitura acende o brilho nos olhos, é descoberta, é conexão, é memória e também brincadeira.
“Me orgulho muito em dizer que o meio é virtual, mas meus seguidores são muito reais porque cada pessoa que chega (no perfil) é alguém que está querendo viver um pouco de literatura em casa ou na escola”, conta.
No mesmo ano em que 'mergulhou' nas redes sociais, Brondi se tornou mãe e passou a dividir as experiências de leitura que tinha em casa. “A ideia do mar é mostrar que literatura é mais simples do que a gente acredita. É de manusear os livros de uma forma livre, sem tanto medo. Acho que o livro enquanto uma possibilidade de brincar é bem importante”, diz.
Brondi mora em Londrina e tem tido trocas cada vez mais produtivas com o público. Há poucos dias, ela conversou com mais de 100 pessoas no ambiente escolar, e percebeu que as pessoas estão em um movimento de busca de resgate da memória de leitura delas na infância e de poder pensar nos critérios para escolha de livros para os filhos.
Nesse contexto, ela compartilha algumas dicas como observar se o livro considera a inteligência do leitor ou se já traz tudo pronto; se o livro tem autor/ilustrador ou se traz um desenho estereotipado; a qualidade da ilustração e a atenção quanto à forma que a leitura acontece.
“Muita gente acha que no primeiro contato com as crianças pequenas é preciso ler todo o texto do começo ao fim, mas vale lembrar que existe um processo de interação. O livro tem um peso, um cheiro e esse manuseio já é uma leitura. Acho que o negócio é não idealizar”.
E não se trata apenas de materialidade. Brondi ressalta que contar sua própria história ou da família também é se conectar com a criança. “A leitura é sim um desafio e promove descobertas que, às vezes, são incômodas, mas necessárias. Esse contato vai ser a base para que a criança possa recorrer aos livros em todos os momentos da vida, porque ela vai ter essa memória de proximidade”, pontua.

