A leitura integra a rotina de muitas pessoas. Nos estudos, trabalho e entretenimento. É o caso da estudante Mariana Veiga Parra, estudante do 6º ano do Ensino Fundamental II. Ela recorda que enquanto estudava na Escola Municipal Norman Prochet, passou a notar a variedade de temas que as Histórias em quadrinhos trazem e isso despertou o seu interesse.

LEIA TAMBÉM:

Escolas municipais formam plateais para contação de histórias

Digitalização mediada forma a rede municipal de ensino

As expressões, a linguagem, as imagens são de seu ponto de vista uma construção muito rica. "É para todas as idades e sugiro a todos." Diante da das estantes da Biblioteca Pública Infantil localizada no centro de Londrina, Parra reconhece diversos títulos e sugere a leitura. "Toda leitura é positiva e já percebo como é importante para entender e interpretar diferentes textos, amplia o vocabulário e despertar a curiosidade para saber o significado de novas palavras", pensa a estudante.

Além dos quadrinhos, os romances também estão entre os gêneros favoritos de Parra. "Amor & Gelato"; "Amor & Sorte" e "Amor & Azeitonas", Jenna Evans Welch, Editora Instrínseca, é a sua sugestão de leitura no momento. "Eu penso em ser jornalista, mas também estilista", sorri.

HQs NO COMBATE AO RACISMO

Em contato permanente com estudantes, a bibliotecária Odília Barbosa Barbosa Ribeiro Fernandes conta sua experiência: "Durante a especialização em Gestão de Biblioteca Escolar na UEL trabalhei o tema da mediação de Histórias em Quadrinhos na minha pesquisa e agora no mestrado revisitei a temática trazendo a discussão da representatividade negra e do combate ao racismo. As primeiras conclusões apontam que o Lúcio, personagem de Ziraldo, é o mais inteligente e dedicado aos estudos."

Em sua publicação para a Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 18, p. 01-18, 2022 n. esp. IV Encontro de Pesquisa em Informação e Mediação (EPIM), a bibliotecária aborda a "Mediação de Histórias em Quadrinhos com Personagem Negro: Uma análise de Lúcio, de autoria de Ziraldo."

"Essa representação de um menino negro e intelectual pode ser considerada um marco importante na formação antirracista dos pequenos leitores, pois as características de Lúcio fogem de estereótipos que são imputados à criança negra na sociedade e que privilegiam atividades menos intelectualizadas", afirma. Para a bibliotecária, o fato de apresentar aos leitores um menino negro, por meio de uma figura sábia, contribui para a real diversidade existente entre as crianças. "E isso poderá interferir na autoestima das crianças de diferentes etnias por elas se sentirem representadas.

Explica ainda que na atualidade tem recebido outros nomes, formatos, diversidade nas temáticas, transposição do papel para telas e telões. No passado, as HQs não eram bem-vindas na escola, pois sua presença causava estranheza, chegaram a ser proibidas e tratadas como subliteratura, mas por insistência de profissionais conhecedores do universo infantil se expandiram e tornaram-se importantes para a formação de leitores.

A repercussão sobre seu trabalho tem sido bem recebida. "Nas rodas de conversa que faço com jovens leitores percebo que eles leem tanto no digital quanto no impresso. Inclusive compartilham entre eles arquivos de HQs e recomendam uns aos outros essas leituras e dicas de plataformas onde estão novas HQs e mangás na Internet.

Odília Barbosa Barbosa Ribeiro Fernandes: pesquisa sobre a representatividade negra através dos quadrinhos
Odília Barbosa Barbosa Ribeiro Fernandes: pesquisa sobre a representatividade negra através dos quadrinhos | Foto: Divulgação

ANTES HAVIA CENSURA

De acordo com a bibliotecária e docente do Departamento de Informação da Universidade Estadual de Londrina, Sueli Bortolin, apesar de existirem no Brasil desde 1905, por um longo período elas não eram benquistas nas escolas. "Havia uma censura como se elas atrapalhassem a aprendizagem das crianças. Depois de muita luta os mediadores de leitura, com uma visão mais plural, passam a defender a HQ e elas provocam alvoroço no imaginário infantil. Gostaria de destacar que, apesar de não haver consenso se mangás são HQ, eu considero que pertencem ao mesmo universo e estão na atualidade exercendo maior sedução que os chamados gibis", pensa.

Bortololin destaca os precursores. "Resumidamente, podemos afirmar que Tico-Tico foi a primeira revista infantil em quadrinhos publicada no Brasil e alegrou as crianças no período. No entanto, o personagem considerado “genuinamente nacional” foi O Pererê, de Ziraldo que começou a circular em 1959. Posteriormente, no início da década de 1970, os personagens de Maurício de Sousa passaram a povoar a imaginação dos leitores e até hoje seduzem os pequenos leitores."

Acerca da linguagem dos quadrinhos, Bortolin explica que especialistas avaliam que é mista, pois é composta de imagens e palavras escritas. "Ultimamente, depois que descobrir os gibis do Mauricio de Sousa na categoria de publicação narrativa visual ou sem palavra escrita, isto é, só com imagem, estou revendo esse conceito", afirma.

QUADRINHOS EM LONDRINA

O londrinense Eloyr Pacheco é uma referência quando se trata de histórias em quadrinhos em Londrina. Historiador, pedagogo, arte educador, editor e quadrinista, ele ganhou diversos prêmios, entre eles, o Troféu Jayme Cortez, em reconhecimento à sua importância na área das Histórias em Quadrinhos. Em 2017 recebeu a comenda da Academia Brasileira de Histórias em Quadrinhos. Entre importantes homenagens, está a do Salão de Humor de Caratinga.

Seu personagem mais conhecido é o Escorpião de Prata e é também impossível falar desse artista sem recordar sua dedicação à Batbanca, criada em 1999, primeira banca especializada em quadrinhos em Londrina. De seu ponto de vista, os quadrinhos não podem ser considerados trampolim para outras leituras. "É uma opção de leitura. A linguagem híbrida, com imagens e texto exige um raciocínio muito grande. Quem produz, é gênio e quem lê precisa ter uma cumplicidade imensa para compreender as elipses, os símbolos, a voz passiva e interpretar tudo isso", observa.

Ainda que recorde com frescor o movimento presencial na Batbanca, Pacheco reconhece que são outros tempos. "Era um outro momento comercial, a banca era o único local para essas trocas", sintetiza. Ele destaca sobretudo trabalhos daquele período amplamente republicados: Batman, Cavaleiro das Trevas e Demolidor.

Para Eloyr Pacheco, os quadrinhos exigem a cumplidade do leitor para entender seus signos
Para Eloyr Pacheco, os quadrinhos exigem a cumplidade do leitor para entender seus signos | Foto: Roberto Custodio