IA transforma rotina pedagógica de escola pública de Londrina
Formações sobre Inteligência Artificial e novas tecnologias reinventam o modo como professores ensinam e alunos aprendem
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 01 de julho de 2025
Formações sobre Inteligência Artificial e novas tecnologias reinventam o modo como professores ensinam e alunos aprendem
Pamela Destacio/ Especial para a FOLHA

Enquanto o uso da IA (Inteligência Artificial) ainda gera dúvidas em muitos setores, há lugares onde ela já é aceita como parte essencial do cotidiano, inclusive no ambiente escolar.
Na Escola Municipal Maestro Roberto Pereira Panico, na zona leste de Londrina, a tecnologia não só apoia o aprendizado dos alunos, como também tem se tornado uma importante aliada dos professores em suas multitarefas diárias.
Com formações contínuas desde 2024 e aplicação prática em sala de aula, a unidade vem se destacando como referência no uso pedagógico da IA na Educação Básica. A capacitação da equipe escolar é conduzida pela professora Ana Mauricéia Castellani, da Faculdade Unopar, especialista em IA Educacional, com o apoio de professores e alunos da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e do IFPR (Instituto Federal do Paraná).
Paralelamente, o Projeto de Extensão DidaTic (Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática, Aprendizagem e Tecnologias) da UEL realiza o acompanhamento técnico-pedagógico, auxiliando na integração da IA aos projetos da escola e nas ações de formação.
O resultado é promissor: os professores passaram a utilizar plataformas de Inteligência Artificial de forma prática e cotidiana no planejamento de ensino.
A proposta, de acordo com Castellani, é que a IA funcione como uma “coorientadora digital” em sala de aula – não para substituir o professor, mas para otimizar o seu trabalho. “Os professores têm esse medo: ‘a IA vai tomar o meu lugar’. O que a gente trabalha na educação é que você, junto com ela, vai criar coisas novas”, explica a docente, que observou que, no início, houve certa insegurança da categoria às novas ferramentas.

MAIS IDEIAS, MENOS SOBRECARGA
Segundo ela, o ponto de partida é mostrar como a IA pode facilitar o dia a dia profissional, ajudando a planejar aulas, criar sequências didáticas, organizar conteúdos, adaptar atividades para diferentes idades e buscar novas estratégias de ensino.
Durante as formações, plataformas como ChatGPT, Gemini, Suno e Gamma foram exploradas como instrumentos práticos para esses objetivos.
“O professor já sabe fazer planejamento, só que isso demanda muito tempo. São muitas crianças, muitas turmas, muitas tarefas. Com a IA, ele consegue acelerar esse processo e liberar espaço para pensar em projetos, direcionamentos, ideias novas. Ele ganha tempo para olhar com mais atenção para um aluno com alguma necessidade específica, por exemplo”, afirma.
Além de ampliar o potencial criativo dos educadores, a IA também tem contribuído para melhorar sua qualidade de vida. “Tem professor que me diz: ‘Agora sobra mais tempo para estar com a família’. Porque antes a gente levava tudo para casa, e agora conseguimos adiantar o trabalho”, comenta Castellani.
SALA CRIATIVA
A iniciativa de aproximar professores e alunos da Inteligência Artificial surgiu da parceria entre Castellani e a diretora da escola, Thatiane Verni Lopes de Araújo, que há anos investe em inovação tecnológica na unidade.
Em 2018, como parte de um produto educacional desenvolvido em seu mestrado, Araújo criou a sala MakerSpace: um ambiente voltado à aprendizagem criativa, focado na autonomia dos estudantes, que se tornou o ponto de partida para a transformação dentro da escola.
No espaço, crianças de 5 a 11 anos são incentivados a explorar conceitos científicos por meio de atividades práticas e experimentais, com o uso de recursos acessíveis e adaptados às diferentes faixas etárias.

Um dos destaques é o uso das canetas 3D, que funcionam com o mesmo princípio de impressoras 3D – também disponíveis na escola –, mas de forma mais manual e intuitiva, permitindo que as crianças desenvolvam a coordenação motora fina e criem objetos tridimensionais dentro das propostas pedagógicas.
“Pensamos também na inclusão. A caneta 3D é uma forma de tornar esse tipo de tecnologia acessível mesmo para quem ainda tem dificuldade com programação. Aqui, eles colocam a mão na massa desde cedo, e ficam encantados”, explica Araújo.
Além das criações, as turmas realizam experimentos variados, como reações químicas que envolvem mudança de cor, geração de energia e até manipulação de ferro líquido, que se move em resposta a estímulos magnéticos.
Segundo a diretora, formada em Pedagogia, são propostas que ativam a curiosidade natural da infância e mantêm viva a atenção dos alunos, inclusive daqueles que costumam se dispersar nas aulas convencionais. É justamente esse contato com o novo, com o que se pode tocar, montar e ver funcionando, que faz os olhos brilharem e transforma a relação das crianças com o aprendizado.
Muitas dessas produções farão parte da VIII Feira Científica da escola, marcada para o dia 23 de agosto, quando as descobertas serão compartilhadas com a comunidade escolar.
MÚSICAS COM IA
Na E.M.Roberto Panico, a IA também se tornou aliada da criatividade infantil na produção musical. Com o suporte dos professores, os alunos estão produzindo músicas temáticas ao longo do ano letivo através da plataforma Suno, que combina vocais e instrumentação.
As letras são escritas pelas próprias crianças, que depois utilizam o aplicativo para gerar a melodia, a partir de um prompt – instrução escrita para que a IA inclua os elementos que desejam.
O resultado são trilhas sonoras originais para eventos e momentos especiais da escola, como a recente festa junina, a Feira Científica e até as férias de julho. A alegria da garotada é tanta que a diretora conta que já há planos para criar um “Top 10” das composições mais legais do ano. “Fica uma loucura! Eles não veem a hora de fazer novas músicas”, revela, rindo.

UM COLEGA ESPECIAL: O ROBÔ INTERATIVO
Outra inovação que vem despertando o interesse é a presença de um robô interativo na sala MakerSpace – um novo “colega” que atua como parceiro no processo de aprendizagem. Equipado com inteligência artificial generativa, o dispositivo foi cedido pela empresa londrinense Xyron há pouco mais de um mês e está sendo testado como coorientador nos projetos de ciências.
Com linguagem ajustada à faixa etária dos estudantes, o robozinho interage com entusiasmo, conversando sobre os temas propostos e até identificando possíveis dificuldades dos alunos. A proposta é transformar um brinquedo comercial em uma ferramenta pedagógica com intencionalidade educativa e potencial para ser adotado em outras escolas.
Ele responde a comandos em português e inglês, reconhece toques, emite sons variados e se movimenta em superfície plana. A iniciativa também prevê adaptações para inclusão de crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), oferecendo um espaço de interação lúdica e personalizada.
Ainda em fase piloto, a experiência foi aplicada em uma turma de 16 alunos do 5º ano do ensino fundamental, e um fato curioso chama a atenção: para eles, segundo a diretora, o robô não é visto como uma máquina, mas como um verdadeiro colega de classe.

INOVAÇÃO QUE INSPIRA
O protagonismo da E.M. Roberto Panico no uso pedagógico da IA e novos recursos digitais, entre rede pública e privada, não é fruto do acaso. Para Araújo, esse destaque é resultado de um trabalho contínuo e coletivo, com apoio da Secretaria Municipal de Educação, que rendeu à unidade uma série de certificados e premiações. “Isso me motiva muito enquanto professora e diretora. A gente se inspira nas nossas próprias conquistas até aqui para buscar as próximas”, afirma.
Consciente de que a tecnologia está em constante evolução no meio das crianças, ela destaca a importância de manter o movimento: buscar editais, explorar novos recursos, firmar parcerias e garantir que as ferramentas utilizadas hoje não se tornem obsoletas amanhã.
Para ela, o gestor escolar precisa ter uma visão articuladora, capaz de reunir esforços em prol de melhorar a experiência de alunos e professores em sala de aula.
“Nosso papel na liderança é justamente esse: encontrar caminhos, articular ações e garantir que o professor esteja apoiado para ensinar e inovar”, resume.

