Professores ensinam matemática e biologia. Ensinam língua portuguesa e química. Ensinam física e literatura. Disciplinas que ocupam grande parte do conhecimento das crianças. Mas a cada dia a filosofia ocupa mais espaço nos livros infantojuvenis. O ensino de filosofia se revela como disciplina indispensável para o entendimento do mundo.

Com objetivo de apresentar algumas noções de filosofia às crianças, o professor Luís Miguel Luzio dos Santos criou “Sofia e o Pirilampo - Jornada Pela Floresta da Sabedoria”, livro infantojuvenil publicado pela editora Eduel com ilustrações de Márcio Guimarães.

A obra narra a história de Sofia, uma corujinha que, para deixar de ser criancinha, precisa passar pelo rito de passagem das corujas. Ela precisaria “atravessar a floresta da sabedoria, sujeitando-se a todos os imprevistos e obstáculos impostos pelo caminho do aprendizado”. Para acompanhá-la na jornada, deve contar apenas com a companhia de Gábi, um pirilampo capaz de iluminar a compreensão das coisas.

Atravessando a floresta, Sofia encontra pelo caminho uma série de bichos em situações diversas. Cada um apresenta questões que a corujinha precisa refletir para aprender. A aranha revela como todas as coisas do mundo estão interligadas, e como a solidariedade pode garantir a sustentabilidade da vida. O carneiro e o lobo demonstram como a empatia pode resolver os problemas de conflito: “Entender o ponto de vista

alheio e procurar não fazer aos outros o que não desejamos para nós”.

O beija-flor, tentando apagar um incêndio com gotas de água, mostra a Sofia como pequenos gestos “podem se transformar em uma regra de conduta que todos venham a seguir”. O leão aponta para a responsabilidade que cada um tem para com os outros e para com o ambiente: “Não podemos levar em conta apenas aquilo que acontece perto de nós, as consequências de nossos atos se espalham e afetam até mesmo aqueles

quer não conhecemos, mas por quem também devemos ter responsabilidade”.

“Sofia e o Pirilampo” apresenta às crianças os princípios filosóficos e éticos da solidariedade, da empatia, do dever e da responsabilidade.

Professor de Ética e Sustentabilidade na UEL (Universidade Estadual de Londrina), Luís Miguel Luzio dos Santos nasceu em Portugal e reside no Brasil há muitos anos. A seguir o autor fala sobre seu livro e o ensino de filosofia para crianças.

Imagem ilustrativa da imagem Filosofia para crianças: os questionamentos essenciais
| Foto: Márcio Magalhães/Divulgação

Você acaba de lançar “Sofia e o Pirilampo - Jornada Pela Floresta da Sabedoria”, livro infantojuvenil que apresenta noções básicas de filosofia às crianças. Por que ensinar filosofia para crianças?

Filosofia é um conhecimento particularmente afeito ao público infantil, já que trabalha com questionamentos essenciais, primordiais, algo que ao longo da vida tendemos a nos conformar com respostas pasteurizadas, vagas, que nos dão certo conforto e nos façam viver na superficialidade. A criança não tem medo, vai fundo, quer de fato desvendar os grandes mistérios da existência. De onde vim? Para onde vou? Quem sou eu? Como devo viver? O grande desafio da filosofia para crianças é acender nelas a curiosidade pelas questões fundamentais da vida e que estas as perseguiam e norteiam durante toda a sua jornada.

E como aproximar as crianças da filosofia? Qual a melhor forma de ensino de filosofia para crianças?

A melhor forma de trabalhar a filosofia com crianças é por meio de questionamentos, instigá-las, estimular a curiosidade para irem sempre mais fundo e ultrapassarem o senso comum. É desnaturalizar a realidade, despertar o espírito crítico, o diálogo aberto sem doutrinação ou fórmulas prontas, apenas munidas de capacidade de reflexão e coerência na construção de argumentos para sustentarem suas ideias.

“Sofia e o Pirilampo” apresenta quatro princípios para a vida. O primeiro seria a interação entre os seres vivos em solidariedade. Como você

resume esse princípio?

Edgar Morin, filósofo e sociólogo francês contemporâneo é o pai da teoria da complexidade nas humanidades. Sua base filosófica fundamenta-se na ideia de religação, de interligação de saberes, na interdependência de tudo e todos. A teia da vida, da qual fazemos parte, é uma teia de afetos, que envolve conexões de interdependência e corresponsabilidade. Tem relação com o pensamento ecológico, que entende todas as espécies como interdependentes e que a vida só acontece e se sustenta por meio da cooperação e complementariedade. A solidariedade é a amálgama que une

os fios da teia da vida e viabiliza a trama que permite a coexistência entre os seres.

O segundo princípio seria a empatia, a capacidade de se colocar no outro. Por que a empatia é importante?

O filósofo estadunidense John Rawls, faz importantes provocações no que ele chama de estado original, e nos convida a refletir sobre os diferentes papeis que poderíamos ocupar no mundo. E se fosse eu o indigente, o morador de favela, o portador de deficiência, o discriminado pela cor da pele, religião ou procedência, o homossexual ou o doente crônico? É no seio dessas incômodas questões que se desenvolve a empatia, a capacidade psicológica que nos convida a sairmos de nós mesmos, nos colocar no lugar do outro e a sentir a partir da sua perspectiva. O desenvolvimento da empatia pressupõe etapas iniciadas pelo contato com a realidade do outro, compreender suas singularidades e similaridades. O envolvimento surge no compartilhamento de histórias de vida, que geram comprometimento, se sentir parte do outro, sua dor me atinge e me mobiliza, seu destino e suas lutas passam a ser também minhas.

Imagem ilustrativa da imagem Filosofia para crianças: os questionamentos essenciais
| Foto: Márcio Magalhães/Divulgação

Outro princípio que o livro apresenta às crianças seria o dever, fazer a coisa certa independente da situação. O que é fazer a coisa certa?

A questão do dever é fundamentada no primeiro imperativo categórico de Kant: “Age de tal modo que a máxima da tua ação possa valer como princípio universal de conduta”. Em síntese, Kant nos convida a questionarmos: Seria bom se todos agissem como eu pretendo agir? O certo ou o errado depende da possibilidade de estender a ação para qualquer um em situação semelhante. O dever é soberano e se sobrepõe à finalidade, são normas e valores previamente estabelecidas, universais e anistóricas, que se afastam de relativismos e contingências.

“Sofia e o Pirilampo”, como outro princípio, apresenta a responsabilidade de cada indivíduo no destino do mundo. Que responsabilidade é

essa?

O filosofo alemão Hans Jonas dedicou-se particularmente ao princípio da responsabilidade. Tal princípio fundamenta-se no fato de que a sobrevivência da vida depende de como cuidamos do planeta e de suas espécies, além de assegurarmos as condições apropriadas para as gerações futuras, algo, contudo, ameaçado pelas novas tecnologias que avançam vertiginosamente sem que haja a devida reflexão sobre seus

potenciais impactos e como corrigi-los. Assiste-se a um perigoso distanciamento entre a técnica e a ética. Um novo imperativo ético deve fundamentar-se na manutenção da vida e garantir a permanência das gerações futuras, devendo, portanto, avançar sobre o que sequer existe – mas que deve ser cuidado por não ser capaz, por si mesmo, de reivindicar o direito à sua existência.

E você considera que a ética precisa ser um componente da educação?

Certamente. A ética deveria ser o principal conteúdo da educação, pois é ela que dá lastro para a reflexão sobre um conjunto de valores, costumes e tradições que partilhamos e que dão base para uma convivência social fundamentada na justiça, no bem-comum e na solidariedade. É a bússola que orienta nossas ações em sociedade. Sem ética, criamos ciência e conhecimento sem consciência, técnica instrumental alienante e a serviço da opressão e do poder, comprometendo a própria sustentabilidade da vida em suas diferentes formas.

SERVIÇO

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| Foto: Divulgação

“Sofia e o Pirilampo - Jornada Pela Floresta da Sabedoria”

Autor – Luís Miguel Luzio dos Santos

Ilustrações – Márcio Magalhães

Editora – Eduel

Páginas – 48

R$ 60,00

À venda no site da Eduel