A leitura desempenha papel fundamental na formação de repertório de todo cidadão. Apesar de as obras clássicas literárias terem o seu lugar conservado, o mundo segue em transformação e a literatura também.

Nesse contexto, o jornalista e crítico literário Marcos Losnak - que assina as colunas Leiturinha e Leitura na FOLHA - explica que como toda e qualquer arte, a literatura está sempre em constante transformação. "A literatura infantil, infantojuvenil e juvenil não fogem a essa regra. Um exemplo: há 70 anos, a ilustração nos livros era tratada como um detalhe". Mas na atualidade, a conversa é outra. "Hoje, é parte determinante da leitura. No passado, o poder da narrativa estava centrado nas palavras, no texto. Hoje, a ilustração faz parte da narrativa, é narrativa, e divide o poder com a palavra. As crianças aprendem a ler palavras da mesma forma que aprendem a ler imagens – e aprendem as conexões entre texto, imagem e o mundo", pontua.

No que diz respeito à linguagem, esclarece que também houve mudanças, uma vez que a literatura reflete a época e a sociedade em que ela foi criada. " Apesar de os clássicos terem o seu lugar, a literatura de 70 anos atrás não é a mesma literatura que a de hoje. A linguagem mudou, os temas mudaram, o vocabulário mudou, as ilustrações mudaram, a edição dos livros mudou, a impressão dos livros mudou. E devem continuar mudando.

Um bom exemplo citado por Losnak é “Caçadas de Pedrinho”, obra de 1933, de Monteiro Lobato. "A grande aventura de Pedrinho era caçar uma onça, matar uma onça. Nos dias de hoje nenhum escritor escreveria uma história onde a grande aventura é matar uma onça. Não faz mais sentido. Os livros de hoje narram histórias de aventuras de salvar as onças e preservar o ambiente em que as onças vivem. O mundo mudou, a literatura infanto-juvenil também", ratifica.

TEMAS ATUAIS E COTIDIANO

A pedagoga e responsável pelo apoio de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação, Aliny Perota explica que temas ligados à inclusão, bullying, tecnologia e ambiente são trabalhados pelos escritores e professores. "Temos muitos livros e autores que não subestimam a capacidade interpretativa das crianças", avalia.

A educadora cita obras com temáticas mais complexas, chamados de temas supremos, que são as que perpassam qualquer ser humano ao longo da vida. "Como a morte, separação, inclusão, solidão, bullying e que muitas vezes são tratados como tabus e evitados por pais e professores".

Perota afirma que histórias com temáticas mais profundas são essenciais para qualquer criança. "Para que elas possam refletir, dialogar e formar um repertório emocional. Acredito muito no poder da mediação dessas leituras, onde se promova um espaço de conversas e de escuta, que as crianças possam ser ouvidas nas suas interpretações". A educadora lembra também que nem sempre o primeiro o contato da criança com a literatura acontece em casa. "Muitas vezes esse encontro da criança com o livro se dá no ambiente escolar e isso aumenta muito a nossa responsabilidade em fazer boas escolhas", admite.

A responsável pelo apoio de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação, Aliny Perota, cita, como exemplo o livro  "O Fantástico Arroz de Filomena", uma obra que se presta à teoria e à prática junto aos alunos
A responsável pelo apoio de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação, Aliny Perota, cita, como exemplo o livro "O Fantástico Arroz de Filomena", uma obra que se presta à teoria e à prática junto aos alunos | Foto: Divulgação

Segundo a estudiosa, a última pesquisa Retratos de Leitura, realizada pelo Instituto Pró-Livro, aponta que o principal influenciador pelo gosto da leitura é o professor. "Então podemos dizer que o livro que o professor lê e oferece, é o que vai para a mão do aluno. Quanto maior o repertório literário desse professor, maior é a qualidade oferecida. Enquanto Secretaria, sempre trazemos a literatura como pano de fundo nas formações de professores. Trabalhamos com histórias, indicação de livros e suas possibilidades e fazemos compras de livros para as salas de leitura", esclarece.

Um livro apresentado recentemente aos alunos da rede é "O Fantástico Arroz de Filomena", editora Aletria. Conta a história de Filomena, uma mulher que sofria bullying por causa de sua aparência - era considerada feia - e por esse motivo, as pessoas da cidade desconheciam os deliciosos pratos feitos por ela. "Conto a história fazendo um delicioso arroz que no final, todos podem degustar. É uma história muito divertida que rende grandes reflexões", comenta.

Imagem ilustrativa da imagem Do que tratam a nova literatura infantil e infantojuvenil?
| Foto: Divulgação

Já a obra "O Extraordinário", Editora Intrínseca, foi lido por capítulos. Narra a história de August Pullman, o Auggie, que nasceu com uma síndrome genética cuja sequela é uma severa deformidade facial, e que mostra os percalços vivenciados por ele. Uma leitura que causa comoção e permite sentir na pele o sentimento do outro. Essa mesma história, também tem a versão mais enxuta e ilustrada, destinada aos alunos menores, chamada "Somos Todos Extraordinários", destaca.

Acerca da classificação das obras literárias, explica que essa classificação mobiliza pesquisadores e acadêmicos. "A nomenclatura está ligada ao público a que destina esses livros. Alguns pesquisadores definem como literatura infantil livros destinados as crianças de até cinco anos e de infantojuvenis os livros endereçados aos leitores de 5 a 13 anos. Eu prefiro concordar com Drummond, que diz “Qual o bom livro para crianças que não seja lido com interesse pelo homem-feito?”. Todo bom livro é destinado para crianças de 0 a 100 anos", sorri.

MERCADO EDITORIAL RECONHECE TRANSFORMAÇÕES

A jornalista e proprietária da Loja Ciranda, em Londrina, especializada em brinquedos e livros para crianças, Denise Gentil observa que a produção para a faixa etária em discussão é relevante. "Hoje se produz no Brasil como nunca se produziu para essa faixa e até mesmo para os bebês em razão do vínculo afetivo que a leitura representa".

Com experiência, Gentil aborda também a literatura utilitária. "Uma literatura com um fim e que traz situações com o fundo literário muito bom essa obra ela não se perde, né? Não se perde nesse fim. Não é uma obra sobre como retirar a chupeta da criança, mas pode trazer como tema a distância e como a criança e os pais se relacionam com esse momento", aponta.

E em se tratando das escolhas, considera que tanto livrarias, pais e escolas devem levar em consideração esses aspectos da qualidade da obra. "O livro é um bom apoio, e assim é visto pelos pais e profissionais da educação. Um lado positivo é o término do domínio de grandes editoras internacionais. "Temos editoras nacionais produzindo coisas lindas e espaço para novos autores e novos ilustradores também nas bibliotecas", diz.

A obra "Eu vi mamãe nascer", primeira edição 1977 é uma sugestão de Gentil. " A morte da Mãe é narrada pela criança que está tentando entender, por meio de diálogos com o pai, como isso aconteceu. Falar de morte para crianças é sempre um desafio e esta obra mostra de maneira suave, porém realista sem deixar de ser triste. Faz uma analogia de vida e morte através do cuidado que o menino tem com as plantas e vê ali o ciclo da vida", detalha.

O livro Sagatrissuinorama, de João Luiz Guimarães e ilustrado por Nelson Cruz, editora ÔZé, prêmio jabuti de 2021, é também sua sugestão. "Conta sobre o desastre de Mariana e a tragédia de Brumadinho usando a analogia do lobo mau e os três porquinhos. É uma obra de múltiplas camadas, onde nem sempre o bem vence o mal, aborda ecologia, responsabilidade com o meio ambiente e que, às vezes, o homem pode ser o lobo do lobo", narra.