Alunos da rede municipal visitam a 'casa' de Clarice Lispector
Professores e alunos das escolas municipais foram ver a exposição sobre rodas que trouxe a Londrina um pouco do universo da autora
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 27 de agosto de 2024
Professores e alunos das escolas municipais foram ver a exposição sobre rodas que trouxe a Londrina um pouco do universo da autora
Aline Machado Parodi/ Especial para a FOLHA
A literatura pode ajudar no convívio social e levar as crianças para o universo do faz de conta, onde cada uma faz a sua própria leitura de mundo. Foi assim com os alunos do P5 do CMEI Valéria Veronesi, a Super Creche, quando visitaram a exposição “A Casa que Anda. Que Mistério tem Clarice”. A mostra instalada em um caminhão-baú de 15 metros, adaptado para receber mostras itinerantes, ficou estacionada no Parque Municipal Arthur, em Londrina, de 20 a 23 de agosto. Em dias diferentes, várias escolas municipais visitaram a mostra.
A exposição é uma réplica da sala do apartamento de Clarice Lispector e baseada em três livros da autora: "O Mistério do Coelho Pensante", "A Vida Íntima de Laura" e "A Mulher que Matou os Peixes." O caminhão-baú foi adesivado com ilustrações da neta de Clarice, Mariana Valente, que apresenta elementos da vida da escritora como cidades e países que ela visitou e morou, assim como imagens de Clarice entre crianças e animais.
A visita das crianças foi dividida em duas partes. Na primeira, antes mesmo de entrarem no apartamento de Clarice, elas foram apresentadas ao universo da autora e a sua relação com os animais. Do lado de fora, elas viram fragmentos das três histórias da temática da exposição, como a gaiola do coelho pensante, o ovo da galinha Laura e imagens de animais domésticos e de sítio.
Já dentro do caminhão, elas foram transportadas para a vida de Clarice com seus livros, sua máquina de escrever, telefone e objetos que fazem referência aos livros, como um grande espelho com projeção de peixes e o aquário vazio. As crianças ainda participaram de atividades como criar pulseiras com elementos da natureza como folhas e flores, que encontraram no estacionamento do Parque Arthur Thomas. Além de desenhar animais.
Cada aluno fez a sua própria leitura da visita. Mas o espelho de peixe e a confecção de pulseiras encantaram a maioria. “A gente aprendeu sobre os livros que contavam sobre os animais e a gente pode explorar todas as coisas lá dentro. Depois a gente fez pulseiras com folhas. A moça falou sobre a mulher [Clarice] que fazia coisas de livro”, contou animada Antonella Canazart de Almeida, de 6 anos.
Yacine Vera Cruz Diakhate, 6, também gostou de fazer as pulseiras e brincar com os objetos da exposição. “Foi muito legal. Fiz coisas diferentes como a pulseira da natureza, brinquei no espelho que tinha peixes e a gente podia se ver. Também vi ovos dourados”, exclamou a pequena.
O espelho chamou a atenção de Emanuely Matos Dziurza, 6, mas ela ficou ligada mesmo foi na história do coelho pensante que, segundo ela, “fugiu porque o filho da Clarice esqueceu de dar comida para ele.” Emanuely disse que gosta de ouvir histórias, principalmente as sobre princesas.
Anna Laura Diman dos Santos, 6, ficou curiosa com um telefone diferente, com roda com números e afirmou que gosta das histórias com animais, por isso gostou muito de conhecer a exposição.
EXEMPLO DE CIDADANIA
Mais do que levar as crianças ao encontro do universo literário, a visita à exposição permitiu que as crianças praticassem a cidadania. “A visita permite que eles pratiquem a cidadania em pequenos gestos como entrar no ônibus, escutar o profissional, saber sobre a importância dos espaços e, de eles se reconhecerem importantes também”, afirmou Solange Tirolla, coordenadora pedagógica do CMEI Valéria Veronesi.
“Como temos muitas crianças de inclusão nestas turmas, é importante que elas percebam o seu papel no espaço”, ressaltou a coordenadora. Solange lembrou que muitas crianças do P5, que estão na faixa etária dos cinco e seis anos passaram parte do tempo sem interação e repertório escolar por causa da pandemia. A visita amplia o repertório das crianças. “A contação de história enriquece o vocabulário delas, as ajuda a conhecer novos autores e na interação com o novo”, disse.
A professora Andreia Alexandre da Silva Lima acredita que a literatura auxilia no convívio das crianças. “A literatura mostra exemplos em sociedade e regras para que a convivência aconteça. A literatura também trabalha a ludicidade. O faz de conta os atrai e neste sentido podemos trabalhar a linguagem e a comunicação”, afirmou a professora. Ela vem utilizando obras literárias para trabalhar as emoções, os sentimentos, a organização e as regras de convivência. “Estou trabalhando a aceitação das diferenças e a questão da inclusão e as crianças conseguem, por meio das histórias, ver a diferença de um e de outro e respeitar essa diferença”, comentou.
CLARICE EM SALA DE AULA
A professora conheceu o universo infantil da Clarice Lispector com as crianças e pretende estudar mais sobre a autora para desenvolver atividades com elas. “O colorido [das ilustrações do caminhão] chama a atenção e cria a vontade de conhecer mais. Os alunos são curiosos e com certeza terão muitas dúvidas sobre tudo que viram aqui”, disse. A turma da professora Kátia Simone Martins conta com alunos de inclusão e, segundo ela, o passeio até a exposição ajuda na interação dessas crianças. “Tirar a criança do ambiente escolar, que é a cadeira, aquele espaço muito formatado, a faz enfrentar os desafios do dia a dia. É um desafio para a classe toda. Para mim, para os amigos que aprendem a ajudar os outros e para eles que precisam enfrentar situações diferentes”, afirmou Kátia. “Agrega, além da cultura que é rica, essa questão de levar as crianças para o mundo da inclusão”, complementou.
“Para os outros alunos é levar o novo, quando a gente fala de arte e cultura na escola, ficamos muito atrelados a música a obras de arte, a imagem, quando vem para um espaço como este é um universo que se abre”, disse a professora do P5-D
Segundo ela, a visita a uma exposição como essa amplia o repertório da imaginação, que o livro talvez não alcance. “Existe N possibilidades de trabalhar com as crianças, explorar mais informações com ele. Trazer o enfoque dos animais, por exemplo, começando com a Clarice e ir ampliando”, afirma Kátia.
Ela ficou surpresa com a relação da Clarice Lispector com o universo dos animais. “Conhecia a importância dela na literatura, por ser uma mulher com grande representatividade, mas nunca tinha percebido essa relação dela com o universo com os animais.”
LIVROS QUE INSPIRAM A MOSTRA
O mistério do coelho pensante
Clarice Lispector estreou no universo infantil com o livro “O mistério do coelho pensante” (1967) por influência do seu filho Paulo Lispector Valente, quando ele a questionou por que ela não escrevia para crianças. A forma como Clarice escreveu o livro incentiva a contação de história. O livro conta a história do coelho Joãozinho que precisava mexer 12 mil vezes o nariz para pensar uma ideia e usa a habilidade para pensar em um plano para fugir da gaiola onde era mantido. Joãozinho se lança em uma aventura e se apaixona pela liberdade que lhe permite ser um verdadeiro coelho pensante. O texto de Clarice conduz o leitor a investigar as pistas, resolver enigmas, brincar com a imaginação e enfatiza a fantasia.
A mulher que matou os peixes
Em 1968, a autora publica “A mulher que matou os peixes”, centrada na morte dos peixinhos vermelhos, uma confissão da narradora, revelando que a mulher da história é a própria autora, e um pedido de desculpas. Clarice enche as páginas com suspense que se alternam entre perdão e culpa. A obra pode ser considerada uma ficção desordenada, já que Clarice transita entre os gêneros e rompe com as convenções. A autora utiliza os animais como suportes para as emoções humanas.
A vida íntima de Laura
A vida íntima de Laura (1974) é a terceira obra para crianças publicada por Clarice. As primeiras páginas apresentam a possibilidade de revelar segredos da autora. Ela conversa com o leitor. Laura, a protagonista, é uma galinha aparentemente sem muita elegância, beleza e inteligência. Uma galinha comum. O enredo é feito de pequenos episódios, que narram o nascimento de Hermany, filho de Laura e Luís, seu marido; a tentativa de roubo de Laura por um ladrão de galinhas; a quase morte da protagonista e, finalmente, seu encontro com Xext, habitante de Júpiter, que pergunta a Laura como “eram os humanos por dentro”. Clarice trata do medo da protagonista de morrer de forma direta, mas leve, quase em tom de brincadeira.