Se a adaptação de uma história infantil de sucesso já é extremamente complicada, a ousadia de inventar um outro universo para além de uma história do escritor inglês Roald Dahl parecia simplesmente impossível. E no formato de uma espécie de prequela daquela história de origem, talvez a pior invenção destes tempos de loucura por IP. Mas o diretor Paul King parece não ter medo de nada e, após dotar o pequeno protagonista de “Paddington” (2014) com uma magia inesperada, ele entra mais uma vez no imaginário coletivo britânico para expandir sua lenda e compartilhá-la com o resto do mundo. “Wonka”, em exibição em Londrina, se passa anos antes de Charlie entrar na fábrica de chocolate no famoso livro de Dahl, imaginando um jovem e desesperado Willy que, apesar de ser um prodigioso inventor, mágico e chocolateiro, acaba não alcançando a fortuna que persegue sem descanso em um mundo dickensiano. Mundo que precisa urgentemente de uma socialização do chocolate.

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King fez agora mágica novamente depois de, decorridos quase dez anos, nos ter dado os dois admiráveis “Paddington”. “Wonka” é uma das melhores surpresas que Hollywood nos entrega neste quase encerrado 2023: uma verdadeira jóia do cinema familiar. Apesar de ser um filme que por várias vezes flerta com o edulcorado, com o sentimental, que usa certas soluções de roteiro um tanto arbitrárias e que se apoia com desembaraço na ingenuidade do espectador, a direção de King consegue criar um ecossistema perfeito para que tudo resulte em uma fantasia que é tão simples na aparência quanto dificil de fazer encaixar tudo o que ele propõe.

Embora a Warner tenha minimizado o fato de que o filme é um musical, ele é, sim, um musical completo, algo que mostra logo de saída e de onde não se afasta mais. Ainda que as músicas percam algum peso à medida que a trama avança, elas estão sempre lá, enfatizando aquela energia de um filme que não tem muito pudor, já que simplesmente opta por uma abordagem em que não há espaço para o cinismo, nem mesmo quando trata de realçar o seu aspecto mais dramático.

Muitos temeram pela presença de Timothée Chalamet. Mas há uma pureza e inocência na abordagem de sua interpretação que faz o espectador se conectar a todo momento com seu sonho de se tornar o melhor chocolateiro do mundo. Outra apreensão: é verdade que o personagem é muito menos excêntrico que o Wonka de Gene Wilder e o de Johnny Depp. Mas King apostou aqui num elemento mais terno para que entendamos bem suas motivações – e que é um eixo fundamental para aquilo que é construído em torno dele.

O espectador com certeza terá sua lista de personagens secundários, mas como todos eles estão bem, todos se encaixam . Como aquele chefe de policia viciado em chocolates, a exploradora com o rosto de Olivia Colman, sem esquecer os hilários Hugh Grant como Oompa Lompa, Rowan Atckinson de batina e o trio de chocolateiros malvados Agregue-se às muitas virtudes um acabamento visual impecável.

Wonka: a direção de Paul King consegue criar um ecossistema perfeito para que tudo resulte em uma fantasia que é tão simples na aparência quanto dificil de fazer encaixar tudo o que propõe
Wonka: a direção de Paul King consegue criar um ecossistema perfeito para que tudo resulte em uma fantasia que é tão simples na aparência quanto dificil de fazer encaixar tudo o que propõe | Foto: Divulgação

A isso devemos adicionar um acabamento visual impecável, e não fico pensando apenas no quão colorido ‘Wonka’ é o tempo todo, porque King consegue criar aqui um universo distinto que é transferido da atitude dos personagens, como aquele trio de chocolateiros malvados. Mais uma vez, dá para perceber que há alguém por trás disso que sabe muito bem o que quer aqui, que é se aproximar o suficiente do tom de seus filmes “Paddington” para contribuir com sua visão do mundo criado por Roald Dahl.

As músicas também são um ingrediente fundamental, pois realçam tudo o que a direção precisa e destacam os momentos mais extravagantes do filme. Como acontece quando Wonka descobre que está preso em um trabalho precário e sem futuro.

Claro que existem pequenos detalhes que não funcionam tão bem, e quem quiser dizer que isto ou aquilo não faz sentido pode fazê-lo sem problemas. Mas da minha parte tenho muita certeza de que 'Wonka' é um pequeno milagre.