Dez anos atrás a literatura paranaense perdia um de seus grandes escritores: Wilson Bueno. Brutalmente assassinado aos 61 anos de idade, em 31 de maio de 2010, Bueno deixou 18 obras dedicadas ao culto da linguagem.

O jornalista e escritor curitibano Luiz Manfredini acaba de lançar a biografia de Wilson Bueno “A Pulsão Pela Escrita”. Publicada pela editora Ipê Amarelo, a obra oferece não só um panorama da vida e obra de Bueno, mas também uma leitura de sua personalidade controversa e transgressora.

Luiz Manfredini, autor da biografia de Bueno: “ Sua busca por um estilo  não era somente literária, era pessoal”
Luiz Manfredini, autor da biografia de Bueno: “ Sua busca por um estilo não era somente literária, era pessoal” | Foto: Lina Faria/ Divulgação

Nascido em Jaguapitã, Wilson Bueno foi editor no lendário jornal literário “Nicolau”. Cronista dominical da Folha de Londrina entre as décadas de 1980 e 1990, considerava a crônica um gênero “capaz de conter em si a magia e o enlevo”.

A seguir, Luiz Manfredini fala sobre a biografia que consumiu três anos de pesquisa.

“A Pulsão Pela Escrita” possui todas as características de uma biografia. Mas, logo no prólogo, você avisa que o livro “não é uma biografia”. Por quê?

Porque desejei fugir dos rígidos protocolos metodológicos que normalmente os historiadores impõem às biografias, aquelas chatíssimas notas de rodapé, as exaustivas referências bibliográficas e um montão de outras normas que geralmente conspiram contra o prazer da leitura. Tudo isso engessariam meu relato, que é, na verdade, como destaco no prólogo, um olhar incondicionado, livre, sobre a vida e a obra de Bueno, amálgama imperfeito de biografia, romance e jornalismo.

Em vários momentos do livro você deixa claro que o grande trabalho literário de Wilson Bueno foi sobre a linguagem, o “culto à linguagem”, a “transgressão da linguagem”. Você considera que a escrita de Bueno era uma posição estética ou uma posição diante da vida?

Ambas as coisas. Seu culto à linguagem foi uma postura estética muito forte. A linguagem, inclusive, como personagem. Toda a obra de Bueno reflete isso. Obra que, ao mesmo tempo, é uma postura em relação à vida, postura de liberdade, de certa iconoclastia, de rebelião a valores estabelecidos e mesmo uma postura política na defesa dos marginalizados de toda sorte.

Para o biógrafo, Wilson Bueno era uma pessoa de múltiplas facetas e viveu personagens
Para o biógrafo, Wilson Bueno era uma pessoa de múltiplas facetas e viveu personagens | Foto: Reprodução

Você afirma que Bueno, ao longo de sua vida, sempre viveu personagens. Como isso acontecia?

Sim, ele viveu personagens. Era um escritor e uma pessoa de múltiplas facetas. Em sua vida pode-se observá-lo, por exemplo, como um flâneur, um vagau, como costumava dizer, incorporando ora o escandaloso Jean Genet, ora o libertino Arthur Rimbaud, ora um recatado e elegante cavalheiro inglês, como ocorreu nos vinte últimos anos de sua vida. Então, sua busca por um estilo não era somente literária. Era também pessoal.

O assassinato de Bueno ocorrido em 2010 não foi muito bem explicado, existem diferentes versões. No processo judicial que inocentou o único acusado existiram contradições variadas. O que realmente aconteceu?

Pelo que concluí da pesquisa nos autos, o crime ocorreu por uma desavença entre Bueno e o assassino sobre o pagamento de um serviço na casa do escritor. Não foi, portanto, um crime sexual, embora o assassino lá estivesse para um encontro com sexo. O estranho, em todo o caso, foi que o júri concluiu que o rapaz realmente matou Bueno, mas o absolveu. Isso até hoje ninguém entende. Um recurso da defesa ao Tribunal de Justiça do Paraná conseguiu anular o julgamento e marcar outro. Mas as instâncias superiores mantiveram o júri inicial e sua sentença.

Na leitura de “A Pulsão Pela Escrita” o leitor pode ter a sensação de que a morte de Bueno foi uma tragédia anunciada. Por quê?

Foi uma tragédia anunciada porque Bueno tinha o hábito de levar para casa, para programas sexuais, rapazes que nem conhecia, alcançados geralmente numa sauna. Foi prevenido contra o risco que isso implicava, mas o desejo foi mais forte, dobrou a razão. No entanto, repito, o jovem que lá estava não matou Bueno por razões sexuais, quando a passionalidade leva a violências extremas, o que não foi o caso.

No livro você demonstra que o escritor João Antônio (1937 – 1996) foi o maior confidente de Wilson Bueno através de cartas. Que tipo de amizade os dois viveram?

Amizade profunda. Uma grande interação literária e pessoal. Além da intensa convivência no período em que Bueno viveu no Rio de Janeiro, foram quase duas centenas de cartas em que debates literários se misturaram a confissões pessoais de grande intensidade.

Considera que João Antônio influenciou a literatura Bueno?

Bueno foi um escritor submetido a fortes influências. Em suas obras há traços de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, mas, curiosamente, pouco de João Antônio. Há um capítulo da biografia que mostra bem esse jogo de influências, percebidas por muitos críticos.

Em sua visão, qual o legado literário deixado por Wilson Bueno?

Há, a meu ver, dois legados essenciais. O primeiro é esse apuro literário, essa construção requintada que produziu, para ficar apenas em dois exemplos, os breves e extraordinários romances, “Mar Paraguayo” e “Meu Tio Roseno a Cavalo”, e aqui também incluo seu fabuloso bestiário. Bueno nunca escreveu para o mercado, como é moda hoje, mas movido pela intrínseca necessidade de desvendar o mundo e a vida literariamente. Outro legado foi sua obstinada, compulsiva dedicação à escrita, algo que o acompanhou desde a adolescência. O próprio título da biografia provém de uma frase emblemática de Bueno: “A literatura, para mim, é isso: uma pulsão vital, absoluta”.

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. | Foto: Reprodução

Serviço:

“A Pulsão Pela Escrita”

Autor – Luiz Manfredini

Editora – Ipê Amarelo

Páginas – 200

Quanto – R$ 40