Novos koans
Já disse e, creio, devo repetir, koans são micro-estórias, pequenas parábolas destinadas a deflagrar - mais, muito mais do que meramente transmitir - os ensinamentos zen-budistas.
Quase impossível explicitar a própria natureza dos koans, pois a palavra, tal como a entendemos, é insuficiente até mesmo para definir o que sejam os koans, quanto mais para atingir o propósito primeiro de toda ‘‘filosofia’’ zen-búdica - o de levar o aprendiz a desvelar o Buda interno (o fenômeno da ‘‘iluminação’’ do ‘‘satori’’) através de uma experiência não-transmissível e portanto não-ensinável.
Quem aí, algum dia, não teve um ‘‘insight’’? Em maior ou menor medida, seria isto o zen - um estágio da alma, se o budistas acreditassem em ‘‘alma’’ da maneira como os ocidentais a concebemos e, mais ainda, se houvesse no zen, estágios. É por isso que um copo vazio está cheio de ar...
O contador de estrelas
O discípulo, depois de uma semana ininterrupta de angústia, procura o mestre, no meio da madrugada, tomado pela dúvida e a desesperança:
- Mestre, não consigo me livrar da angústia. Dias e noites sem dormir. Não consigo sequer pensar no Buda. Tudo em volta é temor e lágrimas e sofrimento.
- Não se aflija, meu jovem. Vê a noite? É de lua cheia e claro céu. Comece, agora mesmo, a contar as estrelas, uma a uma, a começar do leste. Você verá como isto há de lhe tirar o peso do espírito.
Na manhã seguinte, as estrelas empalidecendo no céu pela luz do dia, o mestre se aproximou do discípulo, no pátio do mosteiro:
- E então?
- Funcionou, mestre. Enquanto deu para contar as estrelas... Agora com o sol chegando está quase impossível. O que faço, mestre? Já pressinto a angústia voltando...
- Continue, continue contando, uma a uma, as estrelas.
A imprevisível leveza do ser
O mosteiro receberia, naquele dia, a visita de um famoso filósofo que dissertaria sobre Platão e Aristóteles, uma prática comum sobretudo entre os monges tibetanos, ávidos pelo contato com a tradição erudita ocidental.
Um monge solicitou, contudo, ao superior do mosteiro, dispensa para não interromper a rigorosa reclusão a que se tinha imposto há mais de três meses.
- Estou perto de atingir o ‘‘satori’’, mestre.
- E o que isto tem a ver com o nosso visitante?
- Ora, se interrompo a meditação não chego ao ‘‘satori’’ .
- O dia em que o ‘‘satori’’ for programável não haverá mais ‘‘satori’’.
- Mestre, mestre, - e o discípulo agarrava-lhe, exultante, a manga do quimono - descobri, descobri: não há ‘‘satori’’, não há ‘‘satori’’! Se não se pode programá-lo como poderemos chegar a ele???
- Interrompa já a reclusão e vá trocar de quimono para receber nosso visitante. Você acaba de encontrar o ‘‘satori’’.
Os frutos da primavera
O jovem monge extasiava-se com as flores que, por todos os lados, brotavam, exuberantes, no jardim do mosteiro. Desde a chegada da primavera, sentia em si um secreto ardor: nem bem principiara a ‘‘iniciação’’ búdica e já tinha sido ‘‘iluminado’’. E não era voz corrente que muitos candidatos a discípulos haviam atingido o ‘‘nirvana’’ antes mesmo de entrar portão adentro do mosteiro? Ali estava a prova - ele era um deles...
Decidindo comunicar ao mestre o ocorrido, não pensou duas vezes:
- Mestre, desde a chegada da primavera, não mais dúvidas, não mais temores, não mais desequilíbrio. Tenho vivido 24 horas por dia em indescritível felicidade. Isto é o nirvana, mestre?
- Não, isto não é o nirvana.
- O que é, então?
- Isto é só a sua indescritível felicidade.