Uma raridade de Hitchcock
Embora nos últimos anos alguns dos filmes mais expressivos da fase inglesa de Alfred Hitchcock (1) tenham sido lançados no Brasil em VHS e, mais recentemente, em DVD, ou mesmo exibido na TV (2), ‘‘O Mistério nº 17’’ (‘‘Number Seventeen’’, 1932) - que o canal pago Telecine 5 mostra amanhã, às 22 horas - permanece até agora como um dos trabalhos menos conhecidos do ‘‘mestre do suspense’’ (3).
Realizado após o estrondoso fracasso comercial de ‘‘Rich and Strange’’ (4) como tentativa do cineasta de reabilitar-se junto ao produtor John Maxwell (que vinha assinando a produção de seus filmes desde ‘‘The Farmer’s Wife’’, de 1928), ‘‘Number Seventeen’’ é, sem dúvida, um filme cheio de concessões ao gosto do público da época: a trama - envolvendo uma gangue de ladrões que planeja um assalto e um detetive que está de olho neles - assume, desde o início dos seus 63 minutos de duração, o tom da aventura policialesca narrada em ritmo frenético, na qual vale destacar a sequência memorável de um trem desgovernado.
Tudo indica que Hitchcock divertiu-se muito rodando ‘‘Number Seventeen’’, e podemos sentir isso quase 70 anos após a sua realização. No entanto, à época de seu lançamento, o filme foi um novo e imerecido fracasso comercial. O produtor Maxwell desistiu do diretor e, não fosse pela visão de um outro produtor - Michael Balcon -, que dois anos depois deu-lhe crédito e carta branca para rodar ‘‘The Man Who Knew Too Much’’, talvez ‘‘Hitch’’ nunca tivesse chegado a realizar os clássicos que o inscreveriam para sempre na história do cinema.
Em tempo: ‘‘O Mistério nº 17’’ não é nenhum clássico, mas tem vários méritos, dentre os quais o de ser, ao mesmo tempo, tão divertido e eletrizante não é o menor. Confira e aproveite para gravar.
(1) Iniciada em 1922, ainda no cinema mudo, com o inacabado ‘‘Number Thirteen’’, e estendendo-se até 1939, ano do lançamento de ‘‘A Estalagem Maldita’’, tal fase inclui, entre outros títulos, ‘‘Blackmail’’ (1929) - o primeiro filme falado do diretor -, ‘‘Os 39 Degraus’’(1935), ‘‘O Agente Secreto’’(1936) e o notável ‘‘A Dama Oculta’’(1938).
(2) No início de janeiro deste ano, a emissora católica Rede Vida exibiu a primeira versão (de 1934) de ‘‘O Homem que Sabia Demais’’, filme que deu reputação internacional a Hitchcock (que era - diga-se de passagem - um cineasta essencialmente católico, obcecado pelas noções de pecado e culpa).
(3) Convém lembrar que em 1932 o termo ‘‘suspense’’ ainda não era de uso corrente e, pelo menos neste filme, Hitchcock esteve propositalmente empenhado mais em dar sustos e fazer rir do que em criar situações de suspense.
(4) Não obstante esse resultado, é um pequeno grande filme, uma parábola sobre a felicidade possível dentro da vida a dois, sobre como as circunstâncias podem deteriorar essa felicidade e, principalmente, sobre a conquista da maturidade necessária para restaurá-la. A história: um casal em crise tem a oportunidade de fazer um cruzeiro pelos mares da China. Brigam durante toda a viagem, até que sofrem um naufrágio. A situação extrema os reaproxima. Mais tarde, uma jangada os resgata e eles voltam à sua vidinha em Londres.
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