Wicked Brasil: a história que furou a bolha de musicais no país
Jovens de várias partes do Brasil, inclusive de Londrina, viajam para ver o musical no Teatro Renault, em São Paulo
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segunda-feira, 05 de maio de 2025
Jovens de várias partes do Brasil, inclusive de Londrina, viajam para ver o musical no Teatro Renault, em São Paulo
Mayara Tavares - Especial para a FOLHA 2

“A história não contada das bruxas de Oz”, assim se descreve o subtítulo da obra Wicked, peça que conta uma outra perspectiva sobre a Bruxa Boa e a Bruxa Má do Oeste, do clássico Mágico de Oz. A narrativa foi lançada originalmente em formato de livro em 1995 e adaptado para o teatro oito anos depois, sendo um dos musicais de maior sucesso da Broadway escrito no século XXI. Porém a história não se limita a uma produção internacional, pelo contrário, é um musical muito conhecido e com fãs em diversas partes do Brasil, tendo adaptações inclusive em teatros nacionais.
Wicked teve sua primeira versão brasileira oficial em 2016. Estrelada por Myra Ruiz (Elphaba) e Fabi Bang (Glinda), as sessões ocorreram no Teatro Renault e foram a porta de entrada para os fãs conhecerem a história no Brasil, desde indo presencialmente assistir a peça, até por formas indiretas, como gravações postadas na internet.
OS FAMIGERADOS "PROIBIDÕES"
No teatro musical, há uma regra que se faz presente na maioria das peças, mas que nem sempre é seguida: a proibição de gravar ou tirar fotos do espetáculo. Com a quebra desta norma, os direitos autorais se fazem presentes nas gravações proibidas e postadas na internet, são os chamados “proibidões”.
Por mais que esta seja uma regra que deve ser cumprida, seu rompimento é algo que possibilita que mais pessoas conheçam a história de Wicked. Uma destas pessoas é Rayan de Souza, 23; ele é de São Paulo e mesmo sendo da cidade na qual o musical é exibido, conheceu a história não contada das bruxas de Oz a partir de vídeos na internet. “A primeira vez que eu assisti Wicked foi na pandemia, existia uma gravação no YouTube da montagem de 2016 e eu sinto que foi uma conexão quase que instantânea, eu sinto que tudo ali se encaixava tão perfeitamente”, conta.

Souza não foi o único a conhecer o musical de forma remota, Camila Martins, 23, de Rolândia, mesmo estando longe do teatro onde ocorriam as sessões, pôde conhecer a peça por covers e gravações. “Eu conheci Wicked em meados de 2016, através das performances de algumas músicas originais no seriado musical ‘Glee’. Após ouvir a performance do clássico ‘Defying Gravity’, decidi pesquisar mais sobre o musical, que coincidentemente estava em montagem no Brasil na época.”
Tanto Camila quanto Rayan têm a mesma idade e são fãs de Wicked há anos, contudo, desde que conheceu a peça, Rayan assistiu Wicked 38 vezes, enquanto Martins vê a distância como uma das razões pela falta de acesso a esta forma cultural. “Infelizmente o acesso ao teatro musical no Brasil é muito complicado, a maior parte dos grandes espetáculos são realizados apenas no eixo Rio-São Paulo, e com preços das entradas exorbitantes. Ainda que não seja o ideal, as gravações informais atuam majoritariamente como uma forma de democratização do acesso a essa arte para o público geral”, pontua ela a partir de sua própria experiência.
EM CIMA DOS PALCOS
Ao passo que os jovens atualmente têm maior acesso a peças musicais via internet, os jovens de algumas décadas atrás se conectavam com esta forma de arte presencialmente, às vezes até mesmo viajando para outro país. Foi assim que Cleto Baccic se encantou pelo teatro musical. Ele, que atualmente interpreta o personagem Mágico de Oz na versão brasileira de Wicked, conta como se apaixonou por musicais.
“Meu interesse pelo teatro musical se intensificou quando assisti a primeira montagem de Miss Saigon em Londres. Eu não fazia ideia de que tudo aquilo era possível. Eu saí do teatro decidido a me qualificar para atuar no teatro musical”, conta o ator.
Baccic também relata que, por mais que a paixão por musicais tenha crescido dentro de si ainda quando era mais novo, de início seus familiares pareceram não compreender que esta poderia mesmo ser sua vocação. “Em relação à família, sou de uma geração que não se via com bons olhos o trabalho do ator. Eu já era envolvido com teatro desde os meus 14 anos, mas para a família era algo que passaria com a idade”, conta.
O tempo mostrou que a paixão de Baccic pelo teatro não era apenas uma fase. O ator realmente se qualificou e fez diversas peças, inclusive atuando como o personagem Dr. Dillamond na versão de 2023 de Wicked Brasil, que antecedeu a edição atual, na qual ele atua como Mágico de Oz. O artista afirma perceber algumas diferenças entre os dois trabalhos. “Vocalmente, são personagens distintas. Tive que colocar a voz em outro lugar para seguir a partitura original. Fisicamente, não tive dificuldade em compor o Mágico, porém, defender o opressor, antes tendo interpretado o oprimido, é muito gratificante enquanto ator. Ainda sou fascinado pelo Dr. Dillamond, desde a primeira vez que assisti Wicked era a personagem que eu queria fazer; porém, o Mágico tem falas que me tocam fortemente.”
Na versão deste ano de Wicked Brasil, quem dá vida ao Dr. Dillamond é o ator Arízio Magalhães, que utilizou de fatores de sua própria vivência para compor o personagem. “Como eu tive a oportunidade de ministrar alguns workshops e cursos de teatro musical, eu trouxe um pouco desta vivência como professor, além disso adicionei a memória dos professores que marcaram minha trajetória. O principal da construção do Dillamond veio do processo de ensaio e das conversas que eu tive com nosso diretor, o Rony Dutra. Finalmente, tudo se solidificou após eu passar por todo processo de caracterização”, diz Magalhães.
Na construção dos personagens de Wicked, assim como na maioria das peças teatrais, maquiagens e figurinos são necessários para ajudar que o elenco entre no personagem e que o público esteja ainda mais imerso na fantasia construída pela história. Wicked conta uma história mágica, com bruxas boas e más, loiras ou com pele em tons de verde, além de alguns personagens que são animais que falam.
O Dr. Dillamond é o personagem central neste eixo animalesco, sendo um professor bode. Para torná-lo ainda mais real, são utilizadas até mesmo próteses, que criam as características estéticas do mesmo. “A maquiagem leva aproximadamente 40 minutos e quem a faz todos os dias é o Cristiano Takahashi, que assina o visagismo do espetáculo. Após a maquiagem, eu coloco microfone e figurino pra depois colocar a peruca e as próteses (sobrancelhas e cavanhaque); este processo de colagem leva mais uns 15 minutos. Eu me sinto completamente transformado e praticamente irreconhecível, isso me ajuda muito a esquecer de mim e entregar tudo ao Dillamond”, revela o ator.

FURANDO A BOLHA
A magia de Wicked tem chamado a atenção do público que vai assistir ao musical pessoalmente, público este que se fez diferente nesta edição. O filme de Wicked, baseado no primeiro ato do musical, foi lançado em novembro do ano passado e foi um dos principais fatores para que a história alcançasse novas camadas da população e adquirisse a curiosidade combinada à vontade de assistir ao primeiro e segundo ato presencialmente, fato notado pelos próprios atores da peça.
“Com certeza o filme ampliou o número de fãs de Wicked, o que existia no nicho de amantes de musicais agora é um fenômeno mundial. Acredito que muitas pessoas queiram vir ao teatro para saberem como a história termina. Eu acho o público de Wicked único, a história pode ser muito pessoal para muitos e a maneira como reagem ao espetáculo ao vivo é única também, eu nunca vi nada igual”, afirma Arízio Magalhães.
Há alguns anos, a estudante de nutrição Mariana Carvalho, 20, encontrou trechos da peça pela internet, primeira faísca de seu interesse pelo musical. No ano passado, ela e sua mãe foram assistir ao filme no cinema e, maravilhadas com a história, as duas foram motivadas a ver a versão brasileira no Teatro Renault; “eu amei o filme e me influenciou a ir assistir pessoalmente sim! Por mais que já fosse uma vontade assistir o musical”, diz a estudante.
Ela é da região metropolitana do Rio de Janeiro e, em junho, viajará por cerca de seis horas dentro do carro até São Paulo, para assistir ao musical presencialmente com seus pais. “Acho que será uma experiência única. Tudo que já vi desse espetáculo ao longo dos anos me deixa com expectativas altas!”.
A carioca não é a única a viajar para assistir o espetáculo. Em abril, Ana Luiza Barreto, fez check in em Londrina e entrou em um avião rumo a São Paulo com o mesmo objetivo. “Foi muito bom! Foi a primeira viagem que eu fiz sozinha e também o primeiro musical que eu assisti pessoalmente; gostaria de assistir outros também, mas na verdade eu estava muito animada para assistir Wicked e pensei ‘é melhor ir do que se arrepender”, conta Barreto.
COMPORTAMENTO EFUSIVO
Pode-se dizer que Wicked “furou a bolha” de musicais no Brasil de diversas formas. Com outros públicos passando a frequentar o teatro por conta da produção, comportamentos diferentes dos esperados foram notados, incomodando algumas pessoas. Na redes sociais, internautas reclamaram sobre espectadores cantando e gritando em meio às cenas, incomodando àqueles que queriam ouvir somente os atores em meio às apresentações musicais.

Segundo Baccic, um dos atores principais da montagem, “este comportamento mais efusivo ocorreu nas primeiras duas sessões, no mais, as pessoas vibram ao final de cada número musical como nas montagens anteriores. Abrimos venda de ingressos no dia da preview de Wicked no Brasil, a maioria que comprou para as primeiras sessões foi o público fã da peça. Não tem como julgar essas pessoas. De certo, causou incômodo em quem estava assistindo pela primeira vez, mas depois disso começamos a fazer um anúncio pedindo que tornem a experiência também agradável para todos”.
Além da mudança entre o comportamento da plateia, também são notáveis algumas diferenças na produção da própria peça em comparação a outros anos. Na edição de Wicked Brasil 2025, os figurinos dos personagens estão diferentes, alguns até chegam a se assemelhar com determinadas roupas usadas no filme. Certas palavras das músicas foram alteradas, para ficarem como as presentes no longa-metragem e também foram notados maiores detalhes na produção geral, como por exemplo a protagonista Myra Ruiz (Elphaba) sobrevoando a maior parte do Teatro Renault enquanto canta uma das músicas principais, ‘Desafiar a Gravidade’.
Algumas particularidades de edições anteriores do musical se mantiveram, como por exemplo a utilização de memes entre as falas, de forma descontraída e com improvisos, fazendo com que cada cena tenha um tom único. “Em alguns momentos da apresentação, a atriz que faz a Glinda, Fabi Bang, falou o meme ‘Denise sai da live’, que é um meme super em alta na atualidade. Então eu acho que o fato de trazer memes ao diálogo, além das músicas serem traduzidas, trazem uma conexão maior com o público que está assistindo”, explica Barreto, relembrando um dos momentos assistidos por ela na noite em que foi assistir a peça.

Em comparação à edição de 2023 do musical, outro fator que foi mantido é o programa de fidelidade de Wicked. Na primeira sessão a ser vista, os fãs podem se cadastrar e receber uma cartela, a qual devem carimbar todas as vezes que forem assistir ao musical presencialmente. Estes carimbos geram pontos que se acumulam em benefícios como brindes, fotos com atores e, ao final de 30 sessões, receber uma réplica da vassoura da personagem Elphaba ou da varinha de Glinda.
Seja como for, assistindo desde várias vezes de forma presencial, online pelos “proibidões” ou até mesmo pelo filme, que terá a continuação baseada no segundo ato lançada no final deste ano, a história de Wicked se manifesta de uma forma única em cada pessoa que a conhece. “Quando eu penso em Wicked, eu lembro de tudo que o musical já uniu a mim na minha vida, amigos, ídolos, momentos inesquecíveis. Wicked tem um poder transformador em quem faz e em quem assiste, mas é aquilo ‘pelo bem ou pelo mal não importa, por sua causa tudo mudou em mim”, pontua o fã Rayan de Souza, citando uma das músicas do segundo ato do musical.

