Madrinha do Festival Internacional de Música de Londrina, evento que ajudou a criar, a professora de canto Walkyria Côrtes Ferraz conhece como poucos o poder de transformação que a música é capaz operar na vida das pessoas. Prestes a completar 90 anos de idade, que serão celebrados em abril de 2022, ela foi responsável pela formação de mais de dois mil alunos em cinco décadas dedicadas à profissão. Às vésperas do Dia Nacional da Música, celebrado em 22 de novembro, a londrinense é taxativa em dizer que “a voz é o instrumento musical mais perfeito que existe”.

“O canto ajudou a me dedicar a pessoas que puderam expressar seus sentimentos através da voz. A música é muito poderosa e, bem utilizada pode se tornar uma grande aliada”, afirma dona Walkyria, como é carinhosamente chamada por cantores, cantoras, jornalistas e outros profissionais da voz que tiveram a privilégio de tê-la como professora. A idade avançada e alguns problemas de saúde a fizeram abrir mão das aulas de canto que ministrou até o início da pandemia, em março de 2020. “Ela adorava dar aulas de canto e quando não pôde mais receber pessoas em casa, acabou adoecendo. Hoje em dia ela recebe poucas visitas e tem dedicado seu tempo a tratamentos médicos que incluem sessões semanais de diálise”, informa a filha e musicista Hylea Ferraz.

Walkyria Côrtes Ferraz: " A música me acompanhou a vida toda e ainda me acompanha no tratamento médico"
Walkyria Côrtes Ferraz: " A música me acompanhou a vida toda e ainda me acompanha no tratamento médico" | Foto: Cleusa Migliorini/ Divulgação

A importância da extensa trajetória da professora de canto que contabiliza mais de 70 anos dedicados à música é ressaltada por por seus antigos alunos. “Venci um concurso de canto em Araçatuba, interior de São Paulo, no ano 2000 e os jurados que participaram do evento me aconselharam a estudar com a dona Walkíria. Naquela época eu ainda morava em Presidente Prudente e vinha todas as semanas a Londrina a cada 15 dias para ter aulas com ela”, comenta Mirian Hosokawa, cantora que integra o Grupo Chorus.

Nos últimos anos de aprendizado que já somam duas décadas, Mirian acabou sendo preparada por dona Walkyria para ser sua sucessora. “Desde que entrei para o curso de Licenciatura em Música na UEL (Universidade Estadual de Londrina), em 2013, ela tem me incentivado a dar aulas de canto. Acabei herdando partituras, métodos de estudo e outros materiais usados por ela. Além de me ensinar como usar a voz da melhor forma, ela me mostrou como o canto é capaz de trabalhar o ser humano como um todo, pois aprender a cantar é um processo de autoconhecimento. Ela tem um olhar muito humano. Sempre diz que o aluno não é uma página em branco e que a gente deve respeitar a história de vida que cada pessoa tem e trabalhar em cima dessas experiências individuais. Sou muito grata por tudo o que aprendi com ela”, ressalta a cantora que além de dar aulas de canto trabalha como regente de três coros na cidade.

“Em todos os eventos nos quais eu canto tem um pedacinho da dona Walkyria em mim, pois ela é uma das responsáveis pela minha formação musical”. A declaração de Solange Siqueroli, cantora lírica londrinense radicada em São Paulo, é carregada de gratidão. “Em 1989, professores do Festival de Música de Londrina procuraram cantores que integravam corais da cidade para fazerem parte da ópera Cavalleria Rusticana, que seria apresentada no evento. Eu fui uma das escolhidas e a dona Walkyria me adotou como filha musical. Naquela época eu não tinha condições de pagar pelo curso de canto e ela me dava aulas de graça todos os dias da semana. Nunca vou me esquecer disso e nem do empenho dela em produzir eventos para que seus alunos pudessem se apresentar visando a profissionalização. O canto lírico em Londrina deve muito a ela”, enfatiza a ex-aluna que se tornou cantora profissional e atuou em grandes musicais na capital paulista, entre eles “O Fantasma da Ópera” e “A Bela e a Fera”.

“A música de Londrina deve muito a ela, que sempre fez um trabalho extraordinário na cidade como professora de canto. Ela também teve uma importância fundamental na criação do Festival de Música de Londrina. Quando, em 1979, sugeri ao Governo do Estado que o evento fosse realizado em Londrina, ela foi responsável por toda a logística do festival, dando todo o apoio de que precisávamos, carregando professores em seu carro para cima e para baixo. As condições eram precárias e sem ela não teríamos conseguido realizá-lo. Ela é verdadeiramente a mãe do Festival de Música de Londrina e sempre deve ser lembrada por sua trajetória maravilhosa”, enfatiza o maestro Norton Morozowicz, idealizador do Festival Internacional de Música de Londrina.

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. | Foto: iStock

TRAJETÓRIA

Nascida em Curitiba em 1932, Walkyria planejava ser cantora lírica e para realizar o sonho de estudar canto na Escola de Música e Belas Artes do Paraná começou a ter aulas de piano aos 13 anos. Nesse mesmo período, entrou para o Coral da Catedral de Curitiba grupo no qual permaneceu até completar 25 anos e se casar com o médico londrinense Alceu Serpa Ferraz (falecido em 2013). Os dois se conheceram na época em que ele foi morar na capital para cursar Medicina e juntos tiveram cinco filhos.

Após morar em São Sebastião da Amoreira e São Paulo, o casal se mudou para Londrina e após sete anos afastada da música, Walkyria voltou a estudar com o Andréa Nuzzi (maestro autor do Hino de Londrina). Os dois montaram juntos um conjunto vocal chamado Escala de Seda e após a morte dele ela foi convidada para ser ensaiadora do coral da UEL, que estava em processo de formação. Anos mais tarde passou a dar aulas individuais de canto, atividade com a qual se tornou conhecida em toda a região.

Em reconhecimento à importância do trabalho da professora de canto para os londrinenses, a Câmara de Vereadores da cidade concedeu à dona Walkyria o título de Cidadã Honorária de Londrina em 2013. “A música me acompanhou a vida toda e ainda me acompanha no tratamento médico”, conclui a professora.

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